O produtor musical Guilherme Kastrup com Mirassol Mwaba e Chico César no estúdio Toca do Tatu - foto: Victor Balde/divulgação
O produtor musical Guilherme Kastrup com Mirassol Mwaba e Chico César no estúdio Toca do Tatu - foto: Victor Balde/divulgação

A cantora e compositora Marissol Mwaba lançou em novembro passado o single autoral “Frase Única”. As participações especiais do pianista Zé Manoel e do cantor e compositor Chico César foram, para ela, a realização de um sonho.

É o que ela revela em entrevista exclusiva a FAROFAFÁ, em que comenta questões como a percepção sobre sua origem ancestral, o amor e seu lugar na vida e na superação do racismo – insuperável, na lógica capitalista, segundo ela.

Uma artista jovem extremamente consciente de seu papel e do poder transformador de sua arte. Para compor “Frase Única” ela se inspirou em conversas “com amigos, com pessoas próximas e até com estranhos, desconhecidos, diálogos com familiares e todas as coisas que essas pessoas iam dizendo acerca do amor”.

A cantora e compositora Marissol Mwaba - foto: Nayron Rodrigues (Dreamland)/divulgação
A cantora e compositora Marissol Mwaba – foto: Nayron Rodrigues (Dreamland)/divulgação

SEIS PERGUNTAS PARA MARISSOL MWABA

ZEMA RIBEIRO: O que significou para você ter uma música autoral gravada com as adesões de Chico César e Zé Manoel?
MARISSOL MWABA: Para mim significou muito, um sonho sendo realizado, porque você tá ali lado a lado com pessoas que você admira e que você não imaginou estar vivendo um momento como esse ainda, com uma música que você mesmo escreveu, enfim. E ter aquelas pessoas ali admirando também e felizes em estar fazendo parte de um momento que é um dos mais importantes para a sua vida, para mim, como artista, foi um sonho sendo realizado mesmo. A realização é poder estar vivendo aquilo e mais ainda poder propagar isso na forma de um lançamento para o público, para as pessoas poderem acessar também, ouvir e assistir esse clipe nesse formato tão documental que ele tem, como se fosse eternizando mesmo, né? Esse momento sempre vai ser pra mim um lembrete de acreditar no que eu faço, um lembrete de acreditar nos sonhos e um lembrete de ter coragem, né? Então, pra mim, o Chico é uma pessoa que eu admiro desde a minha infância, sou muito fã mesmo e eu nunca, nos meus melhores sonhos, ia imaginar o Chico um dia cantando junto comigo uma música, uma composição minha. Pra mim isso era uma coisa ousada demais de imaginar. Hoje, isso tendo sido realizado, eu me sinto muito, muito feliz, tendo realizado um sonho, e o Zé Manuel também é uma pessoa que eu admiro demais, assisti-lo tocando é como se você estivesse num conto de fadas, um príncipe tocando. E ver toda aquela dedicação, aquela delicadeza, aquela atenção e genialidade que ele tem voltadas ali naquela música, tocando o piano, naquele carinho que ele tocou, pra mim foi um sonho sendo realizado mesmo, como artista, como compositora e sobretudo como pessoa.

ZR: “Frase Única” foi lançada em novembro do ano passado e ganhou videoclipe agora. O que te motivou a fazê-lo?
MM: Quando a gente conseguiu finalmente saber que ia acontecer esse encontro, que ia acontecer essa gravação, eu tinha certeza de que precisava ser filmado e não só no intuito de fazer um videoclipe, mas no intuito de registro mesmo. Tem muitas entrevistas que foram feitas nesse dia, não só com o Chico, com o Zé, mas também comigo, com todas as pessoas que participaram do lançamento. Então, tem entrevistas sobre as questões em torno dessa música, que me moveram em torno desse lançamento, especialmente as perguntas sobre quais são os amores que te fazem bem. Todo mundo respondeu isso, quais são os amores que fazem bem a si próprios, e também o que inspira nossas próprias trajetórias. Então, foi uma pesquisa que eu queria fazer com os colegas e com as pessoas que estão de mãos dadas com o meu trabalho. Registrar esse encontro era certo, registrar essas palavras de todo mundo envolvido era certo, e era material de sobra para fazer de fato um videoclipe. Então, depois que a música foi lançada, a gente levou até o fim e fizemos esse videoclipe. A maior dificuldade foi mesmo selecionar o que não ia estar, porque é muito material, são muitas entrevistas, são muitas coisas interessantes envolvidas na emoção, no sentimento e nas palavras em torno dessa música. Então a gente conseguiu trazer isso também pro dia dessa gravação com aquilo tudo que significa, que tá ali nas nossas expressões. Tem até um momento ali no clipe que eu choro porque foi uma emoção muito grande, acessou lugares de emoção muito grande, então precisava ter uma coisa sob o fundo da música que fosse mostrar o que foi gravar essa música, o que foi esse momento, um registro desse momento, então isso motivou muita gente a fazer o clipe, de fato, lançar o clipe, porque é como se fosse um retrato ali da nossa humanidade, no caso, a humanidade de cada um participando ali, enquanto pessoas estão usando também uma obra artística. Então é isso, assim, o que motivou, essa vontade de apresentar algo que inspire também, não só o público geral, mas também outros artistas que acompanham e que sabem o que é aquela emoção e a luta toda que é até você conseguir fazer, realizar uma coisa sendo artista independente. Enfim, foi uma grande motivação, até porque um grande incentivo para que esse lançamento acontecesse para mim foi um dia que [interrompe-se], porque assim, essa música é uma música que já havia sido feita, eu já tocava essa música, não é uma música que eu fiz para lançar, é uma música que eu escolhi lançar. E uma grande motivação para isso foi quando, no meio do ano passado, em 29 de junho de 2023, eu assisti uma palestra onde a professora doutora Letícia Carolina falou que o que trouxe ela até ali foi o sonho, que a gente precisa de inspiração para sonhar. Aquilo ali me deu uma vitalidade, uma vontade de realizar coisas que eu sinto num lugar inspirador, primeiro, de frente à minha própria vida. E segundo, com o potencial de inspirar em volta, né? E aí me motivou a escolher essa música, a fazer o convite para o Chico e ir direto ali no sonho mesmo, fazer o convite para o Zé e ir direto no sonho e pensar a melhor configuração possível e fazer acontecer basicamente tudo que eu tinha era vontade de fazer e muita determinação e nisso pessoas me deram a mão, literalmente, né? O [percussionistae produtor musical Guilherme] Kastrup me deu a mão e falou vamos fazer, de todo jeito, vamos fazer. A Dreamland [marketing digital e filmagens] me deu a mão, falou vamos fazer, e aí, as pessoas acreditando em volta, isso passou a ser tudo que eu tinha, e a vontade de fazer. Então é isso, não podia deixar de lançar esse clipe, tinha que lançar mesmo.

ZR: Você compôs sozinha letra e música. O que te inspirou?
MM: Sim, eu compus letra e música. O que me inspirou foram os amores em volta, das pessoas em volta: diálogos que eu tive com amigos, com pessoas próximas e até com estranhos, desconhecidos, diálogos com familiares e todas as coisas que essas pessoas iam dizendo acerca do amor, durante um período foram me chamando a atenção, várias frases e vários momentos do que essas pessoas estavam vivendo, e ver em torno de um mesmo tema, diferentes visões, a depender do momento, da circunstância e das pessoas, diferentes visões sobre uma mesma temática, um grandessíssimo guarda-chuva que a gente chama de amor. Então eu fui me encantando por cada momento, prestando atenção e vendo cada momento desses como um universo, como um lugar de possibilidades, um lugar de infinitas emoções e camadas, de profundidade. Então eu fui juntando esses universos, esses momentos dessas pessoas e fazendo uma história que, na verdade, são várias. É inspirado nessas vivências de amor que eu fui encontrando em diálogos das coisas que as pessoas estavam vivendo. E é muito bonito pra mim pensar que, ao longo de uma vida, a gente transita por vários desses lugares, “até se acha à toa na esquina,/ mesmo assim é raro e encontrei” [declama trecho da letra], alguém que encontrou aquele amor, alguém que, ao mesmo tempo vive, “sempre vivo aquele beijo e eu nem vejo mais você” [continua]. Às vezes, a mesma pessoa já passou por essas duas coisas, né? “Pelas portas que abro na vida é com você que eu quero entrar”, aquela vontade de estar junto com uma pessoa pra oportunidades, pra coisas, pra novas coisas e ao mesmo tempo “vai levar um tempo pra aceitar” [cita ainda outros trechos da letra] algo que pode ter acabado ou algo que pode estar em outro momento, mas que também pode ter sido vivenciado ali pela mesma pessoa que queria entrar em oportunidades bonitas na vida ao lado de uma outra pessoa. Então a gente tem um trânsito de possibilidades, momentos, tudo em torno do amor da vida real. O nome da música é “Frase Única” porque a frase que partiu ali da minha história e do momento que eu escrevi a música, foi que “o amor faz bem” [também trecho da letra]. Então essa é a frase que eu vejo como única e absoluta, que é “o amor faz bem” e isso também acaba entrando num lugar de que o amor é pra fazer bem. O que o amor faz é bem, por mais que a gente tenha desdobramentos, às vezes, sofrimentos em torno desse amor, ele precisa partir de um lugar de fazer bem, e aí entra na coisa da importância da saúde dentro de relacionamentos e interações amorosas que a gente precisa ter, especialmente nesse mundo configurado como tal nosso, mulheres, né? A gente precisa ter cada vez mais possibilidades e oportunidades de vivenciar amores que façam bem, e não só na questão conjugal, afetiva, sexual, enfim, mas também os amores que a gente vivencia com a gente mesmo, os amores que a gente tem pelas coisas que a gente faz, os amores que a gente tem pelas nossas possibilidades, os amores que a gente tem pelos nossos sonhos, os amores que a gente tem e que fortalecem ao longo de toda a nossa caminhada e ao longo de toda a nossa trajetória, dando ânima e alma a tudo aquilo que a gente faz, que a gente tece, que a gente cria e que a gente vivencia. Então, isso tudo foi uma grande coisa assim que inspirou e inspira até hoje em relação a essa música. Tanto a melodia quanto a harmonia dessa música, ela caminha. Caminha e volta para o mesmo lugar, que é “o amor faz bem”. E isso contado não só na letra, mas também ali na melodia e na harmonia, que vai modulando, vai indo, vai indo, vai indo e depois ela volta para o mesmo lugar.

ZR: Depois do álbum de estreia, Luz Azul, de 2015, você tem lançado exclusivamente singles. Está pensando em novo álbum? O que pode adiantar de novos projetos?
MM: Momento spoiler. Em 2021 lancei o EP Ndeke, e sim, estou pensando sim em novidades, não só pensando, como já em andamento. Muitas novidades aí pra gente, estou mergulhadíssima em conceitos, misturando vários lados e camadas minhas, a minha camada que é dedicada à astrofísica [área de formação que trocou para dedicar-se prioritariamente à música] e a minha camada dedicada à arte, estão se juntando pra esse novo trabalho que eu estou super ansiosa em poder falar mais sobre isso, mas tá chegando, tá chegando.

ZR: Você é de Brasília, cidade-berço do chamado rock brazuca. Esse som te influencia? Que artistas do Distrito Federal te chamam a atenção e você recomendaria às pessoas?
MM: Olha que pergunta legal! Eu nasci em Brasília, mas eu não me considero de Brasília porque eu não me criei em Brasília, eu me criei na Bahia. E depois de ter me criado na Bahia, eu construí toda a minha carreira em Santa Catarina, em Florianópolis, então eu sou um misto ali de baiana com catarinense e nascida em Brasília, mas ao mesmo tempo congolesa, porque toda a minha família é da República Democrática do Congo e a minha identidade é muito forte ali na minha cultura, então sou congo-brasileira, mas de naturalidade no Brasil, assim, eu sou mais conectada com Santa Catarina, Florianópolis e também com a Bahia, do que propriamente com Brasília. Mas como a música do rock brasiliense inclusive se popularizou bastante e a música de rádio fez muito parte da minha formação musical, além de músicas congolesas e outros estilos musicais, eu ouvi muito rock quando era adolescente e ouvi também rock brasileiro, eu ouvi muita Legião Urbana, eu ouvi muito Os Paralamas do Sucesso, eu ouvi muita banda desse nosso período do rock e o rock brasileiro, essa coisa que tomou o Brasil inteiro e até a cultura pop, eu ouvi muito. Da atualidade, em Brasília, hoje eu gosto muito da Letícia Fialho. Ela é de uma poesia assim, poesia em todos os sentidos, né?, melódica, harmônica e caneta mesmo, assim, maravilhosa. Gosto muito da Dessa Ferreira. Dessa Ferreira é percussionista, cantora, compositora, produtora musical. E Dessa faz um trabalho fantástico, principalmente na exploração, no sentido de investigação de ritmos populares brasileiros, e mistura isso com a música super autoral que ela faz. Juntando as veias dela, tanto indígenas quanto veias negras do Brasil. Então, é uma pessoa afro-indígena que faz um som fantástico, tocando várias percussões no show. É incrível! Então, acho que Brasília tá fervendo hoje também com a cena independente e autoral. E que tem me influenciado bastante também. Me alimenta muito de inspiração, de saber de toda essa movimentação acontecendo. E, eventualmente, poder também interagir com esses artistas é uma honra imensa. Eu recomendaria muito, nesse momento aqui, ouvirem Letícia Fialho e Dessa Ferreira.

ZR: Voltando à “Frase Única”, o feat marca o encontro de três grandiosos artistas negros. A superação do racismo passa também pelo amor. Eu quero te ouvir um pouco sobre este aspecto.
MM: Sim, “Frase Única” junta, não à toa, três artistas negros e a gente falando de amor é muito potente. Eu vejo como muito potente porque é um território que nos é negado de muitas maneiras. Pessoas não hegemônicas, no geral, têm esse território do amor como uma grande questão. E trazer a gente ali, falando de amor de uma forma delicada, de um jeito profundo e simples, eu vi como uma oportunidade de existir de um jeito mais gostoso. E tudo que converge com a humanidade, com a humanização, enquanto indivíduos, pra nós, especialmente aqui focando em pessoas negras, tudo que converge com a nossa humanização é revolucionário porque a gente tá o tempo inteiro sendo desumanizado, tendo a nossa individualidade retirada. Então assim, superar o racismo, eu acredito que não é algo possível dentro do sistema capitalista que a gente vive e dentro dessa estrutura que a gente tem, que é exploração sobre exploração. Então assim, superar o racismo sem mudar absolutamente tudo nessa sociedade, acho que a gente não consegue, mas no enfrentamento e no ganhar forças frente a tudo isso, acho que o amor é fundamental. É da onde a gente tira força pra continuar, força pra caminhar. Como eu falei na pergunta anterior, o amor às pessoas, às possibilidades, o amor à gente mesmo, o amor próprio, o amor à nossa existência, o amor é um lugar de resistência muito grande e é importante a gente ver e localizar isso. Então, acho que é isso, vou acabar me repetindo um pouquinho, mas tudo que a gente pode fazer pra se humanizar frente a essa sociedade que nos desumaniza o tempo inteiro, é potente e o amor é um grande agente possibilitador disso, o amor é uma possibilidade que muitas vezes é um luxo poder vivenciar. Cada momento que a gente pode vivenciar o amor ou vivenciar fazer uma atividade que a gente gosta, fazer algo do jeito que a gente gosta, nos termos que a gente gosta, se sentir bem fazendo uma coisa, às vezes é um luxo isso, e a gente luta para que não seja, para que seja o básico, para que o acesso ao afeto e à humanização seja o básico, que a dignidade seja o básico. Então é isso, o amor é uma arma muito poderosa, é um lugar de muita força e de muito impulsionamento e a gente precisa falar disso, a gente precisa criar lugares de ter essa possibilidade. Para mim, fazer esse lançamento foi mesmo criar do nada uma possibilidade de vivenciar amor e me alimentar também desse amor e ao lado também de pessoas que me incitam isso, que me ajudam nessa possibilidade de olhar para o lado e me sentir segura e me sentir bem, me sentir num lugar de afeto e carinho.

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Veja o videoclipe de “Frase Única”:

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