Dedicado ao repertório de Noel Rosa, segundo álbum do Brasøv chegou hoje às plataformas digitais. Finalmente

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"Brasøv Noel". Capa. Reprodução
"Brasøv Noel". Capa. Reprodução

Um dos grandes álbuns deste 2023, cujo fim bate à porta, chegou às plataformas digitais nesta sexta-feira (22). Trata-se de Brasøv Noel, o segundo do Brasøv, inteiramente dedicado ao repertório de Noel Rosa (1910-1937) – o primeiro é “Uma Noite em Tuktoyaktuk” (2007).

O disco surpreende por diversos aspectos, a começar pela abordagem do repertório do sambista carioca. O Brasøv consegue soar original mesmo em temas mais batidos do compositor. O bom humor e certa dose de escracho podem evocar Premeditando o Breque, Grupo Rumo ou Arrigo Barnabé, entre outros nomes da Vanguarda Paulistana (mas é outra coisa!), e a fina ironia da capa – biscoitos em formato de Papai Noel – pode remeter o ouvinte a outra ideia. “A arte é de Luiza Marcier sobre foto de Carol Pires, feita a partir dos biscoitos confeccionados por Suzana Rodrigues”, localiza o violonista, pesquisador e escritor Luís Filipe de Lima, que produziu o álbum, em texto publicado em uma rede social, que acabou fazendo as vezes de release.

Foi justamente o citado texto o que chamou a atenção deste resenhista para o álbum. Anota ele, logo no título: “o álbum mais esperado da década (passada!)”, referindo-se à demora no lançamento: Brasøv Noel começou a ser gravado em dezembro de 2010, por ocasião das celebrações pelo centenário de Noel Rosa, e por este caminho angariou participações especiais de Jards Macalé (em “Onde Está a Honestidade?”, parceria com Francisco Alves [1898-1952]), Pedro Miranda (“Com Que Roupa?”, que abre o álbum) e Zélia Duncan (“Com Mulher Não Quero Mais Nada”, com Silvio Pinto [s/d]), além do Saxofonista Mascarado (“Quem Não Quer Sou Eu”, com Francisco Alves e Ismael Silva [1905-1978]) – o repertório se completa com “O Que é Que Você Fazia?” (parceria com Hervé Cordovil [1914-1979]), “Pra Quê Mentir? (com Oswaldo Gogliano [1910-1962]) e “Seja Breve”.

O bissexto Brasøv é formado por Raphael Miranda (bateria e voz), Rafael Rocha (percussão e voz), Lucas Marcier (baixo e voz), Ricardo Dias Gomes (teclados e voz), Fabiano Krieger (guitarra e voz), Daniel Vasques (saxofone e voz) e Felipe Rocha (trompete e voz). “Mas nesse álbum os trompetes foram gravados pelo Leandro Joaquim, o Felipe contribuiu cantando. E nos arranjos, que são todos coletivos”, localiza o guitarrista, em conversa exclusiva com FAROFAFÁ.

“A origem do nome do grupo vem de 1999, onde uma das nossas maiores influências era a música do leste europeu. A gente surgiu tocando uma maioria de repertório de música instrumental e sempre buscando trazer para perto coisas distantes, e por isso a gente tocava músicas de países do leste europeu, música cigana, músicas muito antigas, músicas de seriados de televisão que a gente trazia para o ambiente de show, coisas que eram feitas antes para tevê, era esse tipo de brincadeira. E Brasøv [pronuncia “Brátchóv”], a pronúncia é essa, é uma cidade na Romênia, ali perto da Transilvânia, e quando a gente descobriu que existia essa cidade, a gente achou muito interessante, é uma cidade que abrasileiradamente poderia ser chamada de “Brasóv”, como se fosse uma mistura de um Brasil russo, um Brasil romeno, que era uma coisa que a gente fazia, de pegar coisa de fanfarras, coisas ciganas e trazer para essa formação de banda mais pop, com guitarra, baixo, bateria e com metais, para essa formação mais de música pop”, explica Fabiano Krieger.

Em um longo depoimento, o músico joga luz sobre tudo que envolveu o lançamento deste segundo álbum, desde certa incompatibilidade de agendas dos integrantes, questões burocráticas, até dilemas éticos envolvendo o machismo e a misoginia (então ainda mais) presentes no cancioneiro brasileiro nas décadas de 1920 e 30.

“Desde o início o Brasøv foi uma banda que foi um pouco bissexta. Durante muito pouco tempo ela foi a nossa ocupação principal. Provavelmente nos nossos três ou quatro primeiros anos foi o momento em que a banda era o que a gente fazia de primário, nossa ocupação primordial era tocar no Brasøv. Depois disso a gente teve já um primeiro hiato para gravar o primeiro disco. Todo mundo trabalha com música na banda, mas começando a ter outros trabalhos, tocando com outras pessoas, fazendo outras coisas, e o intervalo entre gravar o primeiro disco e lançar já foi um intervalo de quatro anos, porque a gente gravava um pouquinho e parava, aí a gente meio que cansou de ficar fazendo o mesmo show, e falamos: “vamos nos reunir para fazer shows só quando o disco estiver pronto”. Aí nisso foram quatro anos, porque a gente parou de fazer shows e se encontrava muito ocasionalmente, cada um foi trabalhar com suas coisas. Em 2006 o disco ficou pronto, então daí já tem uns quatro anos que a gente ficou praticamente sem tocar junto, só se encontrando esporadicamente, “ah, como é que está o disco?”, “está assim”. Em 2006 a gente lançando o disco a gente começou um período até maior de fazer shows, e rodar, e sair por aí, e ficar tocando. Em 2010, quando chega esse convite do Luís Filipe para a gente fazer um show só com coisas de Noel e depois gravar o disco a partir do show que a gente fez, já era um período em que já estava passando o período em que a gente estava tocando junto, a gente já não estava mais tocando tanto e se reunindo tanto e fazendo tantas turnês. Cada um da banda sempre teve o seu sub, a gente, para um show com a formação completa, começou a ser uma coisa cada vez mais esporádica, porque sempre dois ou três não podiam, e a gente ia metade da banda e metade dos sub, e a gente sempre escolheu muito bem nossos substitutos, não só por serem pessoas que tocavam seu instrumento, mas também que tivessem o clima que a gente gostava de imprimir no palco, as nossas apresentações ao vivo sempre foram uma coisa com a nossa personalidade. Em 2010, quando a gente faz o show do Noel, foi já um período em que a gente já não estava se reunindo muito bem e a gente começou a gravar o disco. E aí de novo aconteceu de cada um começar a fazer uma coisa, a enveredar por novos caminhos, a trabalhar e tal. O processo de você fazer um disco independente é um negócio que tem pequenas coisinhas e pequenas burocracias que depois que está tudo gravado, a gente gravou o disco, beleza, agora, para sair o disco, tem várias pequenas coisinhas para decidir, que quando você está numa banda de sete elementos, nem todo mundo nem mora na mesma cidade, às vezes, o Ricardo, por exemplo, tecladista, hoje em dia mora em Lisboa, é um negócio que vai sendo difícil de decidir: como é que vai ser a capa?, essa música do Noel tem parceiro, como é que a gente corre atrás da família para autorizar?, tem que pagar alguma coisa?, não tem que pagar alguma coisa?, como é que vai ser não sei o quê?, vamos masterizar, quem é que vai masterizar? É um processo tal, que quando você tem um trabalho solo e você decide sozinho e vai lá, ou quando você está dentro de um projeto comercial, que você já tem uma equipe para trabalhar a coisa, a coisa flui, sabe? Tem uma equipe para fazer, tem um produtor para fazer, tem alguma coisa assim. Mas no nosso caso, a gente até já trabalhou com alguns produtores de estrada, de shows, mas a gente nunca teve empresário, nunca teve nada assim, sempre foi a gente fazendo as coisas. E a partir do momento que a gente começa a ficar cada um mais atolado que o outro de trabalho, é isso. O Felipe Rocha, que é o trompetista, ele é ator, ele começou a fazer cada vez mais filmes, mais coisas; o Ricardinho Dias Gomes gravou três discos com a Banda Cê, do Caetano Veloso, em alguns momentos, trabalhando muito com isso. Eu e o Lucas Marcier a gente enveredou pelo audiovisual, fazendo trilha sonora, a gente faz muita coisa, muito filme, muita série, então praticamente sempre atolado. O Daniel é técnico de som, é saxofonista, é um monte de coisa. O Raphael Miranda, o baterista, em algum momento ele entrou na banda, ele é muito do rock, do metal, ele é de uma banda que é o Ego Kill Talent, que é um sucesso estrondoso, eles rodam pela Europa, pelos Estados Unidos abrindo shows do Sepultura, abrindo show do Megadeth, tem uma super carreira internacional. Então a gente se reunir para qualquer coisa, mesmo que virtualmente, foi ficando cada vez mais complicado, e aí cada micropassinho, tipo, vamos aprovar a mixagem, vamos aprovar não sei o quê lá, foi durando cada vez mais tempo, até que eu acho que chegou um momento que a gente ficou anos faltando dar um último passo para fazer esse lançamento, alguma última coisa, entrar em contato com alguma distribuidora digital, alguma coisa, isso levou anos para ser feito. Até que finalmente, esse ano, a gente virou e falou: “não, vamos criar uma vergonha na cara, vamos lançar, vamos lançar neste Natal”, pronto, a gente tira isso, porque muita gente relativamente próxima ficou acompanhando esse processo durante anos e querendo ouvir, “cara, cadê?”, a gente mostrava uma coisinha, “cara, isso está legal, por quê que isso não está no ar, isso tem que estar no ar”, sabe? Então a gente ficava sofrendo um pouco essa coisa de as pessoas pedindo para a gente para ouvir e a gente ao mesmo tempo, “caraca, como é que a gente vai sentar e fazer isso?”. E aí esse ano finalmente a gente falou: “está bom, vamos lançar, porque a gente tem que jogar isso para as pessoas poderem ouvir, quem quiser ouvir, ouvir; evidente que tem que jogar isso para o mundo. E aí teve mais um ponto de discussão, que foi um negócio importante. Originalmente eram 10 faixas, eram essas sete faixas, e as outras três que a gente tocava do Noel eram “Você Vai Se Quiser”, “Vai Haver Barulho no Chatô” [parceria com Walfrido Silva (1904-1972)] e “Mulher Indigesta”. Em algum momento, quando já estava tudo gravado, tudo praticamente mixado, a gente foi percebendo as mudanças do mundo. E a gente começou a perceber que aquilo que a gente cantava ali, a gente mais moleque, achando engraçado, fazendo a coisa como piada, de alguma forma, a gente cantando coisas que são muito esdrúxulas, porque a gente sempre gostou de coisas esdrúxulas, de levar alguma coisa a um nível estapafúrdio completo. Então lá para 2010, a gente cantava “ai, que mulher indigesta/ merece um tijolo na testa”, entendendo aquilo como uma coisa muito esdrúxula e muito estapafúrdia. Só que cinco, seis anos depois, a gente já começou a entender que não dava mais para a gente fazer isso, que existia uma nova percepção que falava que isso não é bom nem como uma coisa estapafúrdia, não dá mais para brincar com isso. A gente, hoje em dia, está visibilizando determinadas camadas da sociedade que eram invisibilizadas e a gente achava esdrúxulo provavelmente porque a gente tinha a nossa parcela de [culpa em] invisibilizar essas camadas. Então, hoje em dia não dá mais, então a gente ficou numa discussão de um tempo, também, interna, tipo: cara, essas músicas têm salvação?, elas não têm salvação?, elas devariam ser lançadas em 2023, como alguma coisa de forma crítica?, como é que a gente coloca isso de forma crítica?, isso merece a gente colocar um holofote nesse tipo de lançamento? Isso também tomou um tempo, até a gente virar e falar: cara, não, a gente não vai fazer isso, deixa isso para lá; então a gente fala sobre isso aqui, eu posso falar sobre isso, a gente resolveu não lançar, dando uma luz sobre esse tipo de debate, sobre esse tipo de questionamento, mas a gente preferiu não colocar essas coisas no ar, e isso foi um fator que também foi fazendo com que esse álbum demorasse mais e mais e mais e mais anos, até que a gente conseguisse tomar uma decisão e finalmente lançá-lo. E felizmente isso aconteceu. Finalmente”.

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Ouça Brasøv Noel:

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