No teatro, Rita Lee e sua autobiografia musical

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Rita Lee está viva, cheia de graça, e, certamente, tem feito um monte de gente feliz. É o que se depreende do musical em cartaz no Teatro Porto, com ingressos esgotados e uma plateia que sai comovida do espetáculo. Mel Lisboa interpreta a mais importante compositora popular brasileira com a pura intenção de prestar uma homenagem. Ela tem sabedoria, Rita era única.

Esqueça os musicais pirotécnicos, com infinitas trocas de figurino, cenografia exuberante e efeitos especiais dignos de Broadway, daqueles enlatados caça-níqueis que o Brasil acostumou-se a importar com recursos da Lei Rouanet – que Rita nunca usou. Uma “banda” (composta pelos músicos Felipe Mota, Jackie Mota, Márcio Guimarães, Ricardo Berti e Rovilson Pascoal) permanece o tempo todo num platô elevado do palco, garantindo a devida sonorização do espetáculo. Rita Lee, Uma Autobiografia Musical é uma contação de histórias que segue o livro escrito pela cantora e compositora paulista que morreu em 8 de maio de 2023. Quem leu a autobiografia vai ver páginas saltando direto para o palco, com roteiro e pesquisa de Guilherme Samora e direção de Marcio Macena e Débora Dubois.

Mel Lisboa, que encontra em Rita Lee a personagem perfeita para demonstrar sua versatilidade nos palcos (que vai de peças como Dogville a Misery, passando por Madame Blavatsky), interpreta as canções com segurança. Talvez tenha se sentido mais à vontade ao saber que a própria artista julgava ter uma “voz fraquinha e meio desafinada, sem potência alguma”. O que importa é a vontade da atriz em reviver uma roqueira que faz parte da história de gerações e com muitas histórias para contar.

O ritmo alucinante da narrativa imprimida na escrita de Rita Lee é desacelerado no musical. Muitos personagens tiveram de ser suprimidos e episódios, resumidos. A saída dela dos Mutantes, sua primeira banda, e a passagem pelas Cilibrinas do Éden, servem de exemplo. Cada parágrafo da autobiografia é uma profusão de referências difíceis de acompanhar, o que no espetáculo se optou por interpretações particulares e pontuais performadas pelo numeroso e talentoso elenco. São eles que dão vida a personagens como Arnaldo Baptista (interpretado por Antonio Vanfill que também faz as vezes de pai de Rita)e Sérgio Dias (Gustavo Rezê), parceiros de Rita no Mutantes, Ronnie Von (Bruno Fraga, que também interpreta o grande parceiro dela), Gilberto Gil e Raul Seixas (Roquildes Junior), Gal Costa (Yael Pecarovich), Ney Matogrosso (Fabiano Augusto), Elis Regina (Flávia Strongolli) e, claro, Roberto de Carvalho.

Com uma carreira que começou no bairro Vila Mariana, onde via discos-voadores, passou por temporadas e turnês no exterior, pelos anos da ditadura, onde foi perseguida e encarcerada por fumar maconha (?), e que se encerrou com a roqueira vivendo seus últimos dias na Serra da Cantareira, Rita Lee já teve sua história contada de inúmeras formas, inclusive por FAROFAFÁ (A musa Rita Lee; Rita Lee & nós, tutti fuditti; Rita Lee em busca de liberdade; Rita Lee, desbravadora). O que o musical de Rita Lee acrescenta é uma dose de generosidade a essa epopeia musical para os fãs que vão ao teatro esperando justamente por uma homenagem à altura da ídola.

Rita Lee, Uma Autobiografia Musical é um sucesso. Já não há mais ingressos à venda no Teatro Porto para as 30 sessões previstas de uma temporada que mal começou e se estende até 7 de julho. Mas sessões extras estão sendo estudadas. O êxito desse musical não reside no público massivo, senão na generosidade do elenco em retratar de forma singela e sonora a vida e a obra de uma artista que faz falta – importante citar a direção musical de Marco França e Márcio Guimarães.

A atriz Mel Lisboa já interpretou Rita Lee em outro musical, de 2014. E foi até assistida pela própria cantora, que gostou do que viu. Desta vez, foi Roberto de Carvalho que compareceu ao ensaio e aprovou a montagem. A cantora e compositora era irreverente, não tinha papas na língua e soltava impropérios e palavrões que soam engraçado na escrita dela. No palco, essa parte é aliviada e a energia de Rita parece amainada, sobressaindo a versão “fofa”. Mas isso pouco importa. O musical cumpre com o desejo expresso da roqueira de fazer um monte de gente feliz, e que, mesmo não tendo morrido do coração, amou demais o seu público.

Rita Lee, Uma Autobiografia Musical. Direção de Marcio Macena e Débora Dubois. No Teatro Porto, sextas-feiras, sábados e domingos. Ingressos esgotados.

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