Comunhão: artistas maranhenses e parte do público presente ao CCBNB na última sexta-feira (8) - foto: Zema Ribeiro
Comunhão: artistas maranhenses e parte do público presente ao CCBNB na última sexta-feira (8) - foto: Zema Ribeiro

Evento tem programação gratuita até o próximo sábado (16), em diversos espaços da cidade

"Agora que eu quero ver se couro de gente é pra queimar": a caravana maranhense encerrou o show entoando o clássico "Engenho de Flores", de Josias Sobrinho. foto - Zema Ribeiro
“Agora que eu quero ver se couro de gente é pra queimar”: a caravana maranhense encerrou o show entoando o clássico “Engenho de Flores”, de Josias Sobrinho. foto – Zema Ribeiro
A caravana maranhense com os músicos cearenses anfitriões, gestores, produtores e o repórter após a jam no Passeio Público, sábado (9) - foto: divulgação
A caravana maranhense com os músicos cearenses anfitriões, gestores, produtores e o repórter após a jam no Passeio Público, sábado (9) – foto: divulgação

Desde a última sexta-feira (8) a intensa programação da Virada Cultural vem ocupando os espaços do Centro Cultural Banco do Nordeste (Rua Conde D’Eu, 560, Centro), em Fortaleza/CE, além de ter palcos espalhados por outros cenários da cidade – inteiramente gratuita e com mais de 100 atrações, a programação segue até o próximo sábado (16).

A abertura aconteceu justamente no CCBNB, com um show coletivo de uma caravana de artistas maranhenses escalada para o evento. Uma oportunidade ímpar para um frutífero intercâmbio entre cantores, cantoras e instrumentistas maranhenses e cearenses e entre estes e o público. São estados relativamente próximos, geograficamente falando, mas é pouco comum artistas daqui cruzarem o Piauí para se apresentar por lá e vice-versa.

A gestão do CCBNB ousou neste sentido e provou que com vontade é possível fazer as coisas. Um exemplo básico disso foi a opção por em vez de alugar banheiros químicos, construir banheiros extras, que atenderão o público que circula por ali permanentemente, ao longo de todo o movimentado calendário cultural promovido pelo equipamento.

Em ordem alfabética, Camila Reis, Dicy, Elizeu Cardoso, Klícia, Lena Garcia, Regiane Araújo, Santacruz, Wilson Zara e Zeca Tocantins, acompanhados por Isaías Alves (bateria) e João Simas (violão e guitarra), apresentaram, na capital alencarina, a riqueza e diversidade da música popular brasileira e contemporânea produzida no Maranhão – o grupo se completava com o baixista cearense Lucas Arruda, o único não-maranhense da formação.

A soma de talentos individuais acabou formando um super grupo, heterogêneo, com artistas de diversas gerações, regiões e gêneros musicais. Da reverência ao Cacuriá de Dona Teté (1924-2011), por Camila Reis, herdeira de sangue e tradições do Laborarte, à canção de protesto de Zeca Tocantins, passando pela lembrança de Donato Alves (1934-2014) por Elizeu Cardoso, que cantou sua “Bela Mocidade”, uma das mais conhecidas toadas de bumba meu boi em todos os tempos – que intitulou um álbum (1991) de Papete (1947-2016), maranhense que dá nome ao palco em que a caravana de conterrâneos se apresentou, justa e merecida homenagem.

O show, com repertório majoritariamente autoral, uniu os mais de 30 anos de carreira de Wilson Zara, contados desde que vivia em Imperatriz, quando teve contato e trabalhou junto a nomes como Dicy e Lena Garcia, a artistas que têm chamado a atenção mais recentemente, pela força e qualidade do trabalho, como Klícia e Regiane Araújo, além do reggaemaster Santacruz, com suas canções para dançar e pensar, refletindo sobre as mais diversas mazelas que insistem em se perpetuar Brasil afora.

Uma destas mazelas é o fato de os brasileiros por vezes não conhecerem nossa maior riqueza, nossa maior (possível) commodity: justamente a música popular produzida por aqui. Este um dos grandes trunfos da Virada Cultural do CCBNB: oportunizar ao público curioso e interessado em geral a chance de conhecer artistas e repertórios diferentes do que lhe chega, seja pelos meios de comunicação tradicionais ou pelos algoritmos, preocupados apenas com números, geralmente em detrimento da qualidade e da mensagem.

Os músicos que partiram de São Luís fizeram a viagem em uma van conduzida por Wilson Zara – a mesma em que ele carrega seus instrumentos e equipamentos de som para apresentações em barzinhos da capital maranhense e em palcos em cidades do interior do Maranhão ou se desloca para realizar projetos como “Acalanto” e “Trilhas e Tons”, patrocinados através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão.

Uma viagem acima de todos os percalços divertida, de que este repórter tomou parte, a convite do CCBNB. Tal qual jornalistas, músicos são profissionais que costumam descansar carregando pedras. Logo, uma parada para o almoço, enquanto se espera o preparo dos pratos, vira logo uma jam, um ensaio, um improviso. Era, ao mesmo tempo, a amarração do roteiro para a apresentação que fariam em Fortaleza, mas também, muitas vezes, uma oportunidade de conhecer algo novo, uma canção gravada que passou despercebida por um/a colega de ofício ou uma canção inédita que poderia estar buscando a aprovação de alguém que não o próprio compositor, exercício de troca (d)e beleza que se repetiria também em Fortaleza a cada brecha na agenda.

Além da apresentação no Palco Papete, no CCBNB, o dia seguinte (9) reservava outro intercâmbio, quando a caravana de maranhenses foi convidada para uma jam session vespertina no Passeio Público. Tito Freitas (teclado), Samuel Rocha (violão sete cordas), Ray Douglas (trompete e flugelhorn) e Igor Ribeiro (bateria), músicos destacados na cena cearense, mas não só, comandavam a roda de choro que acontece tradicionalmente aos sábados neste outro cartão postal da cidade. João Simas somou-se ao grupo ao violão e Isaías Alves assumiu a bateria durante boa parte da tarde.

Tanto ali quanto no CCBNB na noite anterior os bons públicos presentes se demonstraram interessados por desbravar as sonoridades do Maranhão, de toadas, tambores de mina e crioula, cacuriás, baladas, reggaes, além da forte carga de heranças ancestrais africanas e mensagens pelo empoderamento feminino, contra o racismo e muito mais. O poder da troca é tão forte que a cantore cearense Makem, semifinalista do The Voice Brasil ano passado, apareceu por lá e também conquistou todos os maranhenses (e todos os que estavam presentes no Passeio Público) que ouviram-na, acompanhada primeiro por João Simas e depois por Lucas Arruda, ambos ao violão.

Esta é a segunda edição da Virada Cultural do CCBNB, evento que já provou sua viabilidade, importância, grandeza e necessidade. Alguns artistas esticaram a permanência na cidade e puderam viver um pouco mais desta agenda e da vida cultural fortalezense em geral, além de realizar apresentações extras em casas locais – Camila Reis e Dicy, por exemplo, se apresentam nesta quarta-feira (13), às 21h, no Palco Wellington Nascimento (Beco do Tambor, Praça dos Leões), em programação integrada à Virada Cultural, que também promove um diálogo com atividades culturais que já acontecem costumeiramente.

O cansaço da divertida viagem de volta passou após um banho e uma boa noite de sono. A saudade do convívio com tão talentosa turma é mais ou menos aplacada ouvindo seus álbuns – físicos ou digitais. Mas pergunta que não quer calar mesmo é: quando São Luís terá um Centro Cultural Banco do Nordeste? Com uma intensa e permanente programação cultural abordando as mais diversas linguagens artísticas como o faz o de Fortaleza. Oportunizando novos palcos para artistas locais e a chance de retribuirmos a boa acolhida cearense, recebendo artistas de lá numa Virada Cultural na ilha do reggae, do bumba meu boi, do amor e agora deste sonho, que todos os caravaneiros passaram a acalentar.

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Ouça a playlist “Emaranhando em Fortaleza”:

*O repórter viajou a convite do Centro Cultural Banco do Nordeste

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