Os fã-clubes de ambos podem dizer que já não era sem tempo e têm razão: os caminhos do paraibano Chico César e do maranhense Zeca Baleiro se cruzam desde antes de suas estreias no mercado fonográfico e da consequente fama posterior. É bastante conhecida a história de que dividiram apartamento em São Paulo e que Baleiro terminou “Pedra de Responsa” (1996), que Chico começou a compor como um presente de aniversário para o parceiro.
De lá para cá, em discos de um ou de outro ou de terceiros, as parcerias se avolumaram: “Face” (1998, dos dois com Itamar Assumpção, gravada por Elba Ramalho) “Dança do Papangu” (2000), “Mortemor” (2004, gravada por Rossana Decelso), “Geraldo Vandré” (2008) e “Eu detesto coca-light” (2008), para citar uns poucos exemplos.
Durante a pandemia de covid-19, isolados, como todo mundo, entre parcerias com outros artistas, eles retomaram o trabalho de compor juntos (então à distância, mediados pelas tecnologias), finalmente amadurecendo a ideia de um álbum em parceria.
O reflexo da mediação tecnológica é percebido ao longo do repertório de Ao Arrepio da Lei, álbum inteiramente composto em parceria por Chico César e Zeca Baleiro, a que comparecem temas como o uso da internet e particularmente das redes sociais, a paixão dos artistas pelo cinema, o amor e o calor.
Dois pares de singles já eram conhecidos do público, aperitivos com que ambos presentearam os ouvintes, já que o álbum seguia sendo adiado diante dos vários compromissos que os artistas têm, entre outros a turnê e o álbum ao vivo que Chico César gravou com Geraldo Azevedo (Violivoz), e O Samba Não É de Ninguém, álbum que reafirma a veia sambista de Zeca Baleiro, que também vinha sendo adiado há ao menos 10 anos, desde as ideias iniciais e as primeiras sessões de gravação.
O álbum foi produzido por Swami Jr (violão sete cordas, violão, baixo, requinto, teclados e synths), exceto “Verão”, produzida por Alexandre Fontanetti (que toca guitarra na faixa), e “Lovers”, por Erico Theobaldo (bateria e programações no álbum; guitarra e baixo synth na faixa).
A foto da capa é da cantora e compositora Vange Milliet, outra companheira de aventuras desde o início, e o projeto gráfico é de Andréa Pedro, que assina o visual dos trabalhos de Baleiro desde O Coração do Homem-Bomba (2008).
As canções de Ao Arrepio da Lei foram compostas para o álbum, e entregar um inspirado álbum de canções demonstra o compromisso (e certa teimosia, ainda bem) dos artistas com o ofício da música, num tempo em que o ritual de ouvi-la perde cada vez mais espaço para toda sorte de distrações e afazeres. Mais de 30 anos de amizade e parcerias depois, atravessando mudanças tecnológicas, da indústria fonográfica em si e mesmo da relação dos ouvintes com a forma de consumir música, os dois nordestinos seguem movidos pela busca de beleza e qualidade.
“Ao Arrepio da Lei”, a faixa-título, é reveladora do lugar de onde vêm Chico César e Zeca Baleiro, o Nordeste, de suas antenas captando referências as mais diversas, entre os rádios de pilha da infância e os discos com as novidades desbravadas na Paulicéia, com o consequente reflexo disso em seu trabalho autoral.
O álbum chegou hoje às plataformas digitais e a dupla inicia a turnê de Ao Arrepio da Lei com shows em Curitiba (8 de março) e Florianópolis (9), num repertório que costura as 11 faixas do álbum a outras parcerias colecionadas ao longo dos anos de estrada.
Versos da faixa-título sintetizam o espírito do encontro, entre a autobiografia e a autoironia, sempre com muita inteligência: “vender poemas virou minha profissão/ com a viola a tira colo, sou problema/ carrego lema de lutar contra opressão”. E adiante: “ao arrepio da lei, eu sei/ não me arrependo de nada”. Talvez de terem demorado tanto a lançar um álbum juntos, mas os fã-clubes não se arrependeram por esperar.
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Ouça Ao Arrepio da Lei:
