A cantora pernambucana Anastácia, a Rainha do Forró

No próximo dia 30 de maio, completa 84 anos a mais prodigiosa compositora de canções brasileiras: a pernambucana Anastácia, a Rainha do Forró. Ela estima que, em 70 anos de carreira, já compôs 760 canções (umas 300 somente com o sanfoneiro Dominguinhos). “Eu honestamente não sei muito bem. Agora, se eu morasse em outro país, com certeza eu já estaria vivendo muito bem do direito autoral, mas aqui não é assim, aqui no Brasil é diferente, até porque tem algumas regiões em que a música que eu escolhi fazer, que é a música regional nordestina, ela não toca, não toca no dia a dia em todas as capitais, toca em alguns lugares e muito nos shows nos forrós do mundo afora, não é?”.

Em plena atividade, a lendária Anastácia fará uma conversa com fãs da música no Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo no próximo dia 23 de janeiro, terça-feira, a partir das 19h30, evento que já está com as inscrições (gratuitas) esgotadas. Autora de clássicos da música brasileira como Eu só quero um xodó e Tenho sede, Anastácia já foi gravada por luminares da música brasileira, como Gilberto Gil, Gal Costa, Zeca Baleiro, Dominguinhos (com quem foi casada), Chico César e Angela Maria, entre inúmeros outros, e teve oito de suas canções interpretadas pelo Rei do Baião, Luiz Gonzaga.

FAROFAFÁ conversou com Anastácia sobre sua carreira para revisitar sua magnífica trajetória. Leia alguns trechos desse papo: 

Eu nasci Lucinete Ferreira, e comecei minha carreira artística como Lucinete Ferreira. Mas, chegando a São Paulo (em 1960), eu fui fazer um teste na gravadora com os diretores; o diretor era o Palmeira, da dupla Palmeira e Biá, uma pessoa sensacional, tranquila e educadíssima, e fiz o teste, passei no teste, fui contratada. Quem me levou foi Venâncio, da dupla Venâncio e Corumba. E ele foi ser meu produtor, o Venâncio é que ia produzir meu disco, segundo o acerto dele com a gravadora. E eu fiz o disco. Ficou muito legal, eu estava muito assustada porque era a primeira vez que eu tava gravando, né? Mas aí, quando saiu o disco, o primeiro compacto duplo, que era para apreciação dos vendedores, saiu como Lucinete Ferreira, mas depois eu não sei se houve algum questionamento com relação a isso, não me falaram, mas quando eu soube que o LP tinha saído, o vinil, na gravadora, aí eu fui lá para ver e foi quando alguém me falou – logo o primeiro que eu pus na mão, um divulgador me falou: “Teu disco saiu com teu nome e tua foto e tua voz e o nome de outra pessoa”. Devia ser alguém que não era bem informado. Eu também era outra abestada. Mas fui lá correndo saber o que tinha acontecido. Quando cheguei lá, o Palmeira perguntou pra mim: “Você não gostou da capa?”. Aí eu falei: “Não, eu gostei, tá legal… Mas e esse nome?”. Ele falou: “Ué, o produtor não te falou?” Eu respondi: “Não”. “Ah, então entra aqui, toma um café”. Me acalmou e aí disse: “Olha, nós chegamos à conclusão que esse nome, Lucinete Ferreira, é nome que parece muito com muitos nomes que têm no Nordeste com essa terminação – Ivete, Marinete, Gildete, Claudete e Dionete. Enfim, tem um monte. Então, Anastácia é o nome que veio na minha cabeça”. Segundo o produtor falou, era porque tinha um filme na época fazendo muito sucesso com a Ingrid Bergman, um filme sobre uma princesa russa (‘Anastacia, a Princesa Esquecida’, filme de 1956 dirigido por Anatole Litvak, com Ingrid Bergman e Yul Brynner), e não sei porque ele lembrou disso, mas achou que eu deveria me chamar Anastácia. E eu não sabia, nem meu produtor me falara, porque ele queria me fazer surpresa, quando trouxesse o disco para me apresentar. Mas meu produtor tinha viajado para fazer um show, já que ele também era cantor, era artista. Aí eu falei: Ah, tudo bem. “Gostou desse nome, Anastácia?” Eu pensei: já que não posso fazer mais nada… Já que tá dentro, deixe. E aí eu passei a ser Anastácia e a partir daquele dia eu já falei com a minha mãe que meu nome ia ser Anastácia. Quando eu ia fazer um show aqui em São Paulo em qualquer lugar, eu ia já dizendo que era Anastácia, a pessoa já dizia: “Ah, é Anastácia!” Todo mundo ficou me conhecendo assim. E esse negócio de Rainha… A Rainha do Forró. Não fui eu quem inventou porque, em 1960, não tinha nenhuma cantora de forró mulher cantando aqui em São Paulo; tinha Marinês (1935-2007), que morava no Rio de Janeiro e vinha esporadicamente aqui, mas cantando mesmo não tinha muito não. Tinha alguns trios, alguns caras que cantavam forró sozinhos, mas com mulher não tinha. O anunciador, os programadores dos circos, que eram muitos, de vários tipos aqui em São Paulo, e onde eu fazia quase todos os shows, quando eles iam me anunciar diziam: “Com vocês, a Rainha do Forró, Anastácia!”, e eu entrava e cantava com esse negócio de rainha da rainha. Terminei recebendo o título (de Rainha do Forró) pela Secretaria… Aliás, pela Câmara dos Vereadores de São Paulo. E hoje, sem querer querendo, eu sou a rainha do forró. São 8.4 de estrada e cantando forró, e eu tô muito feliz por isso.

Eu sempre costumo dizer que nos idos dos anos 50 não era normal mulher se metendo no meio do forró, né? Porque há aquele negócio do machismo do lado do Nordeste, principalmente, que era muito forte. A mulher não tinha que estar no meio de homem; normalmente, era um trio que cantava. A mulher, quando ia, ia com o seu marido ou com seu irmão para dançar, né? Mas não era uma coisa a que a mulher tivesse acesso, que chegasse num sanfoneiro e dissesse “dá um dó maior!”, e aí ela iria cantar. Não tinha esse negócio. Mas a Marinês derrubou esse tambor porque, quando a Marinês, ela me contou, quando ela começou a querer cantar em Campina Grande, ela foi para um concurso de calouros onde cantava também o Genival Lacerda. Ela foi escondido do pai dela porque ela falou para o pai dela mais ou menos que ia cantar e o pai dela não disse não, mas também não disse sim. Então foi escondido e foi classificada ganhou junto com Genival Lacerda. Ganhou o prêmio. Mas continuava não podendo cantar. Ela falou isso para mim, ela disse assim, “como eu sou mulher e tem essa (pré-condição), eu vou casar, porque, se eu casar com um sanfoneiro, eu vou poder ir com ele para todo lugar”. E aí apareceu um Abdias de bandeja para ela (José Abdias de Farias, 1933-1991), que era sanfoneiro. Ela conheceu, namorou, casou e passou a cantar forró numa boa porque tinha um sanfoneiro marido do lado, né? O marido sanfoneiro ficou um tempão, e quando ela explodiu mesmo com aquele vozeirão dela, muitas mulheres começaram a querer cantar, cantar músicas da Marinês, que ela gravava. E eu cantava algumas, porque quando eu cantava na rádio Jornal do Commércio tinha uma cantora com o nome de Nerize Paiva que pegava o melhor repertório da Marinês pra cantar, então o que sobrava eu pegava, um ou outro baiãozinho doce e tal pra cantar porque eu não queria entrar em briga com a minha colega de de cast. Então, as mulheres começaram a adentrar o forró, e eu fui a segunda mulher que que gravou porque, quando eu vim para São Paulo e fui fazer o teste eu pensava que ia gravar bolero, sei lá, porque eu era frufru lá na minha terra. Mas de repente o diretor falou que tava a fim de gravar uma mulher cantando forró. E eu já estava com o negócio na mão e pensei: eu não vou perder um contrato, até porque até porque eu adorava música nordestina. Eu gostava muito, só não tinha o hábito de cantar muito porque quando eu era crooner, não se cantava isso nas noites do Recife – cantava-se muito bolero, samba canção, samba médio, swing e Valsa. Enfim, o repertório brasileiro, e eu tinha que aprender tudo isso para cantar. E eu cantava, dava conta de tudo, mas quando eu fui fazer o disco de forró, eu até pensei comigo: “Meu Deus, isso não está sendo de graça, eu acho que Deus me deu essa oportunidade para eu poder defender a música da minha terra, e só tem uma Mariinês fabulosa, então eu não vou competir, eu vou me juntar a ela e a gente vai fortalecer essa corrente. E foi assim que aconteceu. Pensando certo, acertadamente eu acho que eu contribuí muito muito para que as outras mulheres ouvissem Marinês e eu cantando forró e viessem atrás, e hoje a gente tem lindas pessoas, maravilhosas, mulheres maravilhosas, nós, jovens, cantando a música nordestina e dando conta bonitinho. E divulgando essa música maravilhosa, né? Eu sou muito feliz. Imposição de homem nunca houve, porque eu também não ia dar ouvido se tivesse, né? Eu decidi, abracei e fui em frente. Homem não deu muito palpite na minha vida. Eu sempre achei que o que eu devia fazer com relação à música era o certo, eu fiz e deu certo.

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