Lovers + Respira. Capa. Reprodução
Lovers + Respira. Capa. Reprodução

Produzido por Swami Jr., disco ainda não tem título e será lançado em formato digital e vinil até o fim do ano

O paraibano Chico César e o maranhense Zeca Baleiro conheceram-se em São Paulo, em 1991, quando os dois tomaram o rumo tomado por boa parte dos artistas que buscava projeção nacional à época. A indústria fonográfica “oficial” ainda dava as cartas, lançar um disco exigia toda uma estrutura, hoje facilitada pelo advento de novas tecnologias, incluindo o streaming, barateamento dos custos de produção e a descentralização do mercado.

Os artistas chegaram a dividir apartamento e desde então compõem juntos. Chico César estreou em disco com “Aos vivos” (Velas, 1995) e Zeca Baleiro dois anos depois, com “Por onde andará Stephen Fry?” (MZA Music, 1997), quando regravou a primeira parceria dos dois, “Pedra de responsa” – lançada por Chico César em seu segundo disco, “Cuscuz clã” (MZA Music, 1996), que trazia ainda “Mand’ela”, também assinada por ambos. A estreia de Zeca registra também a primeira vez em que gravaram juntos, com Chico César fazendo uma participação especial em “Mamãe Oxum” (tema de domínio público adaptado por Baleiro).

“Pedra de responsa”, uma das parcerias emblemáticas da dupla, estava sendo composta por Chico César, e seria um presente de aniversário para Zeca Baleiro, que acabou descobrindo o presente antes, ajudando a finalizá-la e tornando-se parceiro – a música tem ainda uma gravação de Alcione, com participação especial de Caetano Veloso (em “A paixão tem memória”, 2001). Mais ou menos do mesmo período datam parcerias como “Pajelança”, gravada por Rosa Reis (a faixa dá título a seu disco de 1995), “Face” (parceria dos dois com Itamar Assumpção), gravada por Elba Ramalho (em “Flor da Paraíba”, 1998), “Dança do papangu”, gravada por Chico César (em “Mama mundi”, 2000), e “Mortemor”, gravada por Rossana Decelso (em “Mandando bala”, 2000). Uma parceria quase desconhecida é “Eu detesto coca-light”, faixa escondida (o bônus não é citado no encarte do disco) de “O coração do homem-bomba – volume 2”, disco que Zeca Baleiro lançou em 2008.

Os dois artistas disponibilizaram hoje, nas plataformas de streaming, os singles “Lovers” e “Respira”, que antecipam um disco, ainda sem título, produzido por Swami Jr., outro parceiro de ambos de longa data. O álbum digital, que deve ser lançado até o fim do ano, terá entre 10 e 12 faixas – “Lovers” é a única faixa produzida por Érico Theobaldo.

“Lovers” é um reggae que evoca os salões ludovicenses, atualmente vazios em razão da pandemia de covid-19. E “Respira”, com ecos de Sérgio Sampaio, ídolo de ambos, comenta este complicado momento por que passa o mundo, tornado ainda mais trágico no caso do Brasil.

O par de singles lançado mostra que os parceiros estão antenados, afiados e afinados. Comentam a política (do ódio) nacional e a crise sanitária de modo poético, sem descambar para o panfletarismo e sem que estes temas sejam o único assunto do disco vindouro.

Chico César e Zeca Baleiro conversaram com exclusividade com Farofafá.

Chico César e Zeca Baleiro. Foto: divulgação
Chico César e Zeca Baleiro. Foto: divulgação

ZEMA RIBEIRO – A pandemia isolou e consequentemente distanciou e a tecnologia aproximou. Gostaria que vocês falassem um pouco do processo de composição deste novo álbum: vocês fizeram mais de 20 músicas juntos. Gravaram quantas? E por que deixar algumas de fora?
ZECA BALEIRO
– Isso, compusemos umas 25, mas espremendo bem, diria que temos 15 bem acabadas, prontas… Outras surgem como um exercício, um estudo, algo assim, e ficam pelo caminho. Começamos a produzir seis canções sob a produção do Swami Jr.. Apenas “Lovers” foi produzida pelo Érico Theobaldo, outro parceiro desde os primórdios.
CHICO CÉSAR – Não foi exatamente a tecnologia que aproximou. O que aproximou foi o afeto. Era um afeto que já havia, que já existia, desde o comecinho dos anos 1990, nós já tínhamos várias músicas em comum e agora, pelo fato do Zeca ter se mudado para morar mais perto de mim, também por isso, uma maior proximidade física, ficamos assim gravitando próximos. Nós fizemos cerca de 25, obviamente algumas iam ter que ficar de fora, e fomos compondo, cada um mandando um pouco de letra ou de melodia e o outro complementando e depois voltando, devolvendo, foi uma provocação recíproca e agora vamos aí, escolher entre 10, 12 para fazer um disco, que celebra, eu acho que mais do que um disco de pandemia é um disco de 30 anos de amizade, é assim que eu vejo.

ZR – O disco já tem título? Será completamente de inéditas? Ou alguma releitura de alguma dessas parcerias do início?
ZB
– Não pensamos em título ainda. Será completamente de inéditas e inéditas compostas na pandemia, porque temos outras de outros tempos no baú também, esperando sua vez [risos].
CC – Já pensamos algumas coisas [para o título], mas acho que ainda não é hora de revelar. As do início da parceria já estão por aí espalhadas, tem parceria com Itamar Assumpção, “Face”, que Elba Ramalho gravou, “Mand’ela”, que eu gravei, “Pedra de responsa”, que nós gravamos, que Alcione gravou junto com Caetano, também. Vamos aproveitar e mandar o ineditismo nesse momento.

ZR – Swami Jr. produz o disco. É outro parceiro de muitos anos e projetos. Foi uma escolha natural?
CC
– Swami tá comigo, na verdade, [desde] antes de eu gravar disco, por que quando eu fiz um projeto no Teatro Crowne Plaza, ele tocava com Virginia Rosa, ela cantava “À primeira vista” e nos tornamos amigos de cara. Swami é um homem muito doce, um grande músico, entende tudo, e depois ele foi baixista da minha banda, gravou muito violão de sete cordas em alguns discos meus, fez discos com Zeca. Foi uma escolha natural. Já nem me lembro como apareceu, mas quando o nome dele apareceu, bom, é Swami, é Swami, não vamos nem discutir mais, é isso aí. Swami Jr. é um parceiro muito querido.
ZB – Grande e querido parceiro. Sim, foi bem natural. Swami já trabalhou com ambos, em shows e discos, e é um cara com uma compreensão muito abrangente da música popular, sabíamos que ele entenderia nossas loucuras.

ZR – “Lovers” e “Respira”, os dois primeiros singles deste álbum em parceria tocam em temas atualíssimos, a política do ódio e a pandemia, com alta voltagem poética. O refrão da primeira diz “eu vou cantar lovers para os haters”. Fora do campo artístico é possível ou chegamos ao limite da tolerância?
CC
– São temas atuais, mas é por que a humanidade faz muito tempo e o Brasil é a pandemia, na minha opinião, desde 1500, ou seja, desde sempre, para indígenas, para mulheres, para os negros, para LGBTs, a pandemia não é agora, a pandemia do coronavírus aguça, lança luz sobre desigualdades e injustiças que sempre existiram. Eu acho que chegou o momento de o Brasil se olhar com amor, com autocrítica e com um sentimento de fraternidade. Nós todos somos brasileiros, obviamente os fascistas não serão tolerados e ficarão de fora.

ZR – Chico, a pandemia não permitiu o início de uma turnê sua anunciada com Geraldo Azevedo. Segue nos planos para quando a superação deste momento permitir? E uma turnê com Zeca Baleiro, divulgando o disco novo, é provável?
CC
– A turnê com Geraldo Azevedo vai acontecer. Assim que a pandemia terminar a gente se organiza para começar a ensaiar e vamos remarcar os, sei lá, 12, 15 shows que estavam marcados aí pelo Brasil todo. Eu e o Zeca nós temos muitas coisas para fazer, muitos projetos, eu tenho muitas coisas com a minha própria banda e outros trabalhos aí espalhados pelo mundo, mas obviamente a gente vai fazer alguns shows. Eu quero fazer um show com Zeca na Paraíba, com certeza, acho que ele quer fazer um comigo no Maranhão, se ele não quiser eu quero também, e aí fazer alguma coisa pelo Sudeste, alguma coisa quem sabe no Norte, Belém do Pará, que é um lugar que a gente ama e que nos ama também. Eu adoraria. Tomara que a gente possa fazer alguns shows, sim.

ZR – Zeca, um caso emblemático da parceria de vocês é “Pedra de responsa”, que Chico estava fazendo para te dar de presente de aniversário e você acabou descobrindo e ajudando a terminar, tornando-se assim parceiro; Chico gravou-a como um carimbó e você deu a roupagem reggae que remete a seu título, expressão usada pelos maranhenses para se referir a reggaes muito bons. Da mesma época, mais ou menos, lembro de parcerias como “Pajelança”, gravada por Rosa Reis, e “Mand’ela”, também gravada por Chico. Foram essas as primeiras parcerias ou há outras inéditas, desconhecidas dos fã-clubes?
ZB
– “Pedra de Responsa” talvez seja mesmo a mais emblemática de nossas parcerias. Foi gravada por ele e por mim, num arranjo híbrido de reggae e carimbó, e por outras tantas pessoas. Há inclusive um registro muito curioso, que é da Alcione com a participação do Caetano Veloso. Tem algumas músicas que se perderam, isso é comum. Nossas primeiras parcerias eu poderia dizer que são “músicas de festa”, coisas ocasionais, feitas em festas ou almoços – éramos muito festeiros. “Pajelança” foi feita com a colaboração de Tata Fernandes; “Face”, um xote gravado por Elba Ramalho, foi feita junto com o Itamar Assumpção. Tem ainda “Dança do papa angu”, “Aquela prainha” e “Geraldo Vandré“. Essas duas últimas gravei no “Coração do homem-bomba – volume 1”. Nunca paramos de compor, embora numericamente não seja uma produção extensa.

ZR – São 30 anos de amizade e parceria, mas só agora um disco teu com Chico César juntos. Chico, em entrevistas, já declarou se sentir maranhense, tão bem acolhido é pelo público e tão identificado com a musicalidade de nossa terra. De algum modo isso facilitou a aproximação de vocês e o fluir criativo quando compõem em parceria?
ZB
– Ele diz isso pra todes [risos]. Chico já amava o Maranhão, mas acho que o convívio dele com uma certa “colônia” maranhense no início dos anos 90 acentuou isso. Ele teve bastante contato com Rita [Benneditto], Solange Bayma, Celso Borges, Chico Saldanha, Giordano Mochel, Tião Carvalho, Manoel Pacífico, Mara [Fernandes, esposa de Zeca], e amigos conterrâneos que nos visitavam como Nosly, Rosa Reis e Josias Sobrinho. Então seu amor foi, digamos, cultivado. Mas acho que nossa aproximação tem mais a ver com nossas histórias de vida, infância no interior, rádio, juventude na capital e a migração pra São Paulo, além das afinidades estéticas, claro.

ZR – Este par de singles antecipa o disco que está sendo finalizado. Imagino que seja difícil, mesmo num momento de crise sanitária, conciliar agendas de artistas sempre muito ocupados, você, Chico, Swami… Qual a previsão de lançamento do álbum, quanto tempo mais os fã-clubes terão que esperar?
ZB
– Sim, é difícil, porque estamos envolvidos em muitos projetos em paralelo. Mas estamos empenhados em finalizar este álbum, é uma grande realização pra gente, o coroamento de uma história de 30 anos de amizade e parceria. Até o fim do ano sai, garanto [risos].

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Ouça “Lovers” e “Respira”:

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