A Globo quer o tchu, o tchá…

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“Eu quero tchu. Eu quero tchá. Eu quero tchutchatchatchatchatchá.” Estamos naquele que ficou conhecido como horário nobre da televisão brasileira, da Rede Globo. A novela é “Avenida Brasil”, e o tecno-sertanejo é “Eu Quero Tchu, Eu Quero Tchá”, da dupla João Lucas & Marcelo, catapultado para o estrelato quando coreografado em campo pelo jogador de futebol Neymar.

O tema de abertura da novela, já popularizado nas redes sociais como o “OI OI OI”, é um kuduro, ritmo pós-tecnológico angolano, em versão brasileira do pop-funkeiro Latino. Michel Teló (cujo arranjo de sanfona em “Ai se Eu Te Pego” é matriz para “Eu Quero Tchu…”) canta “Humilde Residência” entre uma e outra cena de futebol, lixão, boteco, sinuca.

No horário das 19h, estreou nesta semana “Cheia de Charme”, cuja vilã principal, vivida por Cláudia Abreu, é Chayene, uma estrela nordestina de forró pop, na linha das cantoras dos grupos Aviões do Forró e Calcinha Preta.

Nesta, o tema de abertura é “Ex Mai Love”, cantado pela diva tecnobrega paraense Gaby Amarantos. A trilha tem samba romântico de Alcione, pós-axé de Ivete Sangalo, brega antigo de Márcio Greyck (em nova versão) e indie MPB paulistana na voz de Tulipa Ruiz. Ricardo Tozzi interpreta o cantor sertanejo Fabian, obviamente decalcado em Luan Santana. As três protagonistas, de ineditismo surpreendente, são empregadas domésticas em guerra com a tirania das patroas.

Não há um quico de novidade no fato de as trilhas das novelas em cartaz na Globo serem superpopulares, ultracomerciais. Mas, como sabe todo mundo que, nas últimas semanas, observou o pesado investimento atual da emissora na chamada nova classe média, algo muito novo parece estar acontecendo no ambiente musical das telenovelas (ou telelágrimas, como rezava um antigo clichê) globais.

“O que mais me surpreendeu foi a escolha de ‘Ex Mai Love’ pra ser a abertura da novela. A Globo apostar tanto numa artista nova e num compositor novo (o também paraense Veloso Dias) me deixou cheia de orgulho”, afirma Gaby Amarantos. “É bem nítida essa feliz tentativa de atingir essa classe C que ascendeu, e já estava mais que na hora do povão ser retratado. Sou a rainha da nova classe média com muito orgulho, são eles que realmente fazem a economia do país girar, e me sinto feliz em representar e ser representada.”

Há décadas, a circulação de música entre a indústria fonográfica e a maior rede de TV do país é controlada com mão de ferro pelo misterioso Mariozinho Rocha, ex-músico egresso de um núcleo de canção de protesto dos anos 1960, o Grupo Manifesto. Ele, que jamais aparece ou concede entrevistas, assina a coordenação das trilhas de “Avenida Brasil” e “Cheias de Charme”. Mas isso não quer dizer que sejam iguais ao (nem sequer parecidas com o) reinado de intermináveis repetecos de standards de velhas bossas novas de Copacabana e antigas MPBs de Ipanema recicladas também há décadas pela usina musical-comercial de Mariozinho.

Mas, nos créditos finais de “Cheias de Charme”, aparece (com a função de “consultor musical”) o nome do antropólogo Hermano Vianna, também ideólogo do programa dominical “Esquenta”, de Regina Casé. Com ele, chega ao olimpo das novelas o ideário de valorização dos movimentos musicais realmente populares de fora do eixo Rio-São Paulo – a compreensão de um Brasil por inteiro, liberto o máxino possível das tiranias das patroas paulistocariocas.

“Participei de conversas sobre a definição do estilo musical de personagens, dei algumas sugestões para a trilha”, explica Hermano, em breve conversa por e-mail. “Mas é um trabalho coletivo. Todo mundo participa: diretores, autores, diretor musical, Mariozinho Rocha, atores e atrizes, produtores, pessoal da cenografia, do figurino etc. Nunca tinha trabalhado numa novela, não sabia que o processo era tao coletivo. No final, ninguém sabe mais nem quem primeiro sugeriu quem.”

Não está dito em lugar algum, mas a guinada que se ouve hoje no plim-plim significa mais uma pá de terra por sobre as ruínas da velha indústia fonográfica – apenas a gravadora da própria Globo, a Som Livre, mantém importäncia nessa nova configuração, embora menos como criadora de sucessos que como mera distribuidora de trabalhos já consolidados de nomes como Teló, Gaby e João Lucas & Marcelo. O atual momento explica por que sumiu do mapa, já faz tempo, o apelido tipo greco-romano Vênus Platinada, com o qual a Globo amava se autoclassificar.

Marcelo e João Lucas, da dupla João Lucas & Marcelo - Foto Divulgação
No modelo antigo (e falido), os críticos musicais veiculados em papel e tinta entrariam na ponta final da fórmula, consideramdo lixo abominável tudo que toca na novela e agredindo sem a menor educação  o gosto musical dos milhões de fãs espalhados pelo Brasil (e atualmente pelo mundo, graças à ascensão econômica do Brasil e aos jogadores de futebol). É outro modelo que está morto e putrefato. Tachar de lixo a música que vem das bases da sociedade é tão anacrônico e retrógrado quanto chorar porque o som de um disco laser (CD) é achatado em comparação com a de um velho LP de vinil.

Não é só anacrônico: é falso. Há pencas de excelentes canções tocando nas novas (novas mesmo) novelas da Globo. Um exemplo pode ser, justamente, o “tchu tc tchu tcha tcha tcha” da novela das 21h, que, goste você ou não, é uma produção de excelência do princípio ao fim.

O neo-sertanejo, primo “rico” e centro-sulista do forró, do funk pancadão, do rap e do tecnobrega, cria mais um novo paradigma ao espantar qualquer precariedade do modo de exposição de sua música e imagem.

A julgar por aqui, a nova música brasileira é tudo, menos precária. E, mesmo quando for precária, é tudo, menos pobre, inferior ou vazia de conteúdo. O fato de a Globo tentar embarcar nesse navio novo em folha é sinal de vitória não do Titanic, mas do oceano popular brasileiro. As telelágrimas, se ainda existirem em 2012, serão mais de riso e alegria que de choro.

(Texto publicado originalmente no blog Ultrapop, do portal Yahoo! Brasil)

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3 COMENTÁRIOS

  1. “Um exemplo pode ser, justamente, o “tchu tc tchu tcha tcha tcha” da novela das 21h, que, goste você ou não, é uma produção de excelência do princípio ao fim.”

    É difícil acreditar que leríamos coisas desse tipo nas mídias, nos veículos legitimados de socialização e difusão da informação, lugares de formação de opinião, de interferência no modo como interpretamos nossa realidade e nos auto-avaliamos.

    Quem diria que, depois de tantos esforços pela promoção da educação, da abertura ao acesso à(s) chamada(s) cultura(s) superior(es), democratizando os bens culturais considerados mais elevados, veríamos a promoção da ignorância, da mediocridade, da pequenez, da bestialização, do tornar idiota e da alegria em ser idiota.

    Assim como presenciamos a ascensão, Pedro, da nova classe média – o que é ótimo para o país, sem a menor dúvida – vemos também um processo de achatamento da mente daquelas “elites” que sempre falaram mal (em sua crítica vazia) da cultura da “ralé” em aceitar como modelo essa própria cultura. Como essa nova classe é cada vez mais representativa economicamente no Brasil, essa “elite”, que sempre foi interessada somente em dinheiro – aliás, fazendo jus a sua origem história na ascensão da burguesia na Europa – prontamente passa a achar lindo e a adorar essas coisas.

    Enfim, talvez essa propaganda da ignorância feita por vocês seja bastante interessante até mesmo para essas “elites”: mantém todo mundo onde está e ainda dá dinheiro. Para quê mais, não é mesmo?

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