Em 2019 Jards Macalé viajou a Nova York para gravar com o Sergio Krakowski Trio um álbum inteiramente dedicado ao repertório de Zé Keti (1921-1999). Por diversas razões – uma pandemia pelo meio, inclusive –, somente neste início de 2024 Mascarada (Rocinante) foi lançado – em vinil e nas plataformas de streaming.
Antes de falecer, Zé Keti ainda chegou a ouvir o tributo que lhe prestou o capixaba Zé Renato – parceiro de Macalé, com Guinga e Moacyr Luz, no coletivo Dobrando a Carioca – em Natural do Rio de Janeiro (1996), álbum também dedicado a seu repertório.
Macalé chegou a conhecer e conviver com Zé Keti, desde que foi violonista do espetáculo Opinião (1964), que virou disco e reunia no palco Maria Bethânia, logo substituída por Nara Leão (1942-1989), o maranhense João do Vale (1934-1996) e o homenageado.
Mascarada é um tributo inusitado, para dizer o mínimo. Não se trata apenas de reler o repertório de Zé Keti, mas ir além, reinventá-lo. A sonoridade do álbum está mais para jazz que para samba, mas mesmo dizer isto é insuficiente para tentar explicar diante do que estamos neste encontro de Jards Macalé (voz e violão), Sergio Krakowski (pandeiro), Todd Neufeld (guitarra) e Vitor Gonçalves (piano).
O pandeirista integrou o Tira-Poeira, grupo de choro de uma geração que, no início dos anos 2000, recolocou o gênero musical e o bairro carioca da Lapa no centro das atenções, quando já dialogava com a obra de expoentes como Noel Rosa (1910-1937), Cartola (1908-1980) e Chico Buarque, entre outros. Por outro lado, não é a primeira vez que Macalé dedica um álbum inteiro ao repertório de um bamba (ou vários): em 1987 ele lançou Quatro Batutas e Um Coringa, com repertório de Geraldo Pereira (1918-1955), Lupicínio Rodrigues (1914-1974), Paulinho da Viola e Nelson Cavaquinho (1911-1986); e em 2000, Macalé Canta Moreira, tributando Moreida da Silva (1902-2000), o Kid Morengueira – que viria a ser seu parceiro no samba de breque “Tira os óculos e recolhe o homem”, bem-humorada crônica musical sobre o episódio de uma prisão de Macalé em Vitória/ES, por arbitrariedade do regime militar, quando a dupla viajava pelo Projeto Pixinguinha, num episódio por demais conhecido.
As opções conceituais dos músicos passam por não se limitarem aos clássicos de autoria do sambista – várias ausências serão reclamadas pelos mais puristas –, que optam por repertório enxuto – são apenas sete faixas, em geral quilométricas, incluindo “Improvisação”, tema instrumental de Macalé, Krakowski e Neufeld, que funciona como uma espécie de atestado de liberdade criativa ou síntese possível da reinvenção com que abordam as demais faixas do álbum: “Acender as Velas”, “Opinião” (com participação especial do compositor Irv Johnson), “O Meu Pecado” (parceria com Nelson Cavaquinho), a faixa-título (parceria com Elton Medeiros [1930-2019]), “Prece de Esperança” (com citações de Walter Franco [1945-2019]) e “Peço Licença”.
Mascarada tem direção artística e produção musical de Sergio Krakowski e Todd Neufeld e foi gravado por Pepê Monnerat no Brooklyn Recording (Nova York). A capa é uma pintura sem título (1976), giz de cera e nanquim sobre papel (32,5x24cm), de Iberê Camargo (1914-1994).
Agenda – Na última quarta-feira (17), data em que Mascarada chegou às plataformas de streaming, Macalé participou de um show de Sergio Krakowski, cantando três músicas do repertório do álbum. Entre fevereiro e março próximos Macalé tem 15 datas agendadas por França, Alemanha, Suécia, Dinamarca, Inglaterra, Polônia, Espanha e Portugal, em que, acompanhado por Guilherme Held (guitarra), Thomas Harres (bateria) e Paulo Emmery (baixo), apresentará o repertório de seu clássico álbum homônimo de estreia (1972).
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Ouça Mascarada:
