O cantor e compositor Russo Passapusso. Fotos: Filipe Cartaxo. Divulgação
O cantor e compositor Russo Passapusso. Fotos: Filipe Cartaxo. Divulgação

Na próxima segunda-feira (7), Russo Passapusso lança “Alto da Maravilha”, disco que divide com Antônio Carlos e Jocafi. Na véspera (6), Baiana System se apresenta em São Luís, no Tim Music Festival

Russo Passapusso ladeado por Antonio Carlos e Jocafi
Russo Passapusso ladeado por Antonio Carlos e Jocafi

O cantor e compositor Russo Passapusso disponibiliza na próxima segunda-feira (7), nas plataformas de streaming, o álbum “Alto da Maravilha”, que divide com os lendários Antonio Carlos e Jocafi, de quem é fã incondicional.

Na véspera (6), o músico desembarca em São Luís, para um show com o grupo Baiana System, de que é vocalista, no Tim Music Festival, que acontece no Espaço Reserva, ao lado do Shopping da Ilha. A programação do festival é gratuita e conta com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), tendo na programação, nomes como Iza, Preta Gil, Gilsons e Tribo de Jah.

Produzido por Curumin, Lucas Martins e Zé Nigro, “Alto da Maravilha”, o disco de Russo Passapusso, Antonio Carlos e Jocafi – a dupla de três, como eles brincam entre si – é marcado por uma diversidade de gêneros musicais, é atravessado por histórias e traz também uma forte carga poética e política nas letras.

O disco conta ainda com as participações especiais de Bule Bule [Antônio Ribeiro da Conceição, músico, repentista, escritor e poeta], [o percussionista] Djalma Correa, Gilberto Gil e Karina Buhr.

Numa parceria com as rádios Timbira AM e Universidade FM, Farofafá conversou com o músico por telefone. Russo Passapusso falou sobre “Alto da Maravilha”, o disco novo com Antonio Carlos e Jocafi, revelou como se conheceram e começaram a compor juntos, o show de domingo no Tim Music Festival, e também sobre política.

ENTREVISTA: RUSSO PASSAPUSSO

O cantor e compositor Russo Passapusso
O cantor e compositor Russo Passapusso

ZEMA RIBEIRO – Russo, “tava esperando a poeira baixar” é o primeiro verso que a gente ouve em “Alto da Maravilha”, o disco que você lança segunda-feira que vem, com Antonio Carlos e Jocafi. Obviamente isso tem a ver com o momento conturbado que o Brasil vive, na política e na saúde. Eu queria saber de ti o seguinte: foi proposital esperar o fim do processo eleitoral para botar o bloco na rua, para lançar o disco, ou foi coincidência?
RUSSO PASSAPUSSO
– Foi premonitório. Eu acho que a música, ela cria isso. Eu tenho falado, eu vendo aqui da Bahia, os artistas de minha geração, antes da pandemia, parecia que a gente estava correndo para uma espécie de muro que ia subir, para alguma coisa que ia impactar a gente, a gente achava que isso seria muito [forte] politicamente ou de alguma outra forma, pela perseguição à cultura. Só que a gente viu que a natureza, a pandemia, falou ali que a gente não tinha controle de muitas outras coisas, que essa coisa humanista de o homem ser o centro das direções de tudo, por mais que ele que tenha causado diretamente e indiretamente essa relação da pandemia, ficou aquela história. Eu acho que a arte, ela caminha com isso, ela caminha com o sentido da inconsciência, ela caminha trazendo o paralelo da consciência com a inconsciência, sabe? Ela traz ainda um sentido que explica pro próprio músico, pro próprio agente, pro próprio compositor, um entendimento de que papel ele faz do mundo, do corpo musical, o quê que ele faz no mundo. Então, assim, essa composição é uma composição que logo depois do “Paraíso da miragem” [seu primeiro disco solo, de 2014] ela já começou a ser escrita, e tal, e eu não sabia o que tava acontecendo, mas eu vivia essa aflição, de achar que alguma coisa vinha, o que tá acontecendo e eu fui trazendo paralelos com o que tava acontecendo com o Baiana System também, que é onde eu consegui, ali, cuspir palavras, gritar, falar, me comunicar com o público, de uma forma muito real, objetiva, catártica até, então isso veio muito trazendo essa relação. Eu diria pra você que, pra mim, foi um ensinamento. Eu acho que a deusa música me deu essa mensagem e de repente ela tava no começo do disco, e no final é “Aperta o pé”, né? Chega! Aperta o pé!

ZR – Qual a importância de Antonio Carlos e Jocafi na tua formação musical? E quando é que começou a se desenhar esse encontro em estúdio e em disco?
RP
– Tem uma importância religiosa, eu acredito muito nessa relação da deusa música, de que isso tudo é o que preenche a gente, esse efeito invisível que a música, que o som tem, para nosso amadurecimento cultural, social, de todos os campos, o som tem uma importância muito grande pra gente poder fazer as leituras da vida e tudo mais. Antonio Carlos e Jocafi entra na minha vida através disso, eu trabalhava numa loja de discos, e quando eu peguei esse disco, eu vendia disco, era meio garçom, vendia livros, era um sebo de discos que tinha aqui em Salvador, no centro da cidade, chamado Berinjela, e quando eu puxei esse disco, eu era responsável por não deixar o disco parar de rodar, o dia inteiro, na loja. Então eu ficava ouvindo tudo de música brasileira e tal. Quando eu coloquei o disco, chamado “Ossos do ofício” [1975], que é um disco mais de samba, nem é o disco mais moderno deles, eu comecei a, nas letras deles, entender um pouco da sinopse da vida. Parecia que tinha sido escrito pra mim, e aí eu fiquei me perguntando o quê que essa dupla tem. É uma importância também, diria, além dessa coisa toda, do mágico, religioso, pela música, que eu tenho, com eles, é uma importância que eu tenho em relação ao amor pelas composições. E o amor que eu sei que o público tem que ter pelos compositores, a valorização do processo, não do final, não da celebridade artística e tudo mais. É incrível! Mas essa matéria-prima brasileira, de construção, é o que faz a coisa acontecer. Eu sempre fui muito apaixonado pela época dos festivais, sei que contava histórias, que muita gente se libertou através daquelas músicas, que foi muito válvula de escape, então é essa história. Além de eu ser muito curioso, ser um estudante eterno, e eles têm dentro das músicas deles, aulas, são dicionários, enciclopédias musicais de ritmos, de formas de compor, de palavras, de misturança, de brasilianismo, de tudo mais. Então, pra mim, assim, foi o que Gil falou lá, régua e compasso, com Antonio Carlos e Jocafi, em busca de um entendimento maior. Eles ressaltam, eles apimentam o meu amor pela música.

ZR – E esse encontro com eles? Quando é que começa a ser colocado em prática, de vocês comporem juntos, de gravarem um disco juntos?
RP
– Já era desde a época ali do Baiana, todos os músicos que me conheciam eu perguntava, eu vivia perguntando “conhece Antonio Carlos e Jocafi?, sabe onde eles estão?”, eu era essa pessoa. E todo mundo já ficava “ah, Russo ama Antonio Carlos e Antonio Carlos e Jocafi”. Aí um belo dia [alguém disse] “ah, eles moram no Rio, o filho dele é legal, tem que ir lá, tem que achar, não tá, tá”, vários problemas de saúde também, aquelas coisas todas, e eu ali acompanhando. Quando eu tava mais desesperançoso, minha companheira, Pamela, que trabalha no jornal, na época ela trabalhava na TVE aqui, e ela, no jornal, falou: “sabe quem eu vou entrevistar hoje? Antonio Carlos e Jocafi”. Eu caí pra trás. Nesse momento eu esqueci que era músico, peguei meu disco e levei para eles autografarem. Chegou lá, na tevê, aqui em Salvador, as pessoas já me conheciam como músico, [alguém] falou “olha, um músico veio ver os outros dois”. Aí que caiu a ficha que eu era músico mesmo. Aí eu falei, nossa, galguei esse caminho inteiro para chegar aqui, pedir para eles autografarem e as pessoas me chamarem de músico. E ali, naquele momento, Jocafi já me olhou e falou: “você já viu o arranjo dessa terceira faixa aqui do disco?”. Aí pronto, acabou! Aí, até hoje, a gente está compondo. Quando ele me perguntou do arranjo de uma faixa, que ele falou, “você viu aqui, que quebra aqui, pã, pã”, falei “é, e tem a letra que você antecipa aqui, né?”, e ele “é, não sei o quê”, acabou! A gente não conseguiu mais entender nada que estava à volta, tudo ficou nublado, e a coisa começou ali, um redemoinho de composição. Tanto que a gente terminou esse disco e já está fazendo outro. A gente não para de compor, independente de qualquer coisa, compor é sobreviver.

ZR – Vai virar um trio agora, não é? Antonio Carlos, Jocafi e Russo Passapusso. Que maravilha! Que história bonita, Russo.
RP
– A gente chama de dupla de três.

ZR – Esse disco tem produção de Curumin, Lucas Martins e Zé Nigro, e eles, ao mesmo tempo em que produzem, tocam vários instrumentos ao longo do disco. Eu queria te ouvir particularmente sobre essa relação de trabalho e amizade com Curumin, ao tempo em que eu faço uma revelação também: foi através do Curumin que eu conheci o teu trabalho.
RP
– Demais! Tem muita força essa minha relação. Meu primeiro êxodo pra São Paulo, com soundsystem, com toda  essa relação, na trincheira mesmo da vida, essa coisa de levar lá, tocar na rua, aquela história, dormir nas lojinhas, no chão, aquela coisa toda. Esse primeiro êxodo eu encontrei, eu fui fazer uma participação num disco de Guizado, que é o “Calavera” [2010], e quem tocava bateria lá era Curumin. E aqui em Salvador já rolava o burburinho que tinha um cara que era apaixonado por música brasileira e que fazia música de uma forma muito autêntica, chamava Curumin. Aí eu olhei e falei “é ele!”. Ele me chamou para comer na casa dele. Chegou lá, eu peguei o violão, sem medo de ser feliz, ali mesmo e comecei a tocar pra ele. Aí eu toquei essa música “Passarinho”, que ele gravou no disco dele [“Arrocha”, de 2012]. Ele falou “cara, essa música é boa, cara, isso é incrível”. Eu comecei a mostrar outras canções, de violão. Então, ele valorizou muito isso, ele trouxe muito essa, ele conseguiu fazer a leitura do cancioneiro brasileiro dentro dessa minha construção. Ele conseguiu fazer essa transição e já foi amor à primeira vista. Eu tenho um amor por Curumin muito traçado, depois que eu vi, como o Jocafi tem por Antonio Carlos. É um amor pela vida do outro músico. Você sabe que o outro músico tem amor pela deusa música e por isso vocês vão ficar juntos eternamente. Então, é fora de todo ego, de toda essa história. Quando eu conheci o Curumin, ele já veio com Luquinhas e Zé Nigro, que são irmãos dele, ali, de produção, desde sempre, em São Paulo. Quem me trouxe uma segurança de entendimento da música brasileira em São Paulo, foi Curumin. E ele tem feito isso com muitos compositores daqui de Salvador. Ele tem feito isso com a Lívia Nery, ele tem sido amigo da Josyara, do Giovani Cidreira… Curumin é uma forma de você se encontrar musicalmente também. Porque ele respeita isso, muito. Então, é maravilhosa essa construção com ele. Ele, quando eu encontrei Antonio Carlos e Jocafi, eu já mandei a mensagem pra ele, ele já sabia que eu queria encontrar, e aí já virou também, junto comigo, filho dessa construção. É uma paixão tremenda que eu tenho por ele, e a gente tem muita coisa junto, faz música de uma forma muito natural, porque Curumin não tem nenhuma pretensão, e faz a música aparecer como ela tem que aparecer, sabe? Além de ser o cara que tem um ouvido inacreditável para ser produtor, e tem outra questão dele também que é maravilhosa, não só o ouvido, mas essa relação, junto com Zé Nigro e Luquinhas, eles cantam e eles tocam todos os instrumentos, então uma hora você não sabe se o baixo é Luquinha, se é Zé Nigro, se é guitarra, eles fazem esse rodízio de instrumentos dentro da composição. E aí, você sabe, que vira um instrumento o próprio corpo deles.

ZR – Verdade. A gente pode ver isso no palco. Você volta, Russo, nesse domingo, agora, com o Baiana System, para o Tim Music Festival. Quais as expectativas em relação a esse show e ao público e que lembranças você tem da cidade de São Luís e do show de 2017, com a banda, no Festival BR-135?
RP
– Ah, identificação total com o público, com o ritmo, o sotaque, familiaridade total com o sotaque, com a história, sabe? Parece um prolongamento de nós mesmos, sabe? Parece que a gente tem muito a aprender com São Luís, sempre. E aí eu digo pra vocês, o que a gente vai chegar pra contar, vai ser muito interessante, porque a gente vai sair da Concha, da Concha Acústica de Salvador, é o show um dia antes, que vai ser um grande espetáculo que a gente vai fazer, o momento pra gente é um momento muito interessante de reconstrução, de construção cultural, e isso tudo vai desembocar nesse mar de São Luís. É o rio correndo pro mar, a gente vai sair da Concha e vai mexer pra descer pra São Luís pra fazer esse show. Pode ter certeza que a gente vai estar cheio, cheio de vitalidade e expectativa pra encontrar o público.

ZR – Estarei lá, com certeza. Russo, a tua música, enquanto artista solo, agora com Antonio Carlos e Jocafi, e a música do Baiana System, elas são marcadamente políticas, têm essa mensagem contundente sobre a questão social brasileira, enfim. Como é que você avalia o recrudescimento do racismo e da violência durante o mandato do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro e o que significa, para você, a eleição de Lula para governar durante os próximos quatro anos?
RP
– A eleição de Lula é uma ótima oportunidade para reconstrução. Reconstrução cultural, reconstrução de autovalorização, falando singular, autovalorização, de cada um, a gente do Norte e Nordeste, esse Brasil, reunificação, entendimento, abaixando essas armas, abaixando a violência. Agora o diálogo vai se fazer presente, porque o medo tira a verdade do diálogo. Então, esse entendimento de poder agora ir ao encontro do diálogo, é a mesma coisa que eu falo em relação ao encontro do equilíbrio: é sair do desequilibrado, se eu for fazer críticas em relação ao governo anterior [o governo Bolsonaro], é o desequilíbrio mesmo, tira o equilíbrio mental das pessoas, a capacidade de diálogo das pessoas. Quando você perde isso, você perde seus irmãos, suas irmãs. Então agora eu posso ver o brasileiro como família, independente da opinião dele. Porque do lado de cá tem abraço, não tem arma. Então eu acho que é basicamente isso, tem uma ponte aí unindo os brasileiros e eu acredito que isso vá acontecer. Estou muito feliz com isso.

Alto da Maravilha. Capa. Reprodução
Alto da Maravilha. Capa. Reprodução

ZR – Tem, no “Alto da Maravilha” uma vinheta comovente, que é um depoimento sobre a parceria de Antonio Carlos e Jocafi e sua relação, a relação deles com a música dos terreiros das religiões de matriz africana. Como é que você avalia os ataques e a violência contra esses espaços sagrados no Brasil, que têm ocorrido tão frequentemente?
RP
– É como qualquer pessoa se agredindo, é como qualquer pessoa se machucando. Esses ataques são ataques a nós mesmos. O mais triste é isso. Eu avalio dessa forma, eu avalio que é uma pessoa que está se destruindo, ela própria, um país que está se destruindo ele próprio quando faz isso. Não são dois lados, é de dentro, é uma pessoa se agredindo, se machucando. Desses discos, da nossa música, a relação com a política da gente é basicamente estar vivo: nasceu, já é um ser político. Nasceu, tudo já começou a rodar: relógios, contas de luz, conta de água, lágrimas, sorrisos, tudo já roda, todo tipo de energia, a nossa e a exterior e as coisas todas ao nosso redor. Então, é parar de se machucar um pouco, parar de se machucar é muito interessante, dentro da estrutura, eu acho que a mensagem principal é essa. Parar de se machucar, entender que machucar o que não é seu, não é, nada não é seu. É seu, o poeta fala, né?, só é seu aquilo que você dá. Então, tem todos esses contextos dentro da estrutura, ver que você está se machucando e não machucando o outro. Eu acho que essa é a principal noção que se passa com a música, com a cultura, com tudo isso. Porque o que a gente quer é mostrar que todos fazemos parte.

ZR – Vamos falar um pouco sobre os convidados do disco. O Baiana System tem um disco com Gilberto Gil [“Gil Baiana ao vivo em Salvador”, de 2020] e, além dele, o “Alto da Maravilha” traz Karina Buhr, que tem também esse componente político muito forte na sua obra. Eu queria te ouvir sobre essas escolhas e o que elas representam nesse teu encontro com Antonio Carlos e Jocafi.
RP
– Ah, eu sou muito, muito, muito apaixonado pela compositora Karina Buhr. Eu sou, Ave Maria, eu acho ela incrível, incrível, incrível, atemporal, a caneta dela, o canto dela, o sotaque dela, a forma que ela faz as coisas eu acho, assim, espetacular. Desde que eu conheci Karina, no projeto Goma Laca, na real, o projeto Goma Laca que foi com Letieres [Leite], aí teve lá a Juçara [Marçal], Lucas Santtana, eu e a Karina, gravou até um disco, o disco é bem incrível, e tal. É um projeto de cantar músicas, ali, que não tinham sido gravadas ainda do cancioneiro, aquela história toda. Aí eu vi Karina. Eu vi Karina e cheguei em casa com essa melodia: “bá bá bá bá bá bá” [cantarola], a melodia já veio na cabeça, já veio pronta. E eu coloquei no celular como se fosse recadinho pra Karina, era assim que eu colocava. E depois, na pandemia, a letra me veio, porque eu tava ali em isolamento e toda letra veio com “me dê um beijo, um cheiro, um aperto de mão”, era mesmo um pedido de abraço, “Olhar pidão”, o nome da música. Então, Karina Buhr, pra mim, é maravilhosa, Tita [Alves] e Angela [Lopo], que são os coros, as duas vozes, que cantam com Gilberto Gil, que cantam com todo mundo, também têm uma importância muito forte, o Djalma Correa, que tá nessa mesma música, tocando percussão com Karina Buhr, importância maravilhosa também. Ele é um grande, o acervo Djalma Correa tem que ser muito citado, ele tem um acervo, ele ia com câmeras, com gravadores, sempre que ele ia fazer música, sempre que ele ia gravar com Caetano [Veloso], com Gil, com todo mundo, então, é um grande construtor da música brasileira. Além deles, deixa eu ver outras participações que caminham ali no disco. Tem o Gil, que, pelo amor de Deus, é o régua e compasso da gente. Outro dia que eu fui cair a ficha que eu tinha um disco ao vivo com Gilberto Gil, gente. Como pode? Nunca pensei na vida ter um disco ao vivo, que era um sonho, sempre muito nervoso, disco ao vivo tem que dar tudo certo, né? E aí, de repente, eu estava ouvindo em casa, eu falei, nossa, a gente tem um disco ao vivo com Gilberto Gil, que incrível, temos esse disco ao vivo. Então, assim, o Djalma Correa é muito importante, a Karina Buhr muito importante, Gil muito importante na construção desse disco. Então, assim, quem eu tou no momento, na fé, são essas pessoas que tão, ah, o Bule Bule, não posso esquecer. Bule Bule é uma referência do sertão. A escolha dessas pessoas é Gil porque Gil é Gil. Você sabe que Gil, eu não tenho nem como falar da história. Ele está em todos os cantos, ele está na Bahia molhada, na Bahia do sertão, ele está nesses ambientes, além de ser um grande [interrompe-se]. Antonio Carlos e Jocafi são muito fãs dele, de Gilberto Gil, sempre me falaram isso. E a música “Mirê mirê” tem muito a ver com ele. Então quando a gente chegou, ele já se identificou de prima. E Bule Bule, Bule Bule quando eu cheguei em Salvador, era Bule Bule quem representava esse sertão, é Bule Bule quem representa esse sertão, que mostra pra gente linguagem, que fez esse enzo [em galego, parte interior do tronco do carvalho, cerne, que dá uma madeira especialmente dura que não apodrece]. Então ele é de fundamental importância nos ensinamentos. Tem Bule Bule nos discos do Baiana, tem Bule Bule nesse disco, principalmente por isso, porque ele é essa pedra filosofal da gente, ele é o eterno Bule Bule.

ZR – Russo, ao longo da entrevista, em alguns momentos, você fala de lugares em que você chegou e que nunca tinha esperado chegar, por exemplo, ser reconhecido como músico quando vai pedir um autógrafo para Antonio Carlos e Jocafi, agora de ter um disco ao vivo com Gilberto Gil, e a gente está falando de Gil, como você diz, Gil é Gil, e Gil foi o grande ministro da cultura do Brasil, que hoje o Brasil não tem Ministério da Cultura, mas vai voltar a ter, a partir de janeiro vai voltar a ter. Eu te pergunto e é uma pergunta que talvez você ache engraçada, não sei, mas é uma pergunta séria: Russo Passapusso eventualmente convidado por Lula para ministro da Cultura, aceita ou não aceita?
RP
– [gargalhadas] Eu aceito e levo um bocado de gente. Eu só aceito se eu puder ir com o pau de arara cheio, o carro cheio de Nordeste.

ZR – Porque aí o desafio vai ser fazer melhor que Gil, não é?
RP
– Ave Maria, aí só ele indo junto também, por isso que eu botei um bocado de gente.

ZR – Tá certo.
RP
– A gente é continuidade, a gente vai junto.

ZR – Eu gostei da resposta, não temeu, respondeu sem titubear.
RP
– Não, é isso aí, tamo aí, tamo na luta.

ZR – Russo, essa entrevista acontece numa parceria entre a rádio Universidade FM, com o programa Hashtag 106, a Rádio Timbira AM, onde eu sou coordenador de produção, com o programa Balaio Cultural, que eu divido com a Gisa Franco, ela não pode estar te entrevistando junto comigo por uma questão de agenda, o horário não bateu, e o site Farofafá. Eu quero agradecer tua disponibilidade em atender nosso pedido de entrevista, conversar com a gente, e te deixar à vontade para reforçar o convite a nossos ouvintes e leitores para o show deste domingo, no Tim Music Festival, e para ouvir “Alto da Maravilha”, teu novo disco, com Antonio Carlos e Jocafi, que chega às plataformas digitais, na segunda-feira, fique à vontade, as casas são suas.
RP
– Ah, que prazer! Eu sou muito fã de rádio, eu sou muito fã disso tudo. Eu acho a importância das rádios em todos os lugares, esses meios quentes, meios frios, a gente conseguir construir a história através do som, dos ouvidos, eu acho que contribui muito com o bem estar da gente, o veículo do rádio. Eu quero falar pras pessoas que foi nesse sentimento que a gente fez o disco “Alto da Maravilha”, um disco que foi feito aí em quatro, cinco anos, sem pressa, sendo atravessado por várias adversidades, mas cada vez que a gente passava por um problema aumentava o amor e a vontade de chegar nesse trabalho. Esse trabalho não terminou, ele continua, o disco está aí para vocês ouvirem. Alto da Maravilha é um lugar que tem água lá em Senhor do Bonfim, no sertão, que desce a gruna [escavação funda feita pelos garimpeiros nos terrenos diamantíferos], da gruna uma fonte de água e abastece aquele lugar, então é muito bonito o sentido. O disco é um caminho, vocês vão ouvir, vendo que tem o lado pé e o lado mão, e ele traz esse caminho. E é nessa vibração que a gente vai chegar na cidade com o Baiana, com nosso balaio cheio, com Cláudia Manzo, que tá cantando com a gente, fazendo essa ideia de “[As] veias abertas da América Latina” [livro de Eduardo Galeano, de 1971], de América Latina unida e a gente voltar a falar com uma língua só nesse nosso continente. Vamo junto!

ZR – Maravilha, Russo, obrigado! Parabéns pelo trabalho, sucesso, domingo a gente se vê!
RP – Tamo junto, tamo junto, vamo que vamo. Muito obrigado, meu irmão. Tchau!

*

Ouça a entrevista:

*

Faça a pré-save de “Alto da Maravilha”:

PUBLICIDADE

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome