Retrato: Leo Aversa/ Divulgação
Retrato: Leo Aversa/ Divulgação
"Coração Bifurcado". Capa de Omar Salomão sobre foto de Leo Aversa. Reprodução
“Coração Bifurcado”. Capa de Omar Salomão sobre foto de Leo Aversa. Reprodução

Juventude não tem a ver com idade cronológica. É o que nos prova, do alto de seus 80 anos completados mês passado, o cantor, compositor e violonista Jards Macalé, que lança nesta sexta-feira (28), “Coração Bifurcado”, álbum de amor e encruzilhadas.

Artista instigante desde sua estreia, com o homônimo “Jards Macalé” (1972), o “professor”, como é, à maneira de um técnico de futebol, chamado pela turma mais nova que o cerca, se faz acompanhar por esta e por parceiros das antigas para compor o mosaico do inspirado “Coração Bifurcado”.

“O amor” é a primeira coisa que se ouve no álbum, logo no primeiro verso de “Amor in Natura”, parceria com José Carlos Capinan, um de seus mais frequentes e longevos parceiros – com quem assina também “A Arte de Não Morrer”, já lançada como single, anunciando este novo álbum, de algum modo uma canção síntese: dos métodos de sobrevivência em meio a uma pandemia, quando foi composta, e do próprio processo constante de reinvenção de seus autores, o que os mantêm jovens, mesmo oitentões.

Nada em Macalé é convencional, o que ajuda a explicar o interesse mais ou menos recente nutrido por uma geração que o re/descobriu, entre nomes que têm colaborado com ele em discos e o público ouvinte em geral. O que explica também seu vigor criativo. A faixa-título, parceria com Kiko Dinucci, músico desta nova geração, é samba com os dois pés nos terreiros das religiões de matriz africana, evocados à perfeição no coro de Analimar Ventapane, Dandara Ventapane e Maíra Freitas.

Maria Bethânia comparece a “Mistérios do Nosso Amor” (Jards Macalé/ Ronaldo Bastos), reavivando uma amizade e convívio criativo estabelecido desde a década de 1960, quando Macalé tocou violão e foi diretor musical em shows da cantora. A dupla também assina “O Amor Vem da Paz”, de ar bossanovista, em que Macalé (voz) é acompanhado pela mesma banda que acompanha Bethânia: Cristóvão Bastos (arranjo e piano), Antônio Rocha (flauta), Aquiles Moraes (trompete e flugelhorn), Rui Alvim (sax alto e clarinete), Yuri Ranevsky (violoncelo), Jorge Helder (baixo acústico e violão) e Jurim Moreira (bateria). Entre ambas, “Grãos de Açúcar”, parceria com Alice Coutinho, também estabelece uma ponte com a bossa nova, com citação sutil de “Dindi” (Tom Jobim [1927-1994]/ Aloysio de Oliveira [1914-1995]), na crueza do registro solitário de voz e violão (de Macalé).

Para seu disco, o compositor de “Amo Tanto” traz o registro de Nara Leão (1942-1989), gravado em seu disco “Nara Pede Passagem” (1966), com o acompanhamento de luxuoso de Copinha (1910-1984) (flauta), Dino 7 Cordas (1918-2006) (violão sete cordas) e Canhoto (1908-1987) (cavaquinho), numa encruzilhada entre saudade, homenagem e presença, demonstração cabal das lições de dois poetas, saudosos e presentes, ambos maranhenses: “a arte existe porque a vida não basta” (Ferreira Gullar [1930-2016]) e “a poesia é maior que a morte” (Celso Borges [1959-2023]).

Parceria com Rodrigo Campos, “A Foto do Amor” é canção de cronista, um passeio por São Paulo e seus personagens. “Pra Um Novo Amor Chegar” (Guilherme Held/ Jards Macalé/ Romulo Fróes) é, como entrega o título, sobre ciclos, a finitude do amor e a sucessão dos amores. Ná Ozzetti comparece a “Simples Assim” (Jards Macalé/ Romulo Fróes), acompanhada apenas pela guitarra de Guilherme Held. “Simples assim/ Quando eu a vi/ Reconheci/ Parece até/ Que esteve sempre/ Por aqui/ Era você/ Meu sonho bom/ Que se perdeu/ Naquele breu/ E o dia não/ Nasceu”, começa a letra que deveria ter sido cantada por Gal Costa (1945-2022), a quem o disco é dedicado.

A gafieira “Você Vai Rir” (Jards Macalé/ Clima) precede o fim do disco, com destaque para o naipe de sopros, pilotado por Antônio Neves (arranjo de sopros) e executado por Rui Alvim (clarinete e clarone), Aquiles Moraes (trompete e flugelhorn), Eduardo Santana (trompete e flugelhorn), Oswaldo Lessa (flauta e sax tenor), Everson Moraes (trombone e oficleide), Jonas Horcheman (trombone) e Leandro Dantas (trombone baixo).

O núcleo mais constante ao longo do álbum é o formado por Jards Macalé (voz, violão e direção musical), Guilherme Held (guitarra), Pedro Dantas (baixo, synth bass), Thomas Harres (bateria, atabaque, conga, surdo) e Rodrigo Campos (cavaquinho, guitarra, ganzá, tantan, pandeiro, tamborim, agogô, reco-reco, repique de anel); o quarteto assina a produção de “Coração Bifurcado”, que tem direção artística de Romulo Fróes e direção geral de Rejane Zilles.

Em diferentes medidas e abordagens, “Coração Bifurcado” é um disco em que se canta o amor – um disco necessário em tempos de tanto ódio e estupidez. Fora “Amo Tanto”, “Cante”, que encerra o disco, é a única composição solitária de Jards Macalé no repertório. Parece ser o único momento em que o jovem oitentão se faz valer de sua autoridade, com o título no imperativo, cuja letra transcrevemos a seguir, na íntegra: “Faça música que é bom/ Cante, cante/ Porque é melhor pro mundo/ Cante, cante/ A melhor coisa do mundo além do amor/ Como o amor/ É cantar/ Cante, cante”.

Amar e cantar, verbos e sentimentos. O ódio vem arrefecendo, mais devagar do que gostaríamos; por isso, não vacilemos: obedeçamos à ordem-convite de Jards Macalé. Cantemos e amemos.

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Faça a pré-save de “Coração Bifurcado”:

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