É o samba-rock, meu irmão!

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Desde os primórdios, quando o paraibano Jackson do Pandeiro difundiu a expressão “samba-rock” no samba nordestino “Chiclete com Banana”, o gênero difuso rebolou pelas beiradas da música popular brasileira, sem nunca conquistar o status e a popularidade de um samba, de uma bossa nova, de um iê-iê-iê, de uma MPB, de uma axé music… É um assombro, mesmo assim, a jo˜quantidade de obras-primas (a maioria delas underground) que essa vertente híbrida e mestiça produziu, sob apelidos diversificados como balanço, sambalanço, balansamba, samba toff, samba blim, samba esquema novo, sacundin sacunden, jovem samba, som universal, pilantragem, tropicália, suingue, samba-soul, gafieira universalg etc.

Leia mais sobre samba-rock aqui, e acompanhe abaixo um guia e uma playlist de clássicos do samba-rock, meu irmão!, desde a pré-história até o momento atual em que a inteligência artificial ameaça tomar o poder e as referências parecem distantes demais para ser perceptíveis na audição de pabllos, anittas e ludmillas.

O pré-samba-rock

1 Jackson do Pandeiro, “Chiclete com Banana” (Gordurinha-Almira Castilho), 1959 – Rei do coco e do samba paraibano, Jackson do Pandeiro dispersou para o Brasil, quiçá para o mundo, a primeira menção conhecida ao termo “samba-rock” numa canção. Assinado pelo baiano Gordurinha e pela pernambucana Almira Castilho (então companheira de Jackson), o samba nordestino “Chiclete com Banana” era nada menos que um libelo anti-imperialista de galhofa contra a empáfia dos Estados Unidos: “Eu só boto bebop no meu samba/ quando o Tio Sam tocar um tamborim/ quando ele pegar num pandeiro e um zabumba/ quando ele aprender que o samba não é rumba/ aí eu vou misturar Miami com Copacabana/ chiclete eu misturo com banana/ e o meu samba vai ficar assim/ eu quero ver a confusão/ é um samba-rock, meu irmão/ é, mas em compensação eu quero ver o boogie-woogie de pandeiro e violão/ quero ver o Tio Sam de frigideira/ numa batucada brasileira”.

2 Odete Amaral, “Chiclete com Banana”, 1958 – A primeira voz que pronunciou o verso “é o samba-rock, meu irmão!” não foi a de Jackson do Pandeiro, mas sim a da cantora niteroiense Odete Amaral, à época casada com um dos primeiros samba-roqueiros (não creditados) do Brasil, o suingado carioca Cyro Monteiro.

3 Gordurinha, “Chiclete com Banana”, 1959 – Um dos autores de “Chiclete com Banana”, o baiano Gordurinha também registrou sua versão, bem galhofeira, em 1959.

4 Orlandivo, “Onde Anda o Meu Amor” (Orlann Divo-Roberto Jorge), 1962 – Enquanto a bossa nova arrebatava corações e mentes a partir da zona sul carioca, artistas deslocados da patota reunida no apartamento da capixaba Nara Leão em Copacabana, muitos deles nascidos ou estabelecidos na zona norte, formulavam atalhos como aquele que ficou conhecido primeiro como balanço ou sambalanço, uma das primeiras encarnações da fusão samba-rock. Esse conglomerado desenvolveu-se a partir dos band-leaders de baile Djalma Ferreira (carioca) e Ed Lincoln (cearense), que por sua vez revelaram os crooners Miltinho (carioca), Silvio Cesar (mineiro) e Orlandivo (à época Orlann Divo), esse um excêntrico catarinense radicado desde a infância no Rio de Janeiro. Em A Chave do Sucesso, Orlandivo tocava “samba toff” com auxílio de uma chave, cantava como uma versão suburbana do baiano João Gilberto e apresentava “Onde Anda o Meu Amor”, sambalanço aprimorado no ano seguinte por Jorge Ben em pique de samba esquema novo, com onomatopeias tipo “sacundin sacunden”, mais uma designação inicial para os passos musicais que antecederam o samba-rock.

5 Ed Lincoln, “Miss Balanço” (Helton Menezes), 1963 – O cearense Ed Lincoln incendiou os bailes suburbanos do Rio com uma receita de balanço fundada no órgão elétrico, no suingue e na pândega (exemplo dessa última vertente é “O Ganso“, de 1966, uma tirada de zorra com “O Pato” de João Gilberto). O “balansamba” “Miss Balanço” é lapidar.

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O LP de 1958 que inspirou Jorge Ben em “Mas Que Nada”

6 Jorge Ben, “Mas, Que Nada” (Jorge Ben), 1963 – Embora fã de Little Richard e de outros roqueiros estadunidenses da leva original dos anos 1950, o carioca Jorge Ben estreou em disco mais próximo do samba-jazz que de qualquer coisa que lembrasse o rock’n’roll. “Esse samba que é misto de maracatu/ é samba de preto velho/ samba de preto tu”, cantava na faixa de abertura de Samba Esquema Novo, “Mas Que Nada”, recorrendo a um tema de candomblé gravado em 1958 pelo maestro José Prates e propondo timidamente um gênero híbrido que não vingaria, o samba-maracatu. Entre os ancestrais arrasa-quarteirão do futuro samba-rock estavam, nesse mesmo LP, “Balança Pema“, “Quero Esquece Você“, “Por Causa de Você, Menina” e o samba-blues “Chove Chuva“.

7 Jair Rodrigues, “Deixa Isso pra Lá” (Alberto Paz-Edson Menezes), 1964 – Paulista interiorano da divisa com Minas Gerais, Jair Rodrigues era outro sambista torto que fugia às convenções do “samba de raiz”, e o melhor exemplo de sua contribuição apareceu no segundo LP que lançou, Vou de Samba com Você, no samba-jazz/sambalanço “Deixa Isso pra Lá”, que muitos festejariam décadas depois como o primeiro rap da história da música brasileira, talvez da mundial: “Deixa que digam, que pensem, que falem/ deixa isso pra lá, vem pra cá, o que é que tem?/ eu não estou fazendo nada, você também/ faz mal bater um papo assim gostoso com alguém?”. Jair regravaria “Deixa Isso pra Lá” diversas vezes, a mais feliz delas em 1974, em ritmo funk à moda do norte-americano James Brown.

8 Elza Soares, “Toque Balanço, Moço!” (Erasmo Carlos-Roberto Carlos), 1966 – Artífice feminina da “bossa negra”, do samba-jazz, do balanço e do sambalanço, a carioca torta Elza Soares jamais se conformou em cantar única e meramente samba. Lançada somente em compacto, “Toque Balanço, Moço!” burila a vocação mestiça de Elza, numa canção inédita e original da dupla principal da jovem guarda, formada pelo capixaba Roberto Carlos e pelo carioca Erasmo Carlos. “Moço, toque balanço/ oque balanço, seu moço, senão eu não danço/ porque o balanço faz ficar/ com a cabeça fora do lugar/ quando a rodada de iê-iê terminar/ eu vou pedir para a orquestra mudar”, gingava. Não virou sucesso, mas, se era samba e era iê-iê-iê, era samba-rock.

9 Sergio Mendes & Brasil ’66, “Mas Que Nada” (Jorge Ben), 1966 – Garoto-prodígio da bossa nova, o niteroiense Sergio Mendes foi dos primeiros a bater asas do Brasil em direção ao êxito internacional da bossa, levando Jorge Ben na bagagem em uma turnê made in Brazil para gringo ver. Jorge não gostou e quis voltar, mas deixou “Mas Que Nada”, para a qual Sergio elaborou uma versão suingadíssima que viraria hit internacional e correria mundo em regravações até de semideuses do jazz como Dizzy Gillespie (em 1967) e Ella Fitzgerald (em 1970). O pré-samba-rock de Sergio Mendes e sua banda Brasil ’66 consagrou um formato easy listening aveludado, com vocalistas femininas norte-americanas pronunciando um português macarrônico de “ma-sh kay nada” (como a canção é subtitulada no rótulo do LP).

10 Wilson Simonal, “Mamãe Passou Açúcar em Mim” (Carlos Imperial), 1966 – Com “Mamãe Passou Açúcar em Mim”, o carioca Wilson Simonal acondicionou num pacote só jovem guarda, samba, o pop norte-americano de Chris Montez e o samba-jazz de Jorge Ben. Tudo junto, em faixas como essa, “Meu Limão, Meu Limoeiro” (do mesmo álbum), “Nem Vem Que Não Tem” (1967) e “Sá Marina” (1968), estava inventada a pilantragem, o nome mais espetacular que o samba-rock teve antes de se chamar samba-rock.

“Se você envelheceu/ e a junta endureceu/ vá pra casa, agora o samba é jovem/ coroa não tem vez”, cantava a mineira Rosa Maria (futura Rosa Marya Colin) em 1966, tateando um modo pouco cortês de “jovem samba”

11 Jorge Ben, “Si Manda” (Jorge Ben), 1967 – De volta da temporada nos Estados Unidos, Jorge Ben se estabeleceu em São Paulo, onde morou com o amigo Erasmo Carlos, e convocou o conjunto carioca de iê-iê-iê The Fevers para apimentar o álbum O Bidu – Silêncio no Brooklin. Num tempo em que a jovem guarda e a MPB engajada se engalfinhavam como inimigos irreconciliáveis e a gaúcha Elis Regina vetava roqueiros em seu programa televisivo O Fino da Bossa, Jorge e Erasmo tentavam criar um sub-movimento, “jovem samba” (“A Jovem Samba” era o título da terceira faixa de O Bidu), que teria por missão abrasileirar os excessos anglo-saxões do rock, e/ou vice-versa, em sons híbridos eletrificados, uma parceria Jorge-Erasmo (a paulistana “Menina Gata Augusta“) e títulos como “Amor de Carnaval“, “Nascimento de um Príncipe Africano1″, “Frases” e “Si Manda”. Essa última seria sempre citada pelos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil como uma das nutrizes para a concepção da tropicália.

O clássico tropicalista “A Minha Menina” na versão do dono, em 1968

12 Mutantes e Jorge Ben, “A Minha Menina” (Jorge Ben), 1968 – O encontro entre Jorge Ben e o trio roqueiro paulistano Mutantes, formado por Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, se derramou no luminoso samba-rock “A Minha Menina”, de autoria e com vocais de Jorge: estava fundado o braço não-baiano da tropicália. Jorge também gravou “A Minha Menina” sozinho, mas só foi lançada em compacto e não está disponível no Spotify.

“Queremos Guerra” (1968) na voz do dono

13 Gilberto Gil, “Queremos Guerra” (Jorge Ben), 1968 – Gilberto Gil gravou “Queremos Guerra”, de Jorge Ben, num dos LPs coletivos do 4º Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, enquanto o próprio autor defendia o samba-rock na competição (e só o lançou em compacto, indisponível no Spotify). Em 1968, Jorge e Gil brincavam com fogo cinco minutos antes da decretação do AI-5: “Guerra, queremos guerra/ guerra, queremos guerra/ mas só se não fizer sol amanhã/ e se chover também eu não vou sair de casa/ pois eu não estou aqui pra pegar uma gripe danada/ e no fim de semana eu não poder ir ver a minha namorada”. Começava como declaração bélica e terminava como mais uma canção de sol e chuva, risos e lágrimas de Jorge Ben, mas a ambiguidade típica do período tropicalista ficou carimbada nessa pequena e obscura obra-prima.

Jorge Ben (1969) disco clássico completa 50 anos! - Oganpazan
O “Jorge Ben” de 1969 e a capa mais tropicalista do samba-rock

O samba-rock

14 Jorge Ben, “Bebete Vãobora” (Jorge Ben), 1969 – Jorge vive seu segundo grande momento com o álbum homônimo de 1969, pedra da gênese do que ficará futuramente conhecido como samba-rock. O som se redefine pela presença do acompanhamento percussivo, vocal, multicultural e multirracial do Trio Mocotó, composto pelo paulista João Parahyba (na bateria e na timba, sua genial invenção) e pelos cariocas Fritz Escovão (cuíca) e Nereu Gargalo (pandeiro). O texto se redefine pelo orgulho negro em tempos de black power na América do Norte, na abertura com “Criola” (“e como já dizia o poeta Gil/ que negro é a soma de todas as cores/ você, crioula, é colorida por natureza”) e no surgimento de um personagem que é anti-herói dos morros e antecessor de todos os rappers brasileiro, em “Take It Easy My Brother Charles” e “Charles, Anjo 45“. Os arranjos ficam por conta do carioca Rogério Duprat, o maestro que idealizou a sonoridade da tropicália. A capa, também tropicalista, guarda uma fileira de obras-primas: “País Tropical“, “Que Pena“, “Domingas“, “Cadê Teresa“, “Descobri Que Sou um Anjo“… E há, ainda, “Bebete Vãobora”, que enaltece uma candidata a se tornar a principal voz feminina do gênero que nasce, a paulista interiorana Elizabeth Viana.

15 Funk Como le Gusta, “Meu Guarda-Chuva” (Jorge Ben), 1999 – Para Elizabeth Viana, Jorge Ben ofereceu outro dos pontapés iniciais do samba-rock, “Meu Guarda-Chuva” (inacreditavelmente indisponível no Spotify), mais um da linhagem dos sambas jorgebenianos construídos à base de pingos de chuva e de lágrimas. Trinta anos depois, “Meu Guarda-Chuva” renasceu na versão big band do grupo paulistano Funk Como le Gusta, com a também paulistana Paula Lima fazendo a vez e a voz de “Bebete” Viana. Na gravação original de Elizabeth, o acompanhamento é d’Os Originais do Samba.

16 Os Originais do Samba, “Cadê Tereza” (Jorge Ben), 1969 – Co-responsáveis importantes pelo nascimento do samba-rock, o conjunto carioca Os Originais do Samba, célebre por incluir em sua formação o também comediante Mussum, estreou em disco cantando “Cadê Tereza”, de Jorge, como de hábito nesse momento secundados pelo próprio autor, que esmerilha nos vocais ao final com fundo falso da batucada.

17 Os Originais do Samba, “Se Papai Gira” (Jorge Ben), 1969 – No segundo LP d’Os Originais, ainda em 1969, a associação com Jorge Ben origina dois instantes altos gravados apenas pelo conjunto: “Vou Me Pirulitar“, em consonância com o idioma todo próprio de Mussum, e o sensacional “Se Papai Gira”, rara visita explícita de Ben aos ritos do candomblé, lançada originalmente em 1966, por Jair Rodrigues. Em “Se Papai Gira” se encontra uma das bússolas existenciais do hedonismo jorgebeniano: “O leme do corpo do homem é o pé”.

“Saudosa Bahia”, um dos pontos altos de Eis o Ôme (1969, indisponível no Spotify)

18 Noriel Vilela, “Eu Tá Vendo no Copo” (Edenal Rodrigues-Avarese), 1969 – Ex-integrante do grupo Nilo Amaro & Seus Cantores de Ébano, o carioca Noriel Vilela participou da vertente candomblecista do samba-rock, com temas impagáveis como “Eu Tá Vendo no Copo”, “Só o Ôme” e “Saudosa Bahia”.

19 Wilson Simonal, “País Tropical” (Jorge Ben), 1969 – Burilando o samba-jazz e fazendo florescer a pilantragem, Wilson Simonal foi o principal porta-voz masculino do Jorge Ben da virada de década 1960/1970, transformando “País Tropical” em hit ufanista explosivo, regravando “Que Maravilha” (1969), “Que Pena” e “Crioula” (1970) e apresentando inéditas como “Zazueira” (1968), “Silvia Lenheira” (1969, em referência à mãe de Jorge) e as controversas e agressivas (um traço quase nunca perceptível na obra de Ben) “Brasil, Eu Fico” e “Resposta“.

20 Elis Regina, “Zazueira” (Jorge Ben) – Embora a versão mais loquaz de “Zazueira” seja de Simonal, essa canção marcou a reconciliação musical entre Jorge Ben e Elis Regina, que vinha da rejeição à jovem guarda e de uma passeata contra as guitarras elétricas e agora transformava “Zazueira” em samba-jazz. Em 1970, Elis apresentaria dois sambas-rocks de Jorge, uma regravação de “Bicho do Mato” (1964) e o inédito “Até Aí Morreu Neves“, ambos indisponíveis no Spotify.

21 Gal Costa e Caetano Veloso, “Que Pena (Ele Já Não Gosta Mais de Mim)” (Jorge Ben), 1969 – Depois dos Mutantes, a tropicália baiana deus adere ao samba-rock em vários momentos, em particular na voz de Gal Costa, 100% afinada com Jorge Ben em 1969. Com Caetano, ela canta “Que Pena”. Com Caetano e Gil, cria uma versão de “País Tropical” que, imersa nas circunstâncias do exílio dos dois compositores, não suplantará a mais bem-sucedida à época, por Wilson Simonal.

22 Gal Costa, “Tuareg” (Jorge Ben), 1969 – Sozinha, Gal canta a gostosa e galhofeira “Deus É o Amor” e a épica “Tuareg”, ambas gravadas exclusivamente por ela. “Pois ele é guerreiro/ ele é bandoleiro/ ele é justiceiro/ ele é mandingueiro/ ele é um tuaregue”, diz a letra, transpondo Charles, Anjo 45 para os desertos do Oriente Médio.

23 Lulu Santos, “Tuareg” (Jorge Ben), 1994 – Pop-roqueiro carioca da geração 1980, Lulu Santos namorará o samba-rock em diversos momentos, entre eles o álbum Popsambalanço e Outras Levadas (1989) e a regravação da então esquecida “Tuareg”.

24 Caetano Veloso e Jorge Ben, “Charles, Anjo 45” (Jorge Ben), 1969 – Pairando por sobre o violão singular e os vocais blue de Jorge, Caetano Veloso desacelera e acrescenta dramaticidade a “Charles, Anjo 45”, lançado apenas em compacto: “Charles, anjo 45/ protetor dos fracos e dos oprimidos/ Robin Hood dos morros, rei da malandragem/ um homem de verdade, com muita coragem/ só porque um dia Charles marcou bobeira/ foi tirar sem querer férias numa colônia penal/ então uns malandros otários deitaram na sopa/ e uma tremenda bagunça o nosso morro virou/ pois o morro, que era o céu,/ sem o nosso Charles um inferno virou/ mas Deus é justo e verdadeiro/ antes de acabar as férias o nosso Charles vai voltar”.

25 Claudette Soares, “Que Maravilha” (Jorge Ben-Toquinho), 1969 – Cantora que a essa altura já tinha sido “princesa do baião” e estrela colateral de bossa nova, a carioca Claudette Soares se torna outra das vozes femininas de Jorge Ben ao gravar duas excêntricas parcerias dele com Toquinho, “Que Maravilha” e…

26 Jorge Ben e Toquinho, “Carolina, Carol Bela” (Jorge Ben-Toquinho), 1969 – …”Carolina, Carol Bela”, em que a voz de Jorge surge ao fundo chamando por “Carolina!”. Parcerias de Jorge com o paulistano Toquinho, “Carolina, Carol Bela” e “Que Maravilha” também foram gravadas num compacto pelos autores em dupla, com acompanhamento do Trio Mocotó. Em 1971, Jorge mostrou a versão solo de “Que Maravilha“.

27 Claudette Soares, “O Cravo Brigou com a Rosa” (Jorge Ben), 1969 – Outro clássico de Ben lançado por Claudette é “O Cravo Brigou com a Rosa”, na tradição das canções jorgebenianas de natureza, choro e chuva: “O cravo brigou com a rosa/ e quem chorou fui eu”. O acompanhamento é de Jorge e d’Os Originais do Samba. Claudette gravará inéditas de Jorge até 1975, ano de “Eles Querem Amar“.

28 Cyro Aguiar, “Rei do Maracatu” (Jorge Ben-Gilberto Gil), 1969 – Mais ligado à jovem guarda nos anos 1960, o sambista baiano Cyro Aguiar lançou em 1969 um LP chamado Anticonvencional, e um elemento primordial de seu anticonvencionalismo era o samba roqueado “Rei do Maracatu”, raríssima parceria assinada por Jorge Ben e Gilberto Gil, com requintes de orgulho racial: “Nego/ caiu no samba sem parar/ pulou pr’aqui, pulou pra lá/ mas não pediu licença pra sambar/ coitado do nego, nego vai apanhar/ mas nego não precisa de licença/ pois nego é nego tu/ o nego não vai apanhar/ pois nego é rei, rei, rei, rei, é rei do maracatu/ toda vida trabalhando, se virando/ e o capitão da mata procurando um jeito de evitar que o nego bote pra quebrar/ pois ele é nego tu/ pois ele é rei, rei, rei, rei, é rei do maracatu”. Cyro irá se tornar um militante nacionalista do samba, sempre citando com irritação (e portanto incorporando) a influência gringa. São vários e curiosíssimos os exemplos: “Big Boy” (1970, “nome importado/ cultura importada/ papo importado/ figura importada/ é Big Boy”), “Asfalto Falsificado” (1972, “Cansei de tanta coisa importada/ cansei de tanto som envenenado/ cansei, eu que nem sei falar inglês,/ venho pensando há mais de mês/ pra onde vai meu português”), “Do You Like Samba” (1973, “do you like samba?/ I love too/ if you love samba/ I love you”, “pra você me entender até inglês fui aprender pra me comunicar”) e “Made in Brazil” (1975, “e o samba-rock/ made in Brazil/ e o bolero-xote/ made in Brazil”.

29 Zito Righi e Seu Conjunto, “Poema Rítmico do Malandro” (Sonia Santos), 1969 – Outra excentricidade made in 1969 é o LP Alucinolândia, do maestro fluminense Zito Righi. Na faixa de abertura, “Poema Rítmico do Malandro”, a batucada corre solta atrás da voz da carioca Sonia Santos, também compositora do samba suingado: “Ô, vida difícil, ô, vida cansada/ mas mudar de vida que nada, que nada (…) é que ficou louco o mundo, a cidade/ a culpa, a luxúria e a vaidade/ chegou carnaval, chegou carnaval/ ninguém quer ninguém e todos querem tudo/ aqui tudo vale, qualquer absurdo/ e é nesse dia assaz diferente que o malandro é mais homem no meio da gente”. E a letra conclui, mais lúcida que alucinada: “Escrevemos samba no asfalto selvagem”.

30 Claudette Soares, “Se Você Quiser mas sem Bronquear” (Jorge Ben), 1970 – Em 1970, Claudette apresentou “Se Você Quiser mas sem Bronquear”, lançada no ano anterior por Elizabeth Viana (indisponível no Spotify), nos dois casos com acompanhamento d’Os Originais do Samba. Também em 1970, a carioca Doris Monteiro, precoce veterana do samba-canção, esboçou uma conversão ao samba-rock com uma versão desacelerada de “Se Você Quiser mas sem Bronquear”.

31 Golden Boys, “Fumacê” (Rossini Pinto-Solange Corrêa), 1970 – Sob os escombros da jovem guarda, encerrada em 1968 pelo abandono de Roberto Carlos, vários dos artistas daquela tendência vieram compor as trincheiras de Ben e do ainda não batizado samba-rock. Foram os casos dos cariocas Golden Boys e Trio Esperança, não por coincidência a parte negra do iê-iê-iê. Além de regravar “Se Você Quiser mas sem Bronquear“, os Golden Boys fundem baião, samba, rock e jovem guarda em “Fumacê”, que hoje soa como uma ode descarada à maconha.

De 1975, “Segura na Cintura Dela (O Gavião)” (Jovenil Santos-Paulo Debétio) é mais um petardo samba-rock dos Golden Boys

32 Os Incríveis, “Vendedor de Bananas” (Jorge Ben), 1969 – Vindos de “Era um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones” (1967), os paulistanos Os Incríveis se jogaram de cabeça no som jorgebeniano em “Vendedor de Bananas”, que ganharam com exclusividade do pai da matéria em tempo de deixar para trás o iê-iê-iê. Em 1993, o emepebista sul-matogrossense Ney Matogrosso fará uma releitura do “Vendedor de Bananas”.

33 Doris Monteiro, “Coqueiro Verde” (Roberto Carlos-Erasmo Carlos), 1970 – Companheiros desde os primórdios da “turma da Tijuca“, Roberto e Erasmo aderiram à sonoridade de Jorge Ben, compondo o standard em samba-rock “Coqueiro Verde”, interpretado por Doris Monteiro…

34 Erasmo Carlos e Os Tremendões, “Coqueiro Verde” (Roberto Carlos-Erasmo Carlos), 1970 – …E pelo próprio Erasmo Carlos, em leitura genial apoiada na cuíca, na percussão e nos metais. A antológica letra de “Coqueiro Verde” promove um zeitgeist em que cabem praia, patota de Ipanema, O Pasquim, a atriz Leila Diniz, Narinha (então casada com Erasmo) e daí por diante.

35 Os Originais do Samba, “Eu Queria Era Ficar Sambando” (Roberto Carlos-Erasmo Carlos), 1970 – Outra incursão de Roberto e Erasmo pelo “jovem samba” é a exuberante “Eu Queria Era Ficar Sambando”, gravada exclusivamente pel’Os Originais do Samba. O álbum de 1970 contém ainda e pérola exclusiva “Tá Chegando Fevereiro“, assinada por Jorge Ben e João Mello. Entre as várias exclusividades que o conjunto ganha de Jorge está ainda a otimista “Tenha Fé, pois Amanhã um Lindo Dia Vai Nascer” (1971).

36 Abílio Manoel e Rosa Rebelo, “Pena Verde” (Abílio Manoel), 1970 – O sucesso turbinado por “País Tropical” gerou uma onda de jorgemania na MPB, a começar por Abílio Manoel, um português de Lisboa radicado em São Paulo que estudava física na USP e compôs e cantou “Pena Verde”, retrato explícito da farofa cultural, étnica e geográfica que, em música, se traduzia em samba-rock.

37 Abílio Manoel, “Luíza Manequim” (Abílio Manoel), 1972 – O segundo samba-rock duradouro de Abílio foi “Luíza Manequim”, com desdobramentos até os dias atuais. “Zalui niquimá”, Abílio troca as sílabas, brincando de trava-línguas com o samba-rock.

38 Luísa Sonza, “Luísa Manequim” (Luísa Sonza-Carolzinha-Douglas Moda-Jenni Mosello-Ada Taccone-Cole Marsden Greif Neill-Abílio Manoel) – A voz de Abílio Manoel e a levada original de “Luíza Manequim” fazem a base sampleada de “Luísa Manequim”, uma tataraneta do samba-rock composta e interpretada pela gaúcha Luísa Sonza. A atração da artista 50 anos mais nova parece se dar mais pelo nome que pelo estilo musical.

39 Doris Moneiro, “A Feira” (Nonato Buzar-Mônica Silveira), 1970 – Um dos ideólogos da pilantragem, o compositor maranhense Nonato Buzar operou nas fronteiras do samba-rock, em peças como “A Feira”, da trilha sonora da novela global Pigmalião 70, que teve leituras plenas de suingue pelos cariocas Wilson das Neves (em 1969, só instrumental) e Doris Monteiro e pelo paraibano Jackson do Pandeiro (1970), além do próprio Nonato Buzar (1970).

40 Jackson do Pandeiro, “Chiclete com Banana” (Gordurinha-Almira Castilho), 1970 – No front nordestino, a jorgemania permitiu ao veterano Jackson do Pandeiro reaparecer e rever “o samba-rock, meu irmão”, em versão mais suingada que nunca.

41 Paulo Diniz, “Quero Voltar pra Bahia” (Paulo Diniz-Odibar), 1970 – De um front nordestino black power, o pernambucano Paulo Diniz tentou homenagear a tropicália exilada pela ditadura na fronteiriça “Quero Voltar pra Bahia”: “I don’t want to stay here/ I wanna to go back to Bahia”.

42 Paulo Diniz, “Ponha um Arco-Íris na Sua Moringa” (Paulo Diniz-Odibar), 1970 – Viajandão, o “som universal” (um dos primeiros nomes da tropicália, contemporâneo à tentativa de invenção da jovem samba) “Ponha um Arco-Íris na Sua Moringa” de Paulo Diniz tenta apanhar o zeitgeist e se aproximar da patota de Ipanema – sem muito eco. Outras obras-primas de Paulo e do baiano Odibar no álbum Quero Voltar pra Bahia são “Piri Piri“, “Um Chope pra Distrair” e, do pré-samba-roqueiro gaúcho Lupicinio Rodrigues, “Felicidade” (1947).

43 Jorge Ben, “Oba, Lá Vem Ela” (Jorge Ben), 1970 – No segundo álbum secundado pelo Trio Mocotó, Jorge elabora outra leva de clássicos, agora sobre uma cama emotiva e afetuosa de cordas, em samba-rock desacelerado, em que a tristeza se disfarça de alegria (e/ou vice-versa). De Força Bruta saem “Oba, Lá Vem Ela“…

“Maria Domingas”, versão Trio Mocotó

44 Jorge Ben, “O Telefone Tocou Novamente” (Jorge Ben), 1970 – …”O Telefone Tocou Novamente“, “Zé Canjica“, “Domenica Domingava num Domingo Linda Toda de Branco“, “Charles Jr.” (o filho em alta voltagem racial de Charles, Anjo 45), “Apareceu Aparecida“, “Mulher Brasileira” e “Força Bruta”. “O Telefone Tocou Novamente” ganhou versão suingada pelo Som Três do paulistano Cesar Camargo Mariano, o trio de acompanhamento que moldava a pilantragem de Wilson Simonal. Em 1971, o Trio Mocotó também ganhou vida própria e lançou o LP Muita Zorra! (“…São Coisas Que Glorificam a Sensibilidade Atual!”) (indisponível no Spotify), samba-roqueando Jorge Ben (“Esperança“, “Maria Domingas”, a ufanista “Aleluia, Aleluia“), Roberto e Erasmo (“O Sorriso de Narinha“, “Coqueiro Verde“), Tim Maia (“Meu País“), Antonio Carlos e Jocafi (“Xamego de Iná“, “Nagô“), Ivan Lins (“O Criolauta“) e João do Vale/Jackson do Pandeiro (“O Canto da Ema“).

45 Banda Veneno de Erlon Chaves, “Eu Também Quero Mocotó” (Jorge Ben), 1970 – O samba-rock causou escândalo no Festival Internacional da Canção (FIC) de 1970 na Rede Globo, quando o maestro negro carioca Erlon Chaves (outra figura de fundo do som da pilantragem) e sua Banda Veneno interpretaram mais um petardo de Jorge Ben, “Eu Também Quero Mocotó”, um happening negro apoiado por certa S.A.M. (Sociedade Amigos do Mocotó), de que, óbvio, o Trio Mocotó fazia parte. O paulista black power Toni Tornado venceu o festival sacramentando o advento de uma black music nacional fundada no funk e no soul, mas ele e Erlon Chaves acabaram presos pela ditadura escandalizada com os amores inter-raciais que insinuavam e com o levante de orgulho negro que ameaçava eclodir no Brasil.

46 Jorge Ben, “Cosa Nostra” (Jorge Ben), 1970 – Ao mesmo tempo que entra em guerra com Simonal, a patota d’O Pasquim leva Jorge Ben a criar “Cosa Nostra”, celebrando uma espécie de máfia de Ipanema (ou “a república livre de Ipanema”, como diz a letra), com um suingue capaz de encantar o apresentador Silvio Santos, que adotará a canção para chamar os jurados de seu programa de calouros, “mas o que vai, vai/ o que vai, vem”. Em 1971, “Cosa Nostra” ganhou versão arrasa-quarteirão da Banda Veneno de Erlon Chaves.

“Cosa Nostra”, pela Banda Veneno de Erlon Chaves

47 Wilson Simonal, “Moro no Fim da Rua” (Luis Vagner), 1970 – O soul suingado “Moro no Fim da Rua” marca a guinada black music do gaúcho Luis Vagner, que vinha do grupo de iê-iê-iê Os Brasas e, ao integrar a banda de Jorge Ben, se confirmaria um ás sulista do samba-rock. O autor gravou simultaneamente, só em compacto, com “Viagem para o Sul” no lado B.

48 Franco, “Carolina” (Cayon Gadya-Bedeu-Leleco Telles), 1970 – Muito antes de ser reconhecido como empresário de Zezé di Camargo & Luciano ou como pai do trio pop juvenil KLB, o italiano radicado gaúcho Franco Scornavacca foi um pioneiro do samba-rock, de nome artístico somente Franco e em gravações iniciais como sua própria “Carolina” (1970, composta por dois futuros integrantes do grupo gaúcho Pau Brasil, Bedeu e Leleco Telles), “Se Você Quer Assim” (1970, de Luis Vagner) e “Ficamos Assim” (1972, de um principiante mineiro chamado Wando).

49 Antonio Carlos e Jocafi, “Kabaluerê” (Antonio Carlos-Jocafi), 1971 – De volta ao front nordestino, a dupla baiana Antonio Carlos e Jocafi surge como inventora de uma espécie de afro-samba-rock, de que “Kabaluerê” é exemplo perfeito. Atravessou as décadas e virou sample e base para o samba-rapper carioca Marcelo D2, em “Qual É?” (2003, indisponível no Spotify). Na mesma linha de Antonio Carlos e Jocafi, os também baianos Tom & Dito emplacaram na Globo o samba suingado autoral “A Grande Família” (1973): “Catuca pai, catuca mãe, catuca filha/ eu também sou da família, também quero catucar’.

Marcelo D2 transforma “Kabaluerê” em samba-rap

50 Vinicius de Moraes e Toquinho, “A Tonga da Mironga do Kabuletê” (Toquinho-Vinicius de Moraes), 1971 – Na levada do suingue baiano de Antonio Carlos e Jocafi e da associação de Jorge Ben com Toquinho em 1969, a dupla carioca-paulista Vinicius de Moraes e Toquinho corteja o afro-samba-rock em sucessos do naipe de “Como Dizia o Poeta” e “A Tonga da Mironga do Kabuletê”, com o Trio Mocotó no acompanhamento. Wilson Simonal também registrou o afro-samba-rock, com muito suingue.

51 Claudia, “Ossain (Bamboxê)” (Antonio Carlos-Jocafi-Ildásio Tavares), 1971 – A carioca Claudia (hoje Claudya) se aproximou do afro-samba-rock pelo lado baiano, ao lançar “Ossain (Bamboxê)”, sucesso no ano seguinte com os autores Antonio Carlos e Jocafi. Em 1974, a versão do Tamba Trio harmonizou samba-rock baiano com a bossa nova carioca.

52 Noriel Vilela, “16 Toneladas (Sixteen Tons)” (Merle Travis-versão Roberto Neves), 1971 – O vozeirão grave de Noriel Vilela acrescentou suingue e balanço ao hit já suingado “Sixteen Tons”, tema de trabalho pesado que nasceu como canção country gravada pelo autor Merle Travis e virou soul da Motown em 1966 na voz de Stevie Wonder.

53 Jorge Ben, “Rita Jeep” (Jorge Ben), 1971 – Nas colaborações finais com o Trio Mocotó, Jorge procura traduzir o “black is beautiful” norte-americano em Negro É Lindo, com homenagem black panther ao boxeador “Cassius Marcelo Clay” (“tem a postura da Estátua da Liberdade/ e a altura do Empire State/ salve Cassius Marcelo Clay/ soul brother, soul boxeur, soul man”), samba-blues de tristezalegria (“Porque É Proibido Pisar na Grama“), samba-rock indígena (“Comanche“, apanhando para tema o apelido do mocotó João Parahyba), miscigenação étnica e musical (“Cigana“), mais uma canção-declaração para a esposa (“Maria Domingas“) e paquera samba-rock direcionada a Rita Lee (“Rita Jeep”).

54 Doris Monteiro, “É Isso Aí” (Sidney Miller), 1971 – Música-símbolo do samba-rock no feminino ao lado de “Meu Guarda-Chuva”, “É Isso Aí” colabora para a construção do gênero pela praia carioca, com a interpretação sestrosa de Doris Monteiro e a composição do emepebista quase sempre sisudo Sidney Miller. Ele gravou primeiro, mas foi a versão de Doris que alçou voo, em amálgama dada por arranjo e regência, a cargo do cearense Geraldo Vespar. Outro samba-rock atípico no LP Doris é “Coco Verde“, assinado pelo capixaba Sérgio Sampaio, prestes a fincar seu nome na história da música brasileira com o rock-enredo “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua” (1972).

55 Erasmo Carlos, “De Noite na Cama” (Caetano Veloso), 1971 – O ex-“tremendão” Erasmo Carlos cai de boca no samba-rock em “De Noite na Cama”, com composição exilada de Caetano Veloso e arranjo do maestro robertocarlista Chiquinho de Moraes. Erasmo esmerilha no soul-samba-rock no álbum Carlos, Erasmo…, gravando Jorge Ben (“Agora Ninguém Chora Mais“, original de 1965), sambalançando a bossa-soul do carioca Marcos Valle (“26 Anos de Vida Normal“)…

56 Wilson Simonal, “De Noite na Cama” (Caetano Veloso), 1971 – “De Noite na Cama” recebe mais duas gravações em 1971, ambas espetaculares, por Doris Monteiro (indisponível no Spotify) e por Wilson Simonal, essa última puxada no samba-samba. Em 1991, o samba-rock foi resgatado pela neo-emepebista carioca Marisa Monte.

“De Noite na Cama” por Doris Monteiro

57 Maria Bethânia e Jorge Ben, “Mano Caetano” (Jorge Ben), 1971 – Última diva MPB a sucumbir aos encantos de Jorge Ben (e do samba-rock), a baiana Maria Bethânia celebra o retorno de Caetano do exílio em “Mano Caetano”, com o autor no contracanto: “Lá vem o mano/ meu mano Caetano/ ele vem sorrindo/ ele vem cantando/ ele vem feliz pois ele vem voltando”.

58 Silvio Cesar, “Beco sem Saída” (Silvio Cesar), 1971 – Oriundo dos bailes dos conjuntos de Djalma Ferreira e Ed Lincoln, o mineiro Silvio Cesar samba-roqueou em 1971 na impagável “Beco sem Saída”, na vanguarda da crise da masculinidade e do machismo: “Se sou educado duvidam da minha masculinidade/ se sou delicado perguntam se sou um homem de verdade/ se estou sempre sorrindo dizem logo que eu não gosto de mulher/ se tenho mil mulheres a menina de família não me quer/ (…) num beco sem saída a gente fica sem saber/ uma coisa é certa, no meio de feras/ uma fera a gente tem que ser”. No mesmo LP, “O Machão” faz par de vasos com “Beco sem Saída”: “Ele é um cara bonito/ e meio esquisito/ mas sabe que quer/ (…) machão, machão/ para as mulheres ele é o bom/ machão, machão/ mas para os homens não é homem, não”. Ainda não se falava em homofobia, mas o samba-rock falava, desarmonioso e sem explicitar. Em 1998, o grupo paulista de pagode Negritude Junior fará uma cover samba-roqueira de “Beco sem Saída“.

59 Erasmo Carlos, “Maria Joana” (Roberto Carlos-Erasmo Carlos) – Ainda para o antológico LP Carlos, Erasmo…, Erasmo compõe “Maria Joana”, uma surpreendente ode à marijuana com co-autoria de Roberto Carlos (“Maria Joana“), abrilhantada por arranjo do maestro tropicalista Rogério Duprat. “Só ela me traz beleza nesse mundo de incerteza/ eu quero fugir, mas não posso/ esse mundo inteirinho é só nosso/ eu quero Maria Joana/ eu vejo a imagem da lua refletida na poça da rua/ e penso da minha janela, eu estou bem mais alto que ela”, diz a letra, inequívoca.

60 Evinha, “Que Besteira” (Marcos Valle-Paulo Sérgio Valle-Mariozinho Rocha), 1971 – Desprendida do Trio Esperança, a carioca Evinha brilha numa confluência torta de samba-soul, pilantragem, samba-rock e bossa nova, em pérolas como “Teletema” (1969, da verve de pilantragem carioca de Antonio Adolfo e Tiberio Gaspar), “Casaco Marrom” (Bye Bye, Cecy)” (1969, do roqueiro rural baiano Guttenberg Guarabyra e parceiros), “Abrace Paul McCartney por Mim” (da carioca Joyce Moreno, então apenas Joyce), “Rico sem Dinheiro” (1971, de Abílio Manoel), “Feira Moderna” (1971, do Clube da Esquina), “Olha Eu Aqui Oh! Oh! Oh!…” (1974, de Roberto Corrêa e Jon Lemos, compositores samba-roqueiros dos Golden Boys e do Trio Esperança) e “Que Besteira”, apogeu da fase de soul loiro do carioca Marcos Valle.

61 Tony & Frankye, “Depois da Chuva no Posto 4” (Luis Vagner-Tom Gomes), 1971 – Soul, samba, funk, baião, rock e salsa se misturam no breve trabalho em dupla do paulista Tony Bizarro com o carioca Frankye Arduini. O ponto culminante da multi-fusão se encontra em “Depois da Chuva no Posto 4”, assinada pelo gaúcho Luis Vagner e pelo paulista Tom Gomes.

62 Cléo Galante, “Você Vai Ver Que Eu Tenho Razão” (Cléo Galante) 1972 – O pernambucano Cléo Galante teve voo curto como cantor (inicialmente de iê-iê-iê), mas cravou um hit da pesada no imaginário samba-rock, “Você Vai Ver Que Eu Tenho Razão”, firmando a alegria como prova dos nove: “Você vai ver, bacana é se comunicar/ a vida é curta, a gente tem que aproveitar/ ouça um conselho meu/ o que passou morreu/ pega a tristeza e mande praquele lugar”.

63 MPB 4, “Bom Dia, Boa Tarde, Boa Noite” (Jorge Ben), 1972 – A lábia de Jorge Ben convence até, vejam só, o MPB 4, quarteto niteroiense de protesto que despontou acompanhando Chico Buarque nos festivais da canção. “Bom Dia, Boa Tarde, Boa Noite” mantém o batuque, mas ganha fabuloso arranjo vocal emepebista. Chico, por sinal, utilizou a persona de um cantor fictício, Julinho da Adelaide, para ao mesmo tempo esculhambar o general ditador de plantão e aparentemente homenagear Jorge Ben, em “Jorge Maravilha” (1974).

64 Doris Monteiro, “Moço” (Roberto Carlos-Erasmo Carlos), 1972 – Doris dobra a aposta no samba-rock em 1972, com “Moço”, de Roberto e Erasmo, gravada por Betinho na trilha sonora da novela global O Bofe, e repetindo a dose de Sidney Miller e “Isso Aí” na mais convencional “Alô Fevereiro“.

65 Erasmo Carlos, “Mané João” (Roberto Carlos-Erasmo Carlos), 1972 – Reproduzindo a temática de Gilberto Gil em “Domingo no Parque” (1967), Erasmo Carlos cinzela mais um samba-rock antológico (e uma concretização amadurecida da jovem samba), “Mané João”. Em 1974, surgiram duas versões inspiradas, por uma Wanderléa samba-roqueira (gravação indisponível no Spotify), e pelo efêmero não-sambista negro Franko Xavier. Em 1980, Erasmo criará uma segunda versão acachapante, em dueto histórico com Gilberto Gil.

“Mané João”, na versão de Wanderléa

66 Gilberto Gil, “Chiclete com Banana” (Gordurinha-Almira Castilho), 1972 – De volta do exílio, Gilberto Gil namora o samba-rock pelo lado nordestino, regravando dois clássicos do repertório de Jackson do Pandeiro em Expresso 2222: “O Canto da Ema” (1956) e “Chiclete com Banana” (1958): “É o samba-rock, meu irmão!”.

67 Wanderléa, “Back in Bahia” (Gilberto Gil), 1972 – O álbum …Maravilhosa remodela a ex-“ternurinha” mineira Wanderléa rumo à MPB, com fagulhas de samba-rock, especialmente nas releituras tropicalizadas dos sucessos de Carmen MirandaUva de Caminhão” e “Casaquinho de Tricot” (1935); em “Vida Maneira“, do soulman baiano ainda desconhecido Hyldon; e em “Back in Bahia”, canção de volta de Gil e um dos carros-chefes do LP Expresso 2222, com direito a tributo à roqueira pioneira antepassada Celly Campello.

68 Jorge Ben, “Fio Maravilha” (Jorge Ben), 1972 – Momento elevado da fusão de samba, soul, rock, bossa, blues, tropicália etc., o Jorge Ben de 1972 inclui dois monumentos imortais, “Fio Maravilha” e “Taj Mahal“, além de monumentos musicais como “O Circo Chegou“, “Paz e Arroz“, “Domingo 23“, “Caramba!… Galileu da Galileia“… Dois anos depois de lançar o (obscuro) samba-rock “Camisa 12“, em alusão à Copa do Mundo de 1970, Jorge consolida com “Fio Maravilha” toda uma linhagem, a dos sambas celebratórios ao futebol – em 1973, Jorge regravou num compacto o “Hino do Flamengo” de Lamartine Babo, única vez em sua história em que se rendeu a um compositor da era de ouro.

69 Maria Alcina, “Fio Maravilha” (Jorge Ben), 1972 – “Fio Maravilha” aconteceu para o sucesso na versão apresentada para um Maracanãzinho lotado no FIC de 1972, com voz, interpretação e mise-en-scène potentes da mineira Maria Alcina, instaladora da androginia na música brasileira quando os Secos & Molhados ainda eram gestados no underground paulista. O compacto de “Fio Maravilha” é completado por uma versão envenenada de “Charles Jr.“, e Alcina encorpará a série futebolista de Jorge em 1976, com “Camisa 10 da Gávea“.

70 Jorge Ben, “Morre o Burro, Fica o Homem” (Jorge Ben), 1972 – O rock e o samba parecem irmãos gêmeos em “Morre o Burro, Fica o Homem”, mais um colosso de letra tipicamente jorgebeniana: “Se ela disser que não lhe quer mais/ arranje outra, meu rapaz/ (…) é a tristeza quem some/ morre o burro, fica um homem”.

71 Wilson Simonal, “Paz e Arroz” (Jorge Ben), 1972 – Caído em desgraça simultaneamente com a militância de esquerda e com a ditadura de direita, Simonal tenta se reerguer (sem êxito), apoiando-se numa obra-prima de Jorge Ben, “Paz e Arroz“. A canção termina numa declaração de amor improvisada, de frases faladas como “esse samba que eu gravei é do meu amigo Jorge Ben” e “meu querido Jorge, nós gostamos de você”. Simonal ainda gravará duas inéditas de Ben, “Quem Mandou (Pé na Estrada)” (1973), que será reinventada por Jorge e Gilberto Gil dois anos adiante, e “Cuidado com o Bulldog” (1974).

72 Elza Soares, “Pulo, Pulo” (Jorge Ben), 1972 – Elza Soares leva Jorge Ben à gafieira em “Pulo, Pulo” (original de 1970), e o álbum Elza Pede Passagem esbanja suingue em faixas como a mestiça “Cheguendengo” (de Antonio Carlos e Jocafi), a rodopiante “Saltei de Banda” (dos roqueiros rurais Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix) e “O Gato” (do emepebista carioca emergente Gonzaguinha).

73 Os Originais do Samba, “O Lado Direito da Rua Direita” (Luiz Carlos-Chiquinho), 1972 – Mais um exemplo do samba suingado d’Os Originais, agora de composição própria. Jorge Ben continua presente no LP O Samba É a Corda… Os Originais a Caçamba, como autor de “Lá Vem Salgueiro“.

74 Eliana Pittman, “Vou Pular Neste Carnaval” (Luis Vagner-Tom Gomes), 1972 – Mais uma das muitas artistas negras premidas a gravar prioritariamente sambas tradicionais, a carioca filha de norte-americano Eliana Pittman visitou o samba-rock de Jorge Ben e lançou o lindo groove de Luis Vagner “Vou Pular Neste Carnaval”, um mais-que-samba disfarçado de tema carnavalesco.

75 Paulo Diniz, “Como?” (Luis Vagner), 1972 – Em levada desacelerada e voz áspera, o pernambucano Paulo Diniz tem a primazia de lançar a primeira obra-prima do samba-rock gaúcho, “Como?, de Luis Vagner: “Como vou deixar você/ se eu te amo?/ sei que a minha vida anda errada/ que já deixei mil furos, mil mancadas/ talvez esteja andando em linhas tortas/ mas por enquanto eu vou te amando, é o que me importa/ mas você também não é rota principal/ e toda estrada tem final”. O próprio autor gravou no ano seguinte, só em compacto, e bem mais tarde no LP Fusão das Raças (1979), e Bebeto chutou para gol uma versão mais malemolente em 1981.

“Como?” na versão autoral, de 1973

76 Tim Maia, “Razão de Sambar” (Tim Maia), 1972 – Mais afeito ao soul e ao funk que às fusões com o samba, Tim Maia devota “Razão de Sambar” mais à retórica que à sonoridade sambista. Apesar de carioca, Tim prefere combinar soul e funk com o baião nordestino, casos de “Coroné Antônio Bento” (1970), “Padre Cícero“, “A Festa do Santo Reis” e “Canário do Reino” (1972).

77 Novos Baianos, “Brasil Pandeiro” (Assis Valente), 1972 – Os Novos Baianos acontecem definitivamente no segundo álbum, Acabou Chorare, modulando um sotaque particular da fusão entre samba e rock. Exemplo-símbolo é “Brasil Pandeiro”, do também baiano Assis Valente, samba rejeitado dor Carmen Miranda e lançado originalmente pelos Anjos do Inferno, em 1941. “O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada”, formulou Assis Valente, fornecendo matriz para o “Chiclete com Banana” de Gordurinha e Almira Castilho: é o samba-rock, meu irmão!

78 Luiz Melodia, “Pra Aquietar” (Luiz Melodia), 1973 – Mistura de samba, rock, soul, funk, blues e bossa, “Pra Aquietar” ilustra à perfeição o estilo inclassificável de Luiz Melodia, carioca do morro de São Carlos e do mitológico Estácio, bairro que embalou o samba quando ainda era bebê.

79 Marku Ribas, “Zamba Ben” (Marku Ribas), 1973 – O samba-rock mineiro aponta no horizonte como uma amálgama intrincada capaz de entrelaçar duas escolas distintas de música negra brasileira, a de Jorge Ben e a de Milton Nascimento e do Clube da Esquina. Marku Ribas apresenta “Zamba Ben” ao samba-rock, acrescentando traços particulares de jazz, afrobeat e mineiridade.

80 Os Originais do Samba, “Falador Passa Mal” (Jorge Ben), 1973 – Nasce mais um clássico do conglomerado Jorge Ben-Originais do Samba: “Falador Passa Mal”, que de raspão faz referência à celeuma difundida pelos jornalistas do tabloide O Pasquim, episódio crucial para pregar em Wilson Simonal a pecha de dedo-duro e arruinar sua até então platinada trajetória artística. “Falador passa mal, rapaz/ falador passa mal/ quem mandou você mentir?/ você vai se machucar/ novamente aqui estou/ você vai ter que me aturar”, tateia, ambíguo, o sambalanço.

81 Trio Mocotó, “Samba da Preguiça” (Roberto Carlos-Erasmo Carlos), 1973 – O segundo LP do Trio Mocotó congrega samba-rock de Roberto e Erasmo (“Samba da Preguiça), de Jorge Ben (“Palomares“, original de 1971) e, surpresa!, de Burt Bacharach (“Raindrops Keep Fallin’ on My Head“, de 1969, genialmente traduzida para “Gotas de Chuva na Minha Cuíca“).

82 Trio Mocotó, “Swinga Sambaby” (Nereu Gargalo), 1973 – O segundo álbum do Trio Mocotó agrupa releitura da “Palomaris” de Jorge Ben (de 1971) e originais dos mocotós Nereu Gargalo (“Swinga Sambaby”) e Fritz Escovão (“Desapareça” e “Não Vá Embora“, divertidamente contraditórias entre si). “Tu pensas coisinhas bonitas de mim, menina/ suinga, sambaby, suinga/ suinga, menina, suinga”, acaricia a jorgebeniana “Swinga Sambaby”. Se houvesse uma palavra-símbolo do samba-rock, “sambaby” seria uma forte candidata.

83 Wilson Simonal, “Dingue Li Bangue” (J.D. San-McDony’s), 1973 – Mesmo caído em desgraça, Simonal conservou a verve, e um exemplo é o samba-funk de letra cifrada “Dingue Li Bangue”, assinado por uma dupla com jeitão de fictícia, um petardo capaz de acasalar Jorge Ben e James Brown.

84 Erlon Chaves e Sua Banda Veneno, “Carly & Carole” (Eumir Deodato), 1973 – Com a Banda Veneno, Erlon Chaves gravou preciosidades como uma versão funk de “Jesus Cristo” (1970), de Roberto e Erasmo, e “Carly & Carole” (1973), homenagem do carioca exilado Eumir Deodato às cantoras-compositoras norte-americanas Carly Simon e Carole King.

85 Claudia, “Deixa Eu Dizer” (Ivan Lins-Ronaldo Monteiro de Souza), 1973 – Em sua primeira fase, o carioca Ivan Lins compôs canções que namoraram o samba, o soul e o samba-rock, casos de “Madalena” (1970, eternizada por Elis Regina em 1971), “Que Pena Que Eu Tenho de Você” (1971), “Me Deixa em Paz” (1971) e “Deixa Eu Dizer”, lançada com muito suingue pela hoje Claudya: “Deixa, deixa eu dizer o que penso dessa vida/ preciso demais desabafar”.

86 Marcelo D2, “Desabafo” (Marcelo D2-Nave-Ivan Lins-Ronaldo Monteiro de Souza), 2008 – “Deixa Eu Dizer” ganhou segunda vida em 2008, ao ser sampleada em samba-rap e neo-samba-rock por Marcelo D2, sob o título “Desabafo”.

“Eu Bebo Sim”, na versão dos Golden Boys

87 Elizeth Cardoso, “Eu Bebo Sim” (Luiz Antônio-João do Violão), 1973 – Dama veterana do samba e do samba-canção, a carioca Elizeth Cardoso gravou num compacto um dos maiores arranjos samba-rock de todos os tempos, do embriagado “Eu Bebo Sim”, também lançado no mesmo ano pelos Golden Boys. “Eu bebo, sim/ estou vivendo/ tem gente que não bebe e está morrendo”, canta Elizeth, para o coro em partido alto contrapontear: “Bebida não faz mal à saúde/ água faz mal à saúde”. “Tem gente que já está com o pé na cova/ não bebeu e isto prova que a bebida não faz mal”, continua a letra bêbada, em puro nonsense, antes de o contracanto concluir: “Cuidado com a cirrose!”.

“Kriola” (1973), de Helio Matheus, por Wanderléa

88 Os Incríveis, “Kriola” (Helio Matheus), 1973 – O ano de 1973 marcou o ápice da Wanderléa samba-roqueira, no compacto estrelado por “Kriola”, do bardo negro carioca Helio Matheus (indisponível no Spotify): “Ê, crioula/ larga da cintura dela/ não deixe essa mulher te levar/ você não sabe a responsabilidade que dá”. Os Incríveis também gravaram.

89 Helio Matheus, “Eu, Réu, Me Confesso” (Helio Matheus), 1973 – Gênio infelizmente interrompido do samba-rock, Helio Matheus conta suas agruras na própria obra, por exemplo nas obras-primas “Eu, Réu, Me Confesso” (“passeando pela Bahia, mas de barriga vazia, no prego sem trabalhar/ mês de fevereiro/ um despejo em cada ano/ vivendo como cigano/ quase perdendo a mobília/ acabando sem a família/ e a mulher perde a esperança/ leva o amor e a criança/ minha viola não fala/ pois se falasse também ia”)…

90 Helio Matheus, “Feijão com Farinha” (Helio Matheus), 1973 – … e “Feijão com Farinha”: “Eu não tive herança/ de talheres de prata/ meu nascimento, 7 de 40/ num barraco lá na Penha/ minha família sem doutor/ sem medalha e sem brasão/ eu tenho um violão/ cante, cante, cante, rapaz/ meu pai vendeu pipoca na rua, na carrocinha/ mamãe gritava ajudando é na manteiguinha/ vendeu maçã pela cidade e correu do rapa/ chegava em casa à noite e tome feijão com farinha/ para ajudar em casa fui ser sapateiro/ vender limão na feira pra ganhar dinheiro/ o irmão não deu pro estudo, eu sou violeiro”. Mais samba-soul é a pancada racial “Boi da Cara Branca” (1977): “Já faz alguns anos que você nasceu/ sempre levado, encucado, assim como eu/ acorda em festa e manifesta sua alegria/ como criança vai vestindo sua fantasia/ um dia é Robin, outro pode ser o Mancha Negra/ Superpateta, Super-Homem, rei da brincadeira/ (…) e quando tocar o surdo você quer cantar/ boi, boi, boi da cara branca/ guarde essa criança”.

“Boi da Cara Branca” (1977), o samba-soul de Helio Matheus

91 João Donato, “A Rã” (João Donato), 1973 – Um dos pais da bossa nova, o pianista (e ex-acordeonista) acreano João Donato engendrou uma variável muito específica de samba-rock, talvez uma bossa-rock, nos álbuns Quem É Quem… É João Donato (1973) e Lugar Comum (1975). No primeiro surgiu “A Rã”, logo abraçada pelos tropicalistas baianos Caetano Veloso (que criou letra para o tema até então instrumental) e Gal Costa, que gravou no álbum Cantar (1974), com arranjo do próprio Donato.

92 Gal Costa, “Barato Total” (Gilberto Gil), 1974 – Gal Costa fez o samba-rock baiano falar alto no desbaratinado “Barato Total”, composto e arranjado por Gilberto Gil: “Quando a gente tá contente, gente, gente a gente quer pegar/ barata pode ser um barato total/ tudo que você disser deve fazer bem/ nada que você comer deve fazer mal”.

93 Jorge Ben, “Os Alquimistas Estão Chegando os Alquimistas” (Jorge Ben), 1974 – Sério candidato ao troféu de obra-prima máxima de Jorge Ben e um dos pontos de honra da música popular brasileira, o álbum A Tábua de Esmeralda é também o trabalho mais doidão do artista, que faz um tratado sobre alquimia e alquimistas enquanto o amigo Tim Maia adentra a seita Universo em Desencanto. A faixa-símbolo é “Os Alquimistas Estão Chegando”, mas o LP também inclui canções em estado de graça como “O Homem da Gravata Florida“, “Errare Humanum Est“, “Menina Mulher da Pele Preta“, “Eu Vou Torcer“, “Zumbi“, “O Namorado da Viúva“, “Cinco Minutos“… Numa coletânea coletiva de 1974, fica perdida uma pequena obra-prima oculta, “A Lua É Minha“.

94 Luis Vagner Lopes, “Só Que Deram Zero pro Bedeu” (Luis Vagner), 1974 – O samba-rock gaúcho debuta em LP com Simples, que o cantor e compositor já com dez anos de estrada assina como Luis Vagner Lopes. A faixa que entrou para a história se chama “Só Que Deram Zero pro Bedeu” e fala sobre assunto sério, possivelmente racista, da rejeição que o conterrâneo Bedeu sofreu num dos festivais da canção dos anos 1970: “Lá no festival/ lá no festival que julgam músicas/ o Bedeu levou um samba que falava de esperança/ (…) alta sensibilidade/ espirituosidade/ só que deram zero pro Bedeu”. Faixas luminosas do LP de Luis são também a afro-indígena “Nas Planícies Muitas Luas de Paz” e, sobretudo, a afro-gaúcha “Chula Louca“.

95 Arnaud Rodrigues, “Nega” (Antônio C. de Jesus-Arnaud Rodrigues-Sebastião Valentim), 1974 – Mais um cantor-comediante no pique de Mussum, o cearense Arnaud Rodrigues estreia com Murituri, um álbum entre a pilantragem e o samba-rock à maneira nordestina. A faixa de abertura, “Nega”, não deixa dúvidas da mestiçagem mais que musical: “Nega, a cor da pele me incendeia/ é cor de meia-noite e meia/ é luxo pro seu homem só”. “Nega” também aparecerá no repertório do conjunto-gozação Baiano & Os Novos Caetanos, formado pelos cearenses Arnaud e Chico Anysio em paródia-pilhéria apontada para o grupo baiano tropicalista.

96 Baiano & Os Novos Caetanos, “Vô Batê pa Tu” (Arnaud Rodrigues-Orlandivo), 1974 – Mesmo à base da paródia, “Vô Batê pa Tu” é um dos momentos altos do estilo samba-rock, e esconde um panorama pesado ao fundo. Por trás de um divertido refrão trava-línguas (“vô batê pa tu batê pa tu/ pa tu batê/ pra amanhã rapá não me dizê/ que eu não bati pa tu/ pa tu podê batê”), a letra trata de modo cifrado do episódio que encerrou a carreira musical de Wilson Simonal, acusado pela patota do tabloide O Pasquim de ser delator da ditadura militar: “É papo de altas transações/ deduração/ um cara louco que dançou com tudo/ entregação do dedo de veludo/ com quem não tenho grandes ligações”. Retrato do trânsito samba-roqueiro pelo Brasil, “Vô Batê pa Tu” foi composto por Arnaud com o catarinense Orlandivo, que reaparece uma década depois do “samba toff”. Os dois LPs originais de Baiano & Os Novos Caetanos colecionam várias preciosidades, casos do faroeste caboclo “Dendalei” (1974), da galhofa cearense/nova-iorquina “Perereca” (1975) e do novo beliscão sobre deduragem “Três Macaquinhos” (“quero aproveitar o ensejo/ pra te dizer que mal falo, mal ouço, mal vejo/ quero aproveitar esse embalo/ pra te dizer que mal ouço, mal vejo, mal falo/ sou macaco velho, seu moço/ por isso digo mal falo, mal vejo, mal ouço/ porque tô, eu tô na minha, tô, tô/ tô, eu tô na minha, falou?).

97 Baiano & Os Novos Caetanos, “Ameriqueiro” (Arnaud Rodrigues-Chico Anysio), 1975 – Na voga latino-americana que invade a MPB nesse momento histórico, Chico e Arnaud apresentam o samba-rock rural “Yo No Quiero Saber” e o manifesto pan-americanista samba-roqueiro “Ameriqueiro“, na linhagem das antigas “Brasil Pandeiro” e “Chiclete com Banana”: “Não sou americano/ com meu pouco dinheiro/ eu sou brasiliano e, se não me engano, sou ameriqueiro”. A conclusão? “Ave, música brasileira!“.

98 Trio Esperança, “Vamos Sacudir” (Antônio Garcia), 1974 – Crescido, o ex-grupo infanto-juvenil de jovem guarda Trio Esperança trilhou caminhos de grande afinidade com a lógica samba-rock, em canções como “Noves Fora (O Progresso)” (1971), “Arrasta a Sandália” (1974) e os sambalanços “Vamos Sacudir” (1974) e “Quem Tá com Samba” (1975).

99 Trio Esperança, “Replay (O Meu Time É A Alegria da Cidade”), 1974 – Outro exemplo do suingue do Trio Esperança adulto é o suingue futebolístico “Replay (O Meu Time É a Alegria da Cidade)“, afiliado à verve de “Fio Maravilha” e outros gritos de gol de Jorge Ben. Esse é o caso também de “Camisa 10” (1973), composto pelos samba-roqueiros Helio Matheus e Luis Vagner e lançado pelo sambista joia santista Luiz Américo (a gravação original está indisponível no Spotify).

“Camisa 10” por Luiz Américo, em 1973

100 Azymuth, “Melô da Cuíca” (José Roberto Bertrami-Alex Malheiros), 1975 – Trio acompanhante de Marcos Valle, Hyldon e do goiano Odair José, entre outros, o Azymuth (a princípio Azïmuth) começou cortejando o samba-soul e o samba-funk, em clássicos da música mestiça brasileira como “Freio Aerodinâmico” (1970, gravação de Marcos Valle), “Linha do Horizonte” (1975) e “Voo Sobre o Horizonte” (1977), e chegou mais perto da fusão samba-rock em pepitas líquidas como a instrumental “Melô da Cuíca” – todas podem ser compreendidas como precursoras do levante black Rio da segunda metade da década de 1970. Mais black power e samba-funk do que samba-rock, a Banda Black Rio de Oberdan Magalhães desenvolverá parâmetros iniciados por “Melô da Cuíca” no clássico instrumental “Maria Fumaça” (1977).

101 Bebeto, “Pensar pra Quê” (Bebeto-Rubens), 1975 – O samba-roqueiro mais bem-sucedido depois de Jorge Ben é o paulista Bebeto, tido por vezes como um imitador, mas criador de fluência melódica particular e autor/cantor de uma série formidável de sambas suingados, como “Mister Brown“, “Zé do Tamborim” (1973), “A Beleza É Você, Menina” (1974), “Pensar pra Quê”, “Segura Nega” (parceria com Luis Vagner), “Gabriela” (1975), “Nega Olívia” (1977), “Princesa Negra de Angola” (1977), “Minha Preta” (com Bedeu), o boleiro “Flecha Negra” (1978), “Neguinho Poeta“, “Hei Neguinha” (1980)… A paixão por Jorge Ben foi explicitada em “Deus Salve Jorge” (1977).

102 Wando, “Nega de Obaluaê” (Wando), 1975 – Antes de se tornar um dos principais cantores românticos do Brasil, nos anos 1980, o mineiro Wando tateou pelo samba-rock durante os 1970, com pelo menos um marco indelével do gênero, em registro candomblecista: “Nega/ nega/ nega de Obaluaê/ essa nega fez feitiço/ entregou meu nome ao santo/ e agora como faço?/ sem essa nega, malandro, sei que não posso viver/ essa nega tá querendo/ querendo me segurar/ perto dela sou criança/ não sei quem é meu santo forte/ nem sei quem é meu orixá”. No mesmo ano, “Velho Batuqueiro” explicita a questão racial quase sempre subjacente no samba-rock: “É preto, é branco, todo mundo é igual/ na guerra da folia/ é paz no carnaval”. Wando voltou à carga em 1976, na dupla provocação de “Jesus, Negro Bonito dos Olhos Azuis“: “Jesus, Jesus/ negro bonito dos olhos azuis/ nasceu um dia coberto de luz/ ele é o rei/ ele é Oxalá”. Em 1982, prestes a concluir a guinada para o pop romântico, gravou uma inédita canção de musa de Jorge Ben, “Janete Linn“.

103 Helio Matheus, “Mais Kriola” (Helio Matheus), 1975 – Conseguindo lançar seu primeiro (e único) LP apenas em 1975, Helio Matheus retrabalha a “Kriola” gravada por Wanderléa e pel’Os Incríveis na sem-teto “Mais Kriola”: “Mais uma vez eu me encontro parado na beira do porto/ onde vamos, morena?/ onde vamos morar?”.

104 Hyldon, “Guitarras, Violinos e Instrumentos de Samba” (Hyldon), 1975 – Garantido pelo sucesso das baladas soul “Na Rua, na Chuva, na Fazenda (Casinha de Sapê)” e “As Dores do Mundo” (1974), o baiano Hyldon advogou a causa do samba-rock em “Guitarras, Violinos e Instrumentos de Samba”: “Sapateia, menino, que eu quero ver/ aprender a viver na corda bamba/ misturar guitarra de iê-iê-iê/ violinos com instrumentos de samba”.

105 Di Melo, “Kilariô” (Di Melo), 1975 – O samba-rock pernambucano existe e seu ícone é Di Melo, com características bem próprias e preocupação ecológica, como expõe “Kilariô”: “Kilariô/ raiou o dia, eu vi chover em minha horta/ ai, ai, meu Deus do céu quanto eu sofri ao ver a natureza morta”. Outras preciosidades de Di Melo, infelizmente concentradas no único álbum Di Melo (até uma volta por cima tardia nos anos 2010), são a pacifista e anticonsumista “A Vida em Seus Métodos Diz Calma“, o samba lento de protesto “Conformópolis” e o suingue ferino “Pernalonga“.

106 Gilberto Gil e Jorge Ben, “Taj Mahal” (Jorge Ben) – Álbum duplo dividido por Gil e Jorge, Ogum Xangô é o apogeu do improviso e da espontaneidade na música popular brasileira, com obras-primas como novas versões de “Taj Mahal” (1972), “Morre o Burro, Fica o Homem” (1972) e “Quem Mandou (Pé na Estrada)” (1973), mais mantras inéditos em estado de graça como “Meu Glorioso São Cristóvão” (de Jorge) e “Jurubeba” e o afoxé monumental “Filhos de Gandhi” (de Gil). No início dos 1970, Jorge compôs um antepassado candomblecista de “Filhos de Gandhi”, “Os Mentes Claras”, que ficou inédito até 2010.

Orixás afro-brasileiros, “Os Mentes Claras” de Jorge Ben

107 João Donato, “Bananeira” (Gilberto Gil-João Donato), 1975 – Numa fase de grandes encontros musicais, Gil secunda João Donato no incomum Lugar Comum, um tratado de harmonia e coisas belas e singelas com maluquices afro-latinas suingadas, como a bucólica faixa-título, “Bruxa de Mentira“, “Que Besteira“, “Ê Menina“, “Tudo Tem“, “Naturalmente” e “Patumbalacumbê” (assinada por Gil e João ao lado do pai do “vou batê pa tu batê”, Orlandivo), além dos candomblés soul-pop “Emoriô“, “Xangô É de Baê“. Simultaneamente, a estreante Fafá de Belém também gravou “Emoriô” e “Naturalmente“, ensaio de um samba-rock paraense. E a carioca Bebel Gilberto, em 2000, converteu “Bananeira” numa new bossa suingada e com assimilações da música eletrônica.

108 Emílio Santiago, “Bananeira” (Gilberto Gil-João Donato), 1975 – Em sua estreia vinculada ao samba impuro, antes de ser constantemente pressionado a aderir ao samba tradicional, o carioca Emílio Santiago transforma a “Bananeira” de Gil e Donato em puro suingue. Entre outros momentos samba-rock do primeiro Emílio estão “É Hora“, do jovem alagoano Djavan, e duas delícias de Jorge Ben: “Brother” (1975), cover do black power de 1974, e “Amante Amado” (1978).

109 Geovana, “Quem Tem Carinho Me Leva” (Giovana), 1975 – Sambistas “de raiz” dos anos 1970 como Martinho da Vila preferiram se manter distantes das fusões musicais com ritmos gringos, mas isso não impediu que o gênio fluminense do samba apadrinhasse a carioca pioneira Geovana (então Giovana), que suingou partidos altos sestrosos compostos de punho próprio, e muito femininos, como “Quem Tem Carinho Me Leva” (“gosto de fazer amor/ quem tem carinho me leva”, “as cartas estão embaralhadas/ corta que eu quero dar”), “Pisa Nesse Chão com Força“, “Maitá“, “Amor dos Outros” (“o amor é uma loucura maravilhosa/ não chora amor dos outros, não chora”) e “Tataruê“, futuros favoritos dos bailes de samba-rock.

110 Tamba Trio, “Visgo de Jaca” (Rildo Hora-Sérgio Cabral), 1975 – Original de 1974 no repertório de Martinho da Vila, “Visgo de Jaca” ganhou tons de suingue e bossa-rock pelas mãos do carioca Tamba Trio, defensor de primeira hora da bossa nova carioca.

111 Trio Mocotó, “Não Adianta” (Aloísio-Fritz), 1977 – Primo de “Visgo de Jaca” é um dos maiores clássicos do samba-rock, o existencial “Não Adianta”, do terceiro LP do Trio Mocotó: “Não adianta chorar/ não adianta gritar/ não adianta/ tudo que se quer/ tudo que se ama/ a vida nos dá/ o problema é encontrar/ e fui caminhando e tentando encontrar/ em alguém o amor/ pra então eu sentir a beleza que há/ em viver e amar/ eu andei, andei e voltei ao mesmo lugar”.

112 Os Originais do Samba, “A Dona do Primeiro Andar” (Luiz Carlos), 1975 – Os Originais do Samba promovem o casamento de samba joia e samba-rock na maliciosa “A Dona do Primeiro Andar”: “Estou apaixonado, apaixonado estou/ pela dona do primeiro andar”.

113 DJ Hum, “Estou Apaixonado” (DJ Hum-Tio Fresh), 2016 – Quarenta anos depois, o paulistano DJ Hum (egresso da histórica dupla rap com Thaíde) usou o primeiro verso de “A Dona do Primeiro Andar” para construir um samba-rock-rap inédito, “Estou Apaixonado”.

114 Jorge Ben, “Zagueiro” (Jorge Ben), 1975 – Continuação de A Tábua de Esmeralda, o álbum Solta o Pavão flagra Jorge Ben ainda em estado de arte, seja em tema de futebol (“Zagueiro”), samba de alquimia (“Assim Falou Santo Thomaz de Aquino“, “O Rei Chegou, Viva o Rei“, “Luz Polarizada“), hinos de harmonia e humanidade (“Velhos, Flores, Criancinhas e Cachorros“, “Dumingaz“) ou crônica de morro (“Jesualda“).

115 Jorge Ben, Jorge de Capadócia” (Jorge Ben), 1975 – A oração samba-rock “Jorge de Capadócia” é clássico absoluto por si próprio e pelo que provocou, incluindo versão MPB de Caetano Veloso (ainda em 1975), subversão soul-disco-pop-dance por Fernanda Abreu (em 1992) e…

116 Racionais MC’s, “Jorge de Capadócia” (Jorge Ben), 1997 – …Rap-manifesto dos paulistanos Racionais MC’s, marcando a reconexão do grupo de hip-hop de Mano Brown com a música popular brasileira. Até então, as citações e homenagens eram implícitas, caso do épico de “Fim de Semana no Parque” (1993), que incorpora em sample as frases “deixa o menino brincar!”, de “Frases” (1967), e “vamos passear no parque, ô!”, de “Dumingaz” (1975), ambas também de Jorge. Será o rap o samba-rock do futuro?

117 Wilson Simonal, “Embrulheira” (Luis Vagner), 1975 – Confinado pela MPB no gueto mais profundo, Simonal nada nas águas mansas do samba-rock gaúcho de Luis Vagner, numa letra que parece comentar sua situação: “Essa foi demais/ eu sempre soube que havia um leva-e-traz/ só não pensei que poderia ser capaz/ de um blá-blá-blá, um coisa-e-lousa, guéri-guéri, quais-quais-quais/ essa foi demais/ estou sabendo, vão rasgar o meu cartaz”. Bebeto também gravou, em 1981, e o autor Luis Vagner, apenas em 2001. Outro possível comentário de Simonal sobre si mesmo no álbum Ninguém Proíbe o Amor é o suingue “Coisa de Louco“: “Todo cuidado é pouco/ viver é coisa de louco”.

118 Luiz Melodia, “Ébano” (Luiz Melodia), 1975 – O atípico Luiz Melodia se entregou às fusões no segundo álbum Maravilhas Contemporâneas, de maravilhas contemporâneas como “Congênito“, o sucesso “Juventude Transviada“, “Veleiro Azul“, “Paquistão“, “Questão de Posse“… A música-símbolo desse período é “Ébano”, apresentada no Festival Abertura de 1975 na Rede Globo, com acompanhamento explosivo da nascente e multirracial Banda Black Rio: “Meu nome é ébano/ venho te felicitar sua atitude/ espero de te encontrar com mais saúde/ me chamam ébano/ o novo peregrino sábio dos enganos/ seu ato dura pouco tempo se tragando/ eu grito ébano/ o couro que me cobre a carne não tem planos/ a sombra da neurose te persegue há quantos anos?/ (…) quem sou eu ficando nu?”.

119 Djavan, “Flor de Lis” (Djavan), 1976 – Diferente de tudo que existiu até então, Djavan forjou uma espécie de samba-rock alagoano a partir da trilha sonora da novela Gabriela (1975), na faixa “Alegre Menina“, com poesia de Jorge Amado e música e arranjo do emepebista ferrenho carioca Dori Caymmi. Em sua estreita em LP, em 1976, Djavan apresentará sambas tortos como “Flor de Lis” e “Fato Consumado“.

120 Cassiano, “Onda” (Cassiano-Paulo Zdanowski), 1976 – O samba-rock da Paraíba, terra de Jackson do Pandeiro, não chegou a mostrar sua cara, e o mais próximo que o soulman Cassiano chegou do estilo foi com “Ela Mandou Esperar” (1971) e com o groove hipnótico maravilhoso de “Onda”.

121 Jorge Ben, “Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)” (Jorge Ben) – Jorge Ben troca definitivamente o violão pela guitarra e sublinha o componente afro no monumental África Brasil, cujo carro-chefe é o samba-rock futebolístico-racial “Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)”. Destacam-se, entre outras faixas, “Xica da Silva“, a também futebolística “Camisa 10 da Gávea“, a provocação racial envenenada “Cavaleiro do Cavalo Imaculado” (“ministro de Zambi na Terra/ o príncipe de toda a África”), a ternura pura de “A História de Jorge“, uma nova e combustível versão de “Taj Mahal“, uma nova, incendiária e afro-roqueira versão de “Zumbi” (1974), transformada em canto de guerra racial sob o título de “África Brasil“: “Eu quero ver o que vai acontecer quando Zumbi chegar”.

122 Luis Vagner, “Guitarreiro” (Luis Vagner), 1976 – “Naquele tempo eu gostava dos Beatles/ mas tinha uns nego véio que eu gostava muito mais/ sempre que podia ia ao campinho jogar meu futebolzinho/ aquelas coisas de rapaz”, risca o ex-jovem-guardista Luis Vagner em mais uma faixa-símbolo do suingue gaúcho (e brasileiro), entre o samba, o rock e o reggae. “Sou guitarreiro brasileiro, toco samba, transo Mengo e futebol/ sou guitarreiro brasileiro, toco samba e ainda pago o aluguel/ sendo guitarreiro brasileiro, toco samba, represento meu papel”, continua “Guitarreiro”, que renderá um codinome a Luis Vagner, uma vaga na banda de Jorge Ben e uma homenagem do pai da matéria, batizada “Luiz Wagner Guitarreiro” (sic). “Luis Vagner guitarreiro/ ligue essa guitarra e anime o terreiro/ toca jongo, samba, partido, maracatu e calango/ funk, rock, baião/ toca, Luis Vagner guitarreiro, meu amigo partideiro/ mostra um som de Jimi Hendrix/ que eu acompanho no pandeiro, Luis Vagner”, louva Jorge, meio falando também de si mesmo.

Nonesnse jorgebeniano, “Luiz Wagner Guitarreiro” (1981) parte do Rio Grande do Sul e chega ao casamento na família real britânica

123 Franco, “Rock Enredo” (São Beto-Voltaire), 1976 – Depois de um interregno gravando samba tradicional, Franco voltou à carga num compacto de 1976 estrelado por “Rock-Enredo”, um manifesto de fusão de samba e rock, hesitante no texto, mas atirado no som: “Andam dizendo por aí que o samba vai acabar/ que a batucada está por fora, o samba já não dá/ que o negócio é rock, que o negócio é rock, que o negócio é rock’n’roll/ e sendo assim o que será do Nelson Cavaquinho?/ até Paulinho da Viola vai tocar guitarra/ eu tenho medo de pensar na minha escola na avenida/ dançando um rock-enredo/ eu vou ligar na eletricidade o tamborim e o agogô/ só de xaveco vou comprar um reco-reco com distorcedor”. O lado B ensaia uma marcha à ré com “Meu Idioma É Samba“, mas foi o “Rock-Enredo” que teve maior sobrevida nos bailes underground de samba-rock.

124 Caetano Veloso, “Olha o Menino” (Jorge Ben), 1977 – Inserido no álbum “odara” Bicho, o samba-rock “Olha o Menino” é versão com nome modificado do nonsense jovem samba “Frases“, de 1967: “A rosa é uma flor, a flor é uma rosa e o menino não é ninguém/ olha o menino, ui/ olha o menino, ui, ui, ui”.

125 Também a tropicalista Gal Costa volta a Jorge em 1977, gravando a inédita “Minha Estrela É do Oriente (Tindoró Dindinha)“, que em 1978 Jorge adequará ao formato de sua nova Banda do Zé Pretinho em 1978.

216 Elizabeth Viana, “Dilê” (Jorge Ben), 1977 – Outro samba-rock dos primórdios com nome novo é “Dilê”, que nasceu como “Jeitão de Preto Velho“, em 1964, no segundo LP de Jorge Ben. Elizabeth Viana e o Trio Mocotó concordaram em ressaltar o refrão “dilê, dilê, dilá” nas versões que gravaram em 1977.

127 Emílio Santiago, “Nega” (Vevé Calazans), 1977 – O tema do texto é carnaval de escola de samba, mas a levada é puro suingue: “Nega/ segura no pé dessa nega/ teu asfalto precisa do pé dessa nega/ pra sambar na avenida do seu coração”.

128 Franco, “Black Samba” (Antônio C. Gomes-Luis Vagner), 1977 – Com a ascensão do movimento black Rio (que a ditadura tentava conter desde o FIC de 1970), Franco pega sua prancha de surfe mesmo sem ser negro e lança o “Black Samba”, em pique de samba-rock e temática parecida com a de “Rock-Enredo”: “Na quadra da escola o som tá diferente/ tá pintando aí a nova transação/ o movimento é black/ é som importação/ everybody/ yeah, yeah, yeah/ alô, brother/ tamos aí/ (…) vou correr pra avenida/ não posso me demorar, não, não/ não vou ficar esperando/ o movimento passar”. Não se trata de uma apropriação, já que o parceiro Antônio C. Gomes provavelmente deve ser o original do samba mais conhecido como Mussum.

129 Orlandivo, “Tudo Joia” (Orlandivo-Durval Ferreira), 1977 – Após uma década nos bastidores, Orlandivo volta à carga plenamente adaptado ao samba-rock, no sambalanço joia “Tudo Joia” e na homenagem Ogum-Xangô “Um Abraço no Bengil“: “Amigo Jorge Ben/ tá tudo bem/ alô, Gilberto Gil/ alô, Brasil”. “Onde Anda o Meu Amor”, que já foi de Orlann Divo e de Jorge Ben, volta para os braços do dono modernizada e samba-roqueada.

130 Som Nosso de Cada Dia, “Pra Swingar” (Pedrinho-Pedrão), 1977 – Originalmente um conjunto de rock progressivo, o paulistano Som Nosso de Cada Dia, ou apenas Som Nosso, mergulha no suingue e na black music em “Pra Swingar”.

131 Os Originais do Samba, “Nego Veio Quando Morre” (domínio público-adaptação Pachequinho), 1977 – Os Originais tratam a morte com o maior escracho no impagável samba carpideiro “Nego Veio Quando Morre”: “Quando eu morrer quero ir em fralda de camisa/ defunto pobre de luxo não precisa/ 50 velhas desdentadas e carecas/ hão de ir à frente tocando rabeca/ e um velho bem barrigudo/ irá na frente tocando no canudo/ quatro velhas que forem de balão/ irão segurando nas argolas do caixão”.

132 Jorge Ben, “Amante Amado” (Jorge Ben), 1978 – Jorge Ben inicia a fase A Banda do Zé Pretinho com a emblemática faixa-título, a futebolística “Cadê o Penalty“, a barroca “Menino Jesus de Praga” e um mantra em resposta à “Amada Amante” (1971) de Roberto Carlos: “Amante Amado”, também gravado em compacto por Caetano Veloso.

133 Bebeto, “Apareça” (Francisco R. Lopes), 1978 – “Apareça” é mais um clássico do samba-rock e da obra de Bebeto: “Se com você tiver algum grilo/ apareça/ a minha casa fica logo ali, fica logo ali/ apareça”.

134 Pau Brasil, “Grama Verde” (Bedeu-Alexandre-Leleco Telles), 1978 – Bedeu, Leleco Telles, Alexandre Rodrigues e Leco Pereira formam o grupo gaúcho de samba miscigenado Pau Brasil, que debuta em 1978 com mais uma peça de orgulho do gênero, a rodopiante “Grama Verde”: “Grama, grama verde/ neste verão/ chuva miúda/ não molha o coração/ o vento voa, leva minha esperança pro ar/ malandro é tu que com o vento sul sobe com ela/ meus anseios da verdade, da maldade e solidão/ andar na chuva, ter os sonhos bons, resto é com ela”.

135 Pau Brasil, “Massagem” (Bedeu-Alexandre), 1978 – “Você não joga nada e quer massagem/ você só pega a bola e faz bobagem/ e só quer jogar/ com a camisa 10”, canta o Pau Brasil no tema futebolístico “Massagem”, que ganhará versão gostosa de Bebeto em 1981. Bulindo de revés com o nativismo sanfoneiro gaúcho, o Pau Brasil se aventura no forrock em “Rapaziada do Baião” e “Vem Cair no Forró“. Essa última é a própria Fusão das Raças de que falará Luis Vagner em seu próximo LP (indisponível no Spotify): “Vem cair no forrock/ requebrar um coco, ó, baiana/ vem dançar carimbó/ vem me ensinar, baiana/ o zabumba chamou a moçada pra mode de brincar/ a sanfona se abriu num xaxado gostoso de dançar”.

Luis Vagner e Paulinho Camargo celebram a fusão das (muito mais que três) raças em “Guria” (1978), incluída originalmente na trilha da novela Dancin’ Days.

136 Franco, “O Rock do Rato” (Helio Matheus), 1978 – Leve, aliterativo, dançante e giratório, “O Rock do Rato” é um samba-rock lapidar, assinado por Helio Matheus: “O rato roeu/ a roupa do rei de Roma/ o rato roeu/ e o rock comeu/ rock’n’roll/ misturou o boogie woogie no meio do samba e veio o rock’n’roll”. No início do LP Franco, o samba-rock caribenho “Bloco Maravilha” condensa a misturança: “Soy ligado no balanço latino/ soy, mas quem não é?”.

137 Franco, “Fazer Molho É na Cozinha” (Luis Vagner), 1978 – A farofafá musical do samba-rock se funde à arte culinária, e Luis Vagner bota para quebrar: “Eu não tô por dentro desses papos/ mas falar mal dos outros não vou/ me admiro tu que é pai de filhos/ nessas ondas dos grilos não tô/ vou continuar a dois no meu feijão com arroz/ mas fazer molho é na cozinha, eu sei”. Em 1979, Luis Vagner deu a versão de autor (indisponível no Spotify).

“Fazer Molho É na Cozinha”, segundo o dono da voz

138 Marcia Maria, “Gandaia” (Wando-Luis Vagner), 1978 – A carioca Marcia Maria, mais uma das muitas não-sambistas negras que lutaram por um lugar na história da MPB, lança “Gandaia”, parceria samba-rock entre Luis Vagner e Wando: “Como vai o teu viver, ó, preta?/ vê se me pega, me puxa, me tira da gandaia”.

139 Marcia Maria, “Amigo Branco” (Leci Brandão), 1978 – Marcia dá prumada suingueira ao samba (antirracista) “de raiz” composto pela conterrânea Leci Brandão: “Meu amigo branco, muito mais que branco, meu recado vou lhe dar/ não existe nada neste mundo, meu amigo, que nos possa separar/ preconceito existe, eu não sei”.

140 Banda Black Rio, “Rio de Fevereiro” (Oberdan Magalhães-Helio Matheus), 1978 – Samba, funk, rock, futebol e praia, eis a receita da Banda Black Rio nessa parceria de Oberdan com Helio Matheus. O segundo álbum da big band se chama Gafieira Universal, que poderia ter virado um de inúmeros codinomes do samba-rock.

141 Tim Maia, “Jhony” (Tim Maia), 1978 – O futebol aproxima o soulman, funkman e discoman Tim Maia do samba-rock. Em “Jhony”, ele deixa de lado os fiomaravilhas e umbabaraumas estelares de Jorge Ben e olha para outro personagem do esporte, o do aprendiz que sonha alcançar um lugar no pódio: “Jhony é menino/ embora cresça sem saber/ que seu destino é jogar bola/ e fazer gol”.

142 Nonato e Seu Conjunto, “Bate Zabumba” (Cleto Jr.-Oberdan), 1978 – É o samba-rock maranhense, meu irmão: em No Balanço Jovem, Nonato e Seu Conjunto abraçam a temática do som universal, com viés nordestino. “Essa nega tá querendo é rock/ (…) aqui tem samba/ e tem baião”, diz “Bate Zabumba”.

143 Baby Consuelo, “Ziriguidum” (Jadir de Castro), 1979 – A ex-nova baiana (porém niteroiense) Baby Consuelo, futura Baby do Brasil, cai no samba-rock em “Ziriguidum” pelo lado fluminense (do compositor Jadir de Castro) e paraibano (de Jackson do Pandeiro, que lançou o “Samba do Ziriguidum” em 1962) – e futebolista: “Na perna tranque, amarre, puxe e largue/ como no futebol/ a onda vai, vai, vai/ e balança, mas não cai/ e o samba continua na base do ziriguidum/ abre a roda, moçada, vai entrar mais um”.

144 Cyro Aguiar, “Esse Rock Não É Pop, É Samba Brasileiro” (Cyro Aguiar), 1979 – Não se popularizou, mas é o mais completo manifesto intelectual (e político) do samba-rock, mais atual em 2024 que em 1979: “Eu vou fazer um samba diferente/ que muita gente vai dizer que é rock/ mas eu preciso lhe dizer com isso/ que nosso samba não tem compromisso/ porque o rock cabe dentro ele/ e o americano ainda não sabe disso/ sou brasileiro, sou mestiço, violeiro, canto samba o ano inteiro/ e esse rock-discoteca não é pop, é samba brasileiro/ tem discoteca pra tudo que é lado/ não mudou nada, tudo é enlatado/ a garotada vai se alienando/ os tubarões da grana vão levando/ fique sabendo já que você viu/ que com certeza tamo no Brasil/ tem tando dólar nesse tal de rock/ que tá ficando meio esquisito/ mas a verdade sempre aparece/ quando chega ninguém mais esquece/ sou brasileiro e como tanta gente/ eu vou matando até cachorro a grito/ dizem que tanta coisa americana/ é só ajuda de um país-irmão/ mas acontece que o negócio agora/ está tomando outra direção/ ficar devendo e pagar com juros/ enquanto o dólar aumenta a cotação/ a enxurrada que vem lá de fora/ tem muito a ver com a situação/ já consumimos tudo que era deles/ compramos tudo com satisfação/ não seja bobo, pegue tudo isso/ joga aqui dentro do meu sambão”. Diferentemente de artistas dos anos 1970 como Martinho da Vila, Cyro Aguiar defende a pureza do samba sem deixar de assimilar e assumir as referências gringas.

145 Gilberto Gil, “Sarará Miolo” (Gilberto Gil), 1979 – Gilberto Gil valoriza a mestiçagem musical (e genética) no forrock/reggae/afoxé baiano “Sarará Miolo”: “Sara, cura dessa doença de branco/ de querer cabelo liso/ já tendo cabelo louro/ cabelo duro é preciso/ que é pra ser você, crioulo”.

146 Jorge Ben e Caetano Veloso, “Ive Brussel” (Jorge Ben), 1979 – A Banda do Zé Pretinho ataca novamente em Salve Simpatia, sacudindo a faixa-título, o samba-rock rural “Boiadeiro” e mais um tema clássico de musa, “Ive Brussel”, em duo fogoso com Caetano.

147 Marku Ribas e Erasmo Carlos, “Beira d’Água (A Festa)” (Erasmo Carlos-Marku Ribas), 1979 – O carioca Erasmo Carlos se associa ao samba-rock à mineira de Marku Ribas em “Beira d’Água (A Festa)”, uma prorrogação adulta da jovem-guardista “Festa de Arromba” e do rock juvenil “Arrombou a Festa” (1976/1979), de Rita Lee e Paulo Coelho.

148 Erasmo Carlos e Jorge Ben, “O Comilão” (Roberto Carlos-Erasmo Carlos), 1980 – O projeto Erasmo Carlos Convida… coloca o anfitrião frente a frente com grandes figuras da MPB: Caetano, Gil, Gal e Bethânia a Nara Leão, Tim Maia, Rita Lee e Jorge Ben. Esse grava pela primeira (e única) vez um samba-rock de Roberto e Erasmo, o bem-humorado “O Comilão”, lançado em 1973 por Erasmo, apenas em compacto.

149 Jorge Ben, “Olha a Pipa” (Jorge Ben) – Em transição para um novo som desde a fundação da Banda do Zé Pretinho, Jorge adere aos sintetizadores pós-black Rio do carioca Robson Jorge e do fluminense de Nilópolis Lincoln Olivetti e confere um clima lúdico a “Olha a Pipa”: “Naquele campo verde que ainda existe/ longe dos fios elétricos/ eu vou soltar a minha pipa, eu vou/ olha a pipa/ voando no céu/ é de bambu, é de papel, ela é de linha de carretel/ pipa, papagaio, barilete, pandorga”.

150 Joyce, “Banana” (Joyce), 1980 – O groove é uma das marcas de Feminina, álbum de consagração da carioca Joyce (hoje Joyce Moreno), que deu voltas ao mundo, sobretudo a partir da descoberta por DJs ingleses e japoneses, já na virada para o século 21. Os destaques são “Banana” (filhote dileta da “Bananeira” de João Donato), “Aldeia de Ogum” e “Feminina“. Em 2009, com o CD Visions of Dawn, veio à tona que versões originais suingadas de “Banana” e “Nacional Kid” (1983), gravados em 1976, foram arquivados pela gravadora e ficaram inéditos por 33 anos. Irônica, “Nacional Kid” belisca totens e tabus (masculinos): “Ele é um rapaz brasileiro/ brasileiro/ macho, brigador e cabreiro, rapaz brasileiro/ vejam sua história completa, Rio de Janeiro/ sua identidade secreta é brasileiro/ (…) mulher minha não mexe com essas coisas, não/ tem que aprender a obedecer o seu patrão/ que é um rapaz brasileiro”.

151 Mussum, “Nega Besta” (Arnaud Rodrigues), 1980 – No segundo de três álbuns solo, Mussum conta com a verve humorística do compositor Arnaud Rodrigues em “Nega Besta”, uma crítica matreira à dominação cultural do Brasil por Estados Unidos e Europa: “Ela deita/ antes de dormir tem que tomar um tea/ quando é de manhã tá tudo feito/ vou na cama com um biscoito/ e ela faz um breakfast/ ainda me pede que arranje cueca-cuela/ ice cream, mortanduela e um tal de coffee com milk (vê se dá pé)/ já tô na bronca/ ela diz que é artista/ é toda americanista/ qualquer coisa é ié-ié-ié (veja você)/ nega corrupta/ nega subversiva/ mas seu amor me martiriza/ e eu vou ter que aprender ‘ingrês'”. Nessa fase, Mussum emplaca sambas impagáveis como “A Vizinha (Pega Ela Peru)” (1980) e “Because Forever” (1986). “No carnaval/ do jeito que a coisa vai, meu bem,/ vai sair todo mundo nu/ sambando e remexendo… o côrpis”, canta em “Because Forever”, de novo mexendo com os estrangeirismos que continuam crescendo a cada minuto.

152 Pau Brasil, “Kid Brilhantina” (Bedeu-Alexandre), 1980 – “Kid Brilhantina” vai dançar na gafieira, e o som que toca por certo é samba-rock: “Quero ver o Brilhantina balançar na gafieira/ seu Zé Pereira/ quero ver nossa moçada segurar nossa bandeira/ na quarta-feira/ quero ver todo mundo sambar neste carnaval/ everybody now/ minha escola vai sair e levar/ tema original/ everybody now/ neste carnaval”.

153 Tim Maia, “Meu Samba” (Tim Maia), 1980 – O samba-funk-rock atípico de Tim Maia se manifesta em “Meu Samba”, “resolvi voltar/ resolvi verificar/ se todo mundo/ se o mundo inteiro gosta de sambar”. Também de 1980 é o mestiço “Nissei Linda, Linda Nissei“, um dos primeiros flertes do (sério) namoro entre samba-roqueiros, japoneses, nisseis, sanseis etc., que Bebeto levará às últimas consequências em “Arigatô Flamengo” (1982).

O samba-rock é nipo-brasileiro em “Arigatô Flamengo” (1982)

154 Bebeto, “Minha Cama É uma Esteira” (Bebeto-Aloísio-Rubens), 1981 – De mudança de gravadora, Bebeto deixa como rastro uma safra admirável de sambalanços, todos em 1981: “Menina Carolina“, “Manda Vê Menino“, o futebolístico “Adubando Dá” e o samba-rock rural/sertanejo/ecológico “Minha Cama É uma Esteira”: “Moro numa casa de sapê/ mas comparando com doutor até que vivo bem/ a minha cama é uma tarimba de madeira/ o colchão é uma esteira/ mas eu sou feliz/ no fundo do quintal passa um rio/ e toda tarde nele vou pescar com meu amor/ e lá na mata a passarada anuncia/ cantando com alegria o lindo por do sol/ os edifícios do sertão são arvoredos/ as avenidas do sertão são lindos rios/ a luz que brilha no sertão é a lua cheia/ de lá não saio, no sertão eu sou feliz”.

155 Bebeto, “Praia e Sol” (Bebeto-Adilson Silva), 1981 – Já em gravadora nova, o paulista Bebeto compõe uma ode hedonista ao Rio de Janeiro em “Praia e Sol”: “Praia e sol/ Maracanã, futebol/ domingo/ praia e sol/ Maracanã, futebol/ que lindo/ domingo eu vou ver meu time jogar/ tomara que ele saiba ganhar/ e se souber vai ser muito bonito/ ver de alegria o povo sorrindo/ que maravilha essa vida maneira/ tem gente aí que ainda não viu/ como é gostoso esse sol quando brilha/ enaltecendo esse imenso Brasil/ o Rio sempre está lindo/ com meu amor eu vou indo/ a brisa fresca batendo/ num lindo corpo moreno/ brincar ao sol no mar/ depois sambar, sambar”. Em fase inspirada, Bebeto enfileira mais giras samba-rock: “Lua Nova (Pra Balançar)“, “Monalisa“, “Batalha Maravilhosa“, “Tema da Massa“. Depois, segue pelos anos 1980 com poucos, mas bons temas significativos: “Salve Ela“, “Essa Nega“, “Sarará” (1983), “Chic Show” (1984), “Fla-Men-Gol” (1985), “Brane (Branca Negra)” (1987), “Jéssica” (1991).

156 Baby Consuelo, “Todo Dia Era Dia de Índio” (Jorge Ben), 1981 – Um samba-rock indígena e ecológico se tornou um dos marcos máximos da carreira solo da futura Baby do Brasil: “Amantes da natureza/ eles são incapazes com certeza/ de maltratar uma fêmea ou de poluir o rio e o mar/ preservando o equilíbrio ecológico da terra, fauna e flora”.

157 Jorge Ben, “Curumim Chama Cunhatã Que Eu Vou Contar (Todo Dia Era Dia de Índio)” (Jorge Ben), 1981 – Além da espetacular versão autoral de “Todo Dia Era Dia de Índio”, em que lista diversas etnias indígenas arraigadas no Brasil, o álbum Bem-Vinda Amizade inclui enormidades como “Santa Clara Clareou“, o “calango marítimo” “Era uma Vez um Aposentado Marinheiro“, o samba-rock pantaneiro “Ela Mora em Mato Grosso Fronteira com o Paraguai” e mais um samba-rock rural, “Oé Oé (Faz o Carro de Boi na Estrada)“.

158 Jorge Ben, “O Dia em Que o Sol Declarou Seu Amor pela Terra” (Jorge Ben), 1981 – Faixa de abertura de Bem-Vinda Amizade, a ensolarada “O Dia em Que o Sol Declarou Seu Amor pela Terra” inaugura uma nova tradição jorgebeniana: o samba-rock-enredo. Ele criará vários nos álbuns dos anos 1980.

159 Os Originais do Samba, “Eu Me Rendo” (Sérgio Sá), 1981 – Pós-Mussum, Os Originais do Samba samba-roqueiam Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Bebeto e até Fábio Jr. Do repertório desse último, gravam uma versão sambista e suingada do hit pop-soul de novela “Eu Me Rendo”.

160 Os Originais do Samba, “Mulher, Mulher”(Jorge Ben), 1981 – Além de tudo isso, o LP de 1981 traz ainda uma inédita bem sambeada de Jorge Ben, “Mulher, Mulher”.

161 Robson Jorge & Lincoln Olivetti, “Rio Babilônia” (Robson Jorge-Lincoln Olivetti-Guto Graça Mello-Naila), 1983 – A dupla formada pelos produtores e tecladistas Robson Jorge e Lincoln Olivetti virou do avesso os paradigmas, tanto na produção quanto na confecção de música negra dançante. Um novo tipo de som começou a tomar o lugar do samba-rock, ainda roqueiro, agora trazendo na bagagem as sonoridades que imperaram na onda funk do movimento black Rio, mas sobre camas maciças de teclados elétricos e sintetizadores – morria, de uma vez por todas, a era das orquestras. Ao lado de “Estrelar” (1983) e “Bicicleta” (1984), sucessos lançados pelo soulman loiro Marcos Valle, o samba-funk praieiro e sensual “Rio Babilônia” é um marco divisório da era pós-samba-rock.

162 Jorge Ben, “Rio Babilônia” (Jorge Ben), 1983 – Adaptando-se à lógica de sintetizadores trazida por Robson & Lincoln, Jorge vai de puro hedonismo em “Rio Babilônia”: “Rio bonito, alegre, festivo amigo/ Rio de sol, de chuva de verão/ de praias bonitas e meninas também bonitas/ samba, futebol, amor e carnaval/ Rio da alegria geral”.

163 Jorge Ben e Tim Maia, “Eu Quero Ver a Rainha” (Jorge Ben), 1983 – O petardo do álbum Dádiva é o trovejante samba-funk “Eu Quero Ver a Rainha”, em dueto eletrizante com Tim Maia. O suingue transborda também em “Conquerô“.

164 Tim Maia, “Hadock Lobo Esquina com Matoso” (Tim Maia), 1982 – Tim volta ao ponto de fusão e combustão entre a jovem guarda e a MPB negra e celebra o bairro carioca da Tijuca, onde ele se encontrava com os muito jovens e inicialmente roqueiros Roberto Carlos, Jorge Ben, Erasmo Carlos e Wilson Simonal: “Hadock Lovo esquina com Matoso/ foi lá que toda a confusão começou”.

165 Gretchen e Luis Vagner, “Ela Tem Raça, Charme, Talento e Gostosura”, 1983 – A dançarina e cantora sexy carioca Gretchen estava toda prosa em 1983, quando ganhou de Jorge Ben um samba-rock sestroso interpretado em dupla com Luis Vagner, com o título simbolista de “Ela Tem Raça, Charme, Talento e Gostosura”. E não foi só: de Tim Maia, recebeu “Aerobic (Ginástica)” (faixa suprimida do álbum Gretchen no Spotify).

“Guerreiro” (1983), homenagem a Jorge – qual Jorge? – por Bebeu, Leleco Telles e Bebeto

166 Bedeu, “Saudades de Jackson do Pandeiro” (Bedeu-Luis Vagner), 1998 – Indisponível no Spotify, África no Fundo do Quintal (1983) é o primeiro álbum solo do gaúcho Bedeu, com nova versão de “Grama Verde“, africanidade de guerra (“Guerreiro“, “África Quintal”, “Zimbabwe“, “Malangê“, “O Samba e Suas Origens“) e o tratado de mestiçagem (inclusive musical) “Índia Negra”. Somente dez anos depois, em 1993, ele lançaria um hino tardio do samba-rock (versão original indisponível no Spotify), aquele que voltava aos primórdios em busca de memória e reparação, “Saudades de Jackson do Pandeiro”. “Tô com saudade de Jackson do Pandeiro/ tô com saudade que é coisa de brasileiro”, canta, antes de homenagear a estirpe de sambistas de que se vê tributário: “Gordurinha, Chocolate, Gasolina, Caco Velho, Bola 7, guitarreiro suingueiro”. Também devido às citações a sanfoneiros gaúchos, o samba-rock de Bedeu voltará aos braços do Rio Grande do Sul em 2005, na versão do grupo pós-nativista Tchê Garotos.

“Índia Negra” (1983), de Bedeu e Antônio Carlos, um tratado de mestiçagem

167 Jorge Ben, “Senhora Dona da Casa” (Jorge Ben), 1984 – Em Sonsual, a criatividade e o groove prevalecem em “Senhora Dona da Casa”, “A Rainha Foi Embora” e “Pelos Verdes Mares“.

168 Grupo Cravo e Canela, “Nega de Canecalon” (Nenê da Timba-Júnior), 1985 – O samba-rock resiste pelos anos 1980 em sons como os do paulistano Grupo Cravo e Canela, especialmente na futebolística e irreverente “Nega de Canecalon”.

“Fiquei a noite inteira curtindo ao seu lado/ no momento rolava um funk pesado/ baile cheio, inflamado/ e lá dentro um calor de 40/ aí me aconcheguei com ela/ quando tocou uma lenta”, Boca Nervosa exprime o espírito dos bailes da Chic Show

169 Boca Nervosa, “Nego Véio” (domínio público), 1985 – Outra figura da transição do velho samba-rock para o pagode eletrificado dos anos 1990 é o paulista Boca Nervosa, em sambas sacudidos como “Tem Que Me Ter” (1986), “Tesão de Verão“, “Nega Masoquista”, “Baile da Chic Show” (do LP Do Samba-Rock ao Swing na Chic Show, de 1988, indisponível no Spotify), “Nega Sereia” (1991) e “Ninguém Tasca” (1999).

170 Branca di Neve, “Nego Dito” (Itamar Assumpção), 1987 – Ex-integrante d’Os Originais do Samba, o paulistano Branca di Neve percebeu o potencial samba-roqueiro do intrincado vanguardista paulista Itamar Assumpção e regravou seu “Nego Dito” (1980), transformando-o num rodopiante samba-rock. Com voz blue aparentada da de Luiz Melodia, Branca só gravou dois discos antes de morrer precocemente, em 1989. Deixou ali joias como “Boca Louca“, “Kid Brilhantina” (1987, original do Pau Brasil), “Fico Louco” (mais uma do primeiro LP independente de Itamar, 1980) e “Ciumera” (1989).

171 Branca di Neve, “Pensamento Verde” (Jota Velloso-Andó), 1987 – “Pensamento Verde” se tornou popularíssima em 1994, na versão pagodeira do grupo Molejo, mas foi gravada primeiro por Branca di Neve. “Sabe quem perguntou por você?/ ninguém”, diz o pândego e sarcástico refrão.

172 Dhema, “Minha Preta” (Bebeto-Bedeu-Alexandre), 1988 – Parceiro constante de Bebeto, o paulistano Dhema iniciou carreira discográfica solo em 1988, gravando canções inéditas (como “Swing, Samba & Roll“, de título auto-explicativo) e uma nova versão para “Minha Preta”, lançada por Bebeto em 1978.

173 Branca di Neve, “Quer Moleza” (Jorge Ben), 1989 – Branca di Neve também recebeu uma canção inédita de Jorge Ben, “Quer Moleza”, que interpretou languidamente: “Quer moleza?/ rema, rema, remador”.

174 Jorge Ben Jor, “Cowboy Jorge” (Jorge Ben Jor), 1989 – Já homem-escola de um estilo e de um tronco da música brasileira, Jorge Ben troca de nome para Jorge Ben Jor e se auto-homenageia em “Cowboy Jorge”, louvando ao mesmo São Jorge e o orixá Ogum: “Dia 23 continua sendo dia de cowboy Jorge/ na terra, no mar/ na terra, no ar/ Jorge toca com 23 tambores/ Jorge toca pra 23 amores/ Jorge toca com 23 batuqueiros/ Jorge toca para 23 terreiros”. A persona Ben Jor será fixada a partir da voga de sucesso nacional de “W/Brasil (Chama o Síndico)” (lançada em CD em 1991), precipitadora de uma primeira rodada de revisão e revalorização do samba-rock.

175 Skowa e A Máfia, “África Brasil” (Jorge Ben), 1989 – Novas e novas gerações seguem surgindo fascinadas pelo imaginário jorgebeniano. Os paulistanos Skowa e A Máfia encerram seu primeiro LP roqueando “África Brasil”. Anos à frente, Skowa se tornará integrante do Trio Mocotó, em substituição a Fritz Escovão. Outra tributária é a banda fluminense Cidade Negra, que em 1992 transformará “Zumbi” num reggae.

O pós-samba-rock

176 Sampa Crew, “Eterno Amor” (André Martins-J.C. Sampa), 1990 – Sob o ascendente duplo de Ben Jor e dos bailes da equipe Chic Show, o grupo paulistano Sampa Crew nasce tateando entre dois gêneros em ebulição no início dos anos 1990, o rap e o pagode. A melô “Eterno Amor” é o primeiro resultado, mas outros crossovers acontecerão, como “Eu Não Sei Dançar o Rock” (1990), as covers de Jorge Ben “Curumim Chama Cunhatã Que Eu Vou Contar” (1995) e “Mulher Brasileira” (1996, com participação do próprio) e uma série de regravações melô-rap de clássicos do soul nacional.

177 Doctor MC’s, “Tik Tak” (Dog Jay-Icily-Smokey D), 1997 – O rap paulista, em seus primórdios e antes de se tornar a música de protesto da virada de século, visitou o melody e ensaiou uma continuidade do samba-rock, nas figuras de Pepeu (“Nomes de Meninas“, 1989), Ndee Naldinho (o groove “Samba-Rock“, 1991, “Melô da Lagartixa“, 1992, essa também com menção literal ao termo “samba-rock”) e Doctor MC’s. Esses últimos inseriram no imaginário o refrão “tic-tac e o tempo vai passando e a gente aqui sentado no banquinho conversando”, em “Tik-Tak”, sobre base de “Linha do Horizonte” (1975), do Azymuth.

178 Eliana de Lima, “Badabauê” (Marquinhos Lessa-Toninho), 1991 – As fusões começam a convergir para o pagode dos anos 1990, e a paulistana Eliana de Lima sambalança a rodopiante “Badabauê”, enquanto faz o maior sucesso com a romântica e lenta “Desejo de Amar“, célebre pelos “dererê” do refrão.

179 Grupo Raça, “O Teu Chamego” (Beto Corrêa-Pagon-Lúcio Curvelo), 1992 – Várias das bandas de pagode dos anos 1990 herdarão de Jorge Ben e do samba-rock a liberdade para usar instrumentos elétricos e uma vocação natural ao suingue. Bons exemplos podem ser ouvidos nos repertórios de grupos como os cariocas Grupo Raça (“O Teu Chamego”, 1992, “Tô Legal“, 1993), Os Morenos (“Marrom Bombom“, 1995) e Só Preto sem Preconceito (“Rap da Diferença“, 1995), os paulistas Sensação (“Oyá – Canto de Oração“, 1992), Sem Compromisso (“Mariana, Parte Minha“, 1992), Negritude Junior (“Cohab City“, 1995, “Tanajura“, 1996), Katinguelê (“Recado à Minha Amada“, 1996, “Inaraí“, 1998), Exaltasamba (“Telegrama“, 1996, “Me Apaixonei pela Pessoa Errada“, 1998), Os Travessos (“Maravilha Te Amar“, 1996, “Tô Te Filmando – Sorria“, 2000)…

180 Cravo e Canella, “Lá Vem o Negão” (Zelão), 1993 – Modificado, o antigo Grupo Cravo e Canela crava um dos grandes hits da primeira fase do pagode, o suingado “Lá Vem o Negão”: “Lá vem o negão/ cheio de paixão/ te catá, te catá, te catá/ querendo pegar todas minhinhas/ nem coroa ele perdoa, não/ fungou no cangote/ da linda morena/ te catá, te catá, te catá/ loirinha cafungada do negão/ é um problema”.

181 Raça Negra, “Cheia de Manias” (Luiz Carlos), 1993 – Entre as várias sonoridades do pagode dos 1990, a do grupo paulistano Raça Negra deve ser a que mais presta tributo ao samba-rock, como comprova uma longa fila de hits rodopiantes: “Cheia de Manias”, “Cigana” (1992), “Ciúme de Você” (1993, cover da fase iê-iê-iê de Roberto Carlos, de 1968), “Vida Cigana” (2000, releitura de gravação da sul-matogrossense Tetê Espíndola) etc.

182 Molejo, “Caçamba” (Efson-Odibar), 1993 – O samba-rock é ingrediente primordial também do pagode do grupo carioca Molejo, como demonstra “Caçamba“, com groove giratório, homenagem aos Originais do Samba (na citação à corda e à caçamba de “Esperanças Perdidas“, 1972), orgulho negro (“quem é black não vai resistir”) e um refrão sedutor: “Está tudo aí/ que papo legal/ estão dizendo lá no gueto que você tem um suingue legal”. A lista de sambas-rocks do Molejo é extensa: “Pensamento Verde” (1993), “Paparico” (1995), “Cilada” (1996), “Dança da Vassoura” (1997), “Samba-Rock do Molejão” (1998), “Polivalência” (2000)…

183 Só pra Contrariar, “Mineirinho” (Alexandre Pires-Lourenço), 1997 – “Mineirinho” mostra que o pagode mineiro dos anos 1990 é também o samba-rock mineiro dos 1990. Alexandre Pires e companhia fizeram sucesso nas fronteiras do suingue em “A Barata” (1993), “Essa Tal Liberdade” (1994), “Sai da Minha Aba (Bicão)” (1999)…

184 Art Popular, “Agamamou” (Leandro Lehart), 1999 – De São Paulo, o Art Popular, do hitmaker do pagode Leandro Lehart, parte do samba tradicional (“O Canto da Razão“, o clássico de Leci Brandão “Zé do Caroço“, em 1993) e se espraia por pagode-pop romântico (“Ôa Ôa – Canção do Amor“, 1993, “Temporal“, 1995), neo-samba-rock (“Bombocado“, 1995, “Agamamou”, 1999), samba-rock latino (“Vestida de Doida“, 1995, “Requebrabum“, 1997), samba-rock sertanejo (“Pimpolho“, 1995, “Fricote“, 1997), axé-samba-rock (“Amarelinha“, 1997). Em 2000, o Art Popular regravou “Agamamou” no Acústico MTV, com participação de Ben Jor em pessoa. Sem Lehart à frente, o grupo continuou suingando, por exemplo em “Deixe Eu Ir à Luta” (2001) e “É no Pagode” (2002).

185 Itamar Assumpção e As Orquídeas do Brasil, “Balaio” (Alceu-File-Kim do Cavaco), 1993 – Sempre suingado, mas nunca atraído por fórmulas da indústria fonográfica, Itamar Assumpção visitou o samba-rock com um vislumbre do pagode dos 1990 em “Balaio”.

186 Guanabaras, “Correndo ao Encontro Dela” (Marco Mattoli), 1993 – Guanabaras foi a primeira banda do paulistano Marco Mattoli, que a partir de 1999 liderou o Clube do Balanço, uma usina de releituras modernas para clássicos de Swing & Samba-Rock (título do primeiro CD, de 2001) de Jorge Ben, Luis Vagner, Bebeto, Bedeu, Helio Matheus, Erasmo Carlos, Orlandivo, Arnaud Rodrigues, Marku Ribas, Luiz Melodia, Robson Jorge…

187 Clube do Balanço, “Trilha Guitarreira” (Luis Vagner-Marco Mattoli), 2001 – O Clube do Balanço também apresentou farto material autoral, intensificado a partir do terceiro álbum, mas presente desde o início, como é o caso de “Trilha Guitarreira”, parceria de Mattoli com mestre Luis Vagner, também presente nos vocais.

188 Skank, “Cadê o Penalty? (Jorge Ben), 1993 – A banda mineira Skank transformou “Cadê o Penalty?” (1978) em pop-rock dançante e celebrou a história do groove brasileiro regravando “É Proibido Fumar” (1964), de Roberto e Erasmo. Em retribuição, Ben Jor chamou o Skank para um dueto em nova versão de “Cuidado com o Bulldog” (1997). Ben Jor apadrinhou e fez duetos com artistas dos anos 1990 como o trio soul-pop carioca Sublimes (“Menina Mulher da Pele Preta“, 1993), os cariocas Funk’n Lata (“Domênica Domingava num Domingo Linda…”, 1997) e Fernanda Abreu (“Por Causa de Você, Menina/ Mas Que Nada”, 1997), o baiano Carlinhos Brown (“Charles, Anjo 45”, 1997), a pernambucana Nação Zumbi (“Charles Jr.”, 1997)…

189 Marisa Monte, “Balança Pema” (Jorge Ben), 1994 – Marisa Monte revigora e emepebiza “Balança Pema” (1963), do LP inaugural de Jorge Ben, com Gilberto Gil ao violão.

190 Latino, “Me Leva” (Latino), 1994 – No Rio, as fusões samba-roqueiras levaram ao funk carioca e à vertente mais melody do funk carioca, em que brilham Latino (em “Me Leva”, com levada dance na onda dos ingleses Pet Shop Boys) e…

191 Claudinho & Buchecha, “Só Love” (MC Buchecha), 1998 – …e os fluminenses de São Gonçalo Claudinho & Buchecha, astros do funk melody com “Conquista“, “Nosso Sonho“, “Rap da Felicidade” (1996), “Quero Te Encontrar” (1997), “Só Love” (1998), “Coisa de Cinema” (1999) e “Fico Assim sem Você” (2002). Será o funk carioca o samba-rock do século 21?

192 Virgulóides, “Bagulho no Bumba” (domínio público-adaptação Henrique Lima-Beto DeMoreaux), 1997 – O grupo paulista Virgulóides fez sucesso com uma fusão bem peculiar de rock e samba, no debochado “Bagulho no Bumba”.

193 Planet Hemp, “Nega do Cabelo Duro” (David Nasser-Rubens Soares), 1997 – O grupo carioca de rock-rap Planet Hemp ensaia um samba-rock em “Nega do Cabelo Duro” (marchinha carnavalesca de esgares racistas lançada pelos Anjos do Inferno em 1942), mas só em carreira solo Marcelo D2 poderá desenvolver plenamente essa vertente.

194 Farofa Carioca, “Moro no Brasil” (Seu Jorge-Gabriel Moura-Jovi Joviniano-Wallace Jeferson), 1998 – Na curva entre o suingue, a black Rio, o reggae e o rap, o grupo Farofa Carioca colecionou façanhas como revelar o fluminense de Belford Roxo Seu Jorge, lançar hits como “São Gonça” e dar luz ao lancinante protesto antirracista “A Carne“, parceria com Marcelo Yuka d’O Rappa, imortalizada por Elza Soares em versão pungente de 2002: “A carne mais barata do mercado é a carne negra”.

195 Jair Rodrigues, Criminal D, Potencial 3 e Camorra, “Deixa Isso pra Lá” (Alberto Paz-Edson Menezes), 1999 – O veterano Jair Rodrigues grava uma estupenda nova versão de “Deixa Isso pra Lá”, incorporando a ela a cultura hip-hop e as vozes tributárias dos rappers paulistanos Criminal D, Potencial 3 e Camorra.

196 Milton Nascimento, “Mas Que Nada” (Jorge Ben), 1999 – Num álbum que evoca seus tempos de crooner e suas primeiras influências, o mineiro nascido carioca Milton Nascimento inclui “Mas Que Nada”, explicitando assim uma ponte não óbvia do sempre sisudo Clube da Esquina com o som extrovertido de Jorge Ben. Não deixa de fazer sentido, se pensarmos na gravação de “Para Lennon e McCartney” (1970, de Lô Borges, Fernando Brant e Márcio Borges) com o grupo mineiro-carioca Som Imaginário como um excêntrico samba-rock mineiro.

“Para Lennon e McCartney” por Milton Nascimento

197 Trio Mocotó, “Nereu Nereu” (João Parahyba-Luiz Carlos Fritz-Nereu Gargalo), 2001 – O Trio Mocotó faz volta triunfal num álbum denominado Samba Rock, com novas leituras para obras de Helio Matheus (“Kriola“, 1973), Vinicius & Toquinho (“A Tonga da Mironga do Kabuletê“, 1971) e Tom Jobim (“Águas de Março“, 1972), uma inédita de Rita Lee (“Cyrano“), mais preciosidades (“Tudo Bem“, lançada originalmente só em compacto, em 1974) e inéditas espetaculares dos próprios mocotós, como “Kibe Cru“, “Os Orixás“, “Não Sei por Quê“, “Voltei Amor” e “Nereu Nereu”.

198 Seu Jorge, “Carolina” (Seu Jorge), 2001 – O fluminense Seu Jorge estreia carreira solo privilegiando o samba-rock em Samba Esporte Fino. O carro-chefe, “Carolina”, retoma uma tradição das carolinas samba-rock, celebradas no passado por Jorge Ben, Toquinho, Franco e Bebeto: “Carolina é uma menina bem difícil de esquecer/ andar bonito e um brilho no olhar/ tem um jeito adolescente que me faz enlouquecer/ e um molejo que eu não vou te enganar/ maravilha feminina, meu docinho de pavê/ inteligente, ela é muito sensual/ te confesso que estou apaixonado por você”/ ô, Carolina, isso é muito natural”. Destacam-se também “Chega no Suingue“, “Mangueira“, “Tu Queria” e uma inédita de Jorge Ben Jor, “Em Nagoya Eu Vi Eriko“. Adiante, Seu Jorge suingará o inglês David Bowie (2005) e o alemão Kraftwerk (2010) e regravará “Errare Humanum Est” (2010), de Ben.

199 Cássia Eller, “Vá Morar com o Diabo” (Riachão), 2001 – A brasiliense Cássia Eller praticou uma espécie bem particular de samba-rock na até então inédita “Vá Morar com o Diabo”, fundindo sua própria origem roqueira com o samba duro do veterano baiano Riachão (que também gravou o samba em 2001). “Ela quer me ver bem mal/
vá morar com o sete pele que é imortal”, canta Cássia, que, fazendo uma apropriação lésbica do samba, comenta e subverte o teor machista da letra.

200 DJ Marky, XRS e Stamina MC, “LK” (DJ Marky-XRS), 2002 – Música eletrônica negra do início do século 21, o drum’n’bass brasileiro ganha expressividade mundial pelas picapes dos paulistanos periféricos DJ Marky e XRS, e grande parte da receita do sucesso de “LK” (com participação do inglês Stamina MC) é o sample da velha “Carolina, Carol Bela” (1969), na versão de Jorge Ben e Toquinho.

201 Instituto e Sabotage, “Dama Tereza” (Sabotage), 2002 – De São Paulo, o coletivo Instituto dá roupagem pós-samba-rock a “Dama Tereza”, do rapper conterrâneo Sabotage, que inicia o samba-rap prestando homenagens a Mestre Marçal, Pixinguinha e Dona Ivone Lara, “pra onde vou, fui e vim”.

202 Max de Castro, “A História da Morena Nua Que Abalou as Estruturas do Esplendor do Carnaval” (Max de Castro-Erasmo Carlos), 2002 – Filho de Wilson Simonal, Max de Castro recombina samba-rock, afro-samba e drum’n’bass em “A História da Morena Nua Que Abalou as Estruturas do Esplendor do Carnaval”, uma parceria com mestre Erasmo Carlos. Irmão mais velho de Max, Wilson Simoninha também se aventura pelo gênero que o pai ajudou a modelar, gravando Jorge Ben desde o primeiro CD (“Bebete Vãobora“, 2000) e protagonizando um ao vivo da MTV totalmente dedicado à obra de Jorge (em 2005).

203 Raça Negra e Reginaldo Rossi, “Deixa de Banca (Les Cornichons)” (James Booker-Nino Ferrer-versão Eduardo Araujo), 2002 – A jovem samba de 1967 revive sem saber no projeto Samba Jovem Guarda, em que os pagodeiros do Raça Negra interpretam iê-iê-iês gravados originalmente por Roberto, Erasmo, Wanderléa, Trio Esperança, Renato e Seus Blue Caps e outros. O rodopio domina “Deixa de Banca”, hit lançado por Erasmo Carlos em 1966, agora com participação do proto-samba-roqueiro pernambucano Reginaldo Rossi, que havia regravado “Deixa de Banca” em 1978.

“No Claro ou no Escuro” (1966), de Reginaldo Rossi, é uma favorita dos cultuadores do samba-rock

204 Vanessa da Mata, “Viagem” (Vanessa da Mata), 2002 – A MPB da matogrossense Vanessa da Mata guarda influências marcantes do samba-rock em canções como “Viagem”, “Não Me Deixe Só” (2002) e “Ai, Ai, Ai…” (2004).

205 Trio Mocotó e Anvil FX, “Eu Também Quero Mocotó” (Jorge Ben), 2003 – O Trio Mocotó dobrou a dose de Samba Rock em mais um álbum de retorno, com novas gravações de Jackson do Pandeiro (“Chiclete com Banana”, 1958), Monsueto Menezes (“Ziriguidum“, 1961), Orlandivo (“Onde Anda o Meu Amor“, 1962, com participação do grupo holandês-brasileiro Zuco 103), Simonal (“Dingue Li Bangue“, 1973), Trio Esperança (“Replay – O Meu Time É a Alegria da Cidade“, 1974) e Jorge Ben (“Eu Também Quero Mocotó”, 1970, em versão drum’n’bass com o mineiro Anvil FX), além de novos mocotós (“Beleza! Beleza!! Beleza!!!“, “Lírio para Xangô“, “Pura Beleza“, “Capcaloei“).

206 Curumin, “Cadê o Mocotó (Essa Coisa)” (Curumin), 2003 – O paulista mestiço Curumin, descendente de japoneses, faz som experimental, mas homenageia os papas pop do samba-rock em “Cadê o Mocotó (Essa Coisa)” e “Compacto” (2008). Entre seus sambas-rocks tortos estão “Magrela Fever“, “Sambito (Totaru Shock)” (2008), “Passarinho” (2012) e “Paçoca” (2017).

207 Marcelinho da Lua e Mart’nália, “Refazenda” (Gilberto Gil), 2003 – Os cariocas Marcelinho da Lua (do trio Bossacucanova) e Mart’nália se reúnem para transformar “Refazenda” (1975), de Gil, num samba-rock-drum’n’bass.

208 Posse Mente Zulu, “Dona Maria” (Rappin’ Hood-Johnny MC-Leci Brandão), 2004 – O coletivo paulistano de hip-hop Posse Mente Zulu, de Rappin’ Hood, integra e atualiza a fusão centrando-se no samba-rap e trazendo Leci Brandão para reinterpretar, dulcíssima, sua composição-manifesto “Deixa, Deixa” (1986). Rappin’ Hood experimenta também em carreira solo, em sambas-raps como “Sou Negrão” (também com Leci Brandão), “Rap du Bom” (2001), “Disparada Rap” (com Jair Rodrigues), “Muito Longe Daqui“, com o partideiro carioca Arlindo Cruz e “À Minha Favela” (2005), com os pagodeiros paulistas Péricles e Thiaguinho.

209 Black Alien, “Caminhos do Destino” (Black Alien-Alexandre Basa), 2004 – Dissidente do Planet Hemp, o fluminense de São Gonçalo Black Alien leva as fusões de música negra a um novo patamar, numa fórmula que abriga samba-rap-rock-reggae-etc. Exemplares da sonoridade peculiar de Black Alien são “Caminhos do Destino”, “Mister Niterói“, “Babylon by Gus” e o reggae-balada “Como Eu Te Quero“.

210 Jorge Ben Jor, “Mexe Mexe” (Jorge Ben Jor), 2004 – Em seu último álbum inédito até 2024, Reactivus Amor Est (Turba Philosophorum), Ben Jor dialoga com A Tábua de Esmeralda, retornando a alquimias (“O Rei É Rosa Cruz“, “Gabriel, Rafael, Miguel“) e a outras filosofias (“A História do Homem“). O sambalanço resiste em “Mexe Mexe”: “Quando você para de brincar e mexer/ você envelhece/ quando você para de brincar e mexer/ a sua barba cresce/ quando você para de brincar e mexer/ seu coração em vez de bater padece/ irmão, irmã, pare, pense, brinque, mexa, pare, pense, brinque, mexa, pois a vida é bela”. O groove “Mexe Mexe” foi gravado primeiro em 2000, pela banda pernambucana de manguebit Mundo Livre S/A, que havia batizado seu primeiro álbum de Samba Esquema Noise (1994), em diálogo com o Samba Esquema Novo de Jorge Ben.

211 Ney Matogrosso e Pedro Luís e A Parede, “A Ordem É Samba” (Wando), 2004 – No carnavalesco Monobloco, o carioca Pedro Luís prestou reverências à música black nacional, inclusive, fato raro, o samba-rock paulistano “Segura a Nega” (1975), de Bebeto. Antes, com sua banda A Parede, gravou o suingue autoral pós-axé “Caio no Swing” (1997), relembrou a encarnação samba-roqueira de Wando em releitura de “Nega de Obaluaê” (2001) e ressuscitou “A Ordem É Samba” (1966), no álbum que dividiu com Ney Matogrosso, em 2004.

O breve grupo Coisas de Agora e “120 Kilômetros por Hora” (1969), de Luis Vagner

212 Farufyno, “A 120 Km/H” (Arnaldo Saccomani-Luis Vagner-Tom Gomes), 2005 – Na mesma linha do Clube do Balanço, a banda paulista Farufyno intercala composições próprias e covers de Jorge Ben, Bebeto, Os Originais do Samba etc. Uma preciosidade resgatada é “A 120 Km/H”, da lavra de Luis Vagner, lançada em 1969 por um grupo chamado Coisas de Agora: “Não vou chegar nas asas de Dumont/ não vou falar nos fones de Graham Bell/ nem vou escrever em folhas de papel/ eu vou chegar por estradas cor de breu/ a 120 quilômetros por hora”. Os Opalas são outra banda paulista dedicada prioritariamente ao samba-rock, que faz covers de Luis Vagner, Bebeto, Bedeu, Marku Ribas e Branca di Neve, mas prefere gravar material próprio e inédito, como “Mistura Cultural” (2012), “Um Samba-Rock pra Você” e “Som de Negão” (2017), essa última com participações de Nereu Gargalo e Rappin’ Hood.

213 Alcione, “Meu Ébano” (Nenéo-Paulinho Rezende), 2005 – Sempre com um pé no suingue, mas mais jazzística que roqueira, a maranhense Alcione preenche de sambalanço o impagável samba “Meu Ébano”: “É, você é um negão/ não posso dar mole/ e babau, leva meu coração/ é, você/ um príncipe negro/ melanina/ sei, não, mas tô achando que dancei na tentação da sua cor”.

214 MV Bill, “Minha Flecha na Sua Mira (Me Leva)” (MV Bill-Márcio Borges), 2006 – Seguindo as pegadas de Marcelo D2, o rapper carioca MV Bill faz de “Minha Flecha na Sua Mira (Me Leva)” um samba-rap com metais de samba-rock: “Me leva/ oi, na batida do suingue, hip-hop, menina, me leva”.

215 Z’África Brasil, “Zabumba de Gangazumba” (Gaspar-Érico Theobaldo-Fernando Catatau-Simone Sou), 2006 – Ao samba e ao rock, o grupo paulistano Z’África Brasil acrescenta o rap e as sonoridades sertanejas nordestinas, para estabelecer um altivo libelo antirracista dividido em dois álbuns inaugurais e composições iradas como “A Cor Que Falta na Bandeira Brasileira“, “Antigamente Quilombos Hoje Periferia“, “O Rei Zumbi” (2000), “Zabumba de Gangazumba”, “Da Quebrada“, “Tem Cor Age“, “Quilombo Invencível” e “O Rei do Cangaço” (2006).

216 Sergio Mendes, “Mas Que Nada” (Jorge Ben), 2006 – Após 12 anos sem gravar, o internacional Sergio Mendes faz uma revisão de carreira e se reinventa no álbum Timeless, em calorosas fusões como a da nova versão de “Mas Que Nada”, gravada com o grupo norte-americano Black Eyed Peas (que, por sinal, começou carreira surrupiando samples de Jorge sem conceder nenhum tipo de crédito). Baseado em repertório brasileiro e bilíngue, Timeless reúne um elenco estelar que inclui Stevie Wonder, Guinga, Quarteto Maogani, Q-Tip, Erykah Badu, Jill Scott, John Legend, Marcelo D2, Justin Timberlake e India.Arie, entre muitos.

217 Fino Coletivo, “Boa Hora” (Domenico Lancellotti-Alvaro Lancellotti), 2007 – Formado pelos alagoanos Wado, Alvinho Cabral e Adriano Siri e pelos cariocas Alvaro Lancellotti e Marcelo Frota (ou Momo), entre outros, o Fino Coletivo destrincha um suingue manso em sambas impuros como “Boa Hora”.

218 Leandro Lehart, “Vem Dançar o Mestiço” (Leandro Lehart-Ademir Fogaça), 2008 – Fora do Art Popular, Leandro Lehart propôs uma nova recombinação da linhagem samba-rock, agora sob o nome de mestiço. Exilado do grande mercado na fase pós-pagode, foi ouvido por poucos, e o mestiço não vicejou.

219 Bebeto, “Tudo Bem” (Thiago Corrêa-Allan Dias de Castro), 2010 – Num álbum inédito de retorno, Bebeto busca a origem jorgebeniana: “Fui pra terra da rainha e conheci o outro lado/ onde tudo funciona, a grana soluciona até medo de atentado/ (…)/ fui pra terra da rainha e lá vi muito brasileiro/ que aqui só come e dorme e lá usa uniforme e trabalha o dia inteiro/ (…) mas tudo bem, ah, tudo bem/ eles não têm Jorge Ben/ o deles é big, o nosso é Jorge, mas tá tudo bem, estamos bem”.

220 Rael da Rima, “Trabalhador” (Rael da Rima), 2010 – O paulistano Rael da Rima, futuramente apenas Rael, abre uma década de transformações no rap brasileiro, em seu caso propondo a ideia de MP3 – música popular do terceiro mundo. Seu samba-rock-rap introduz também o suingue na tradição dos cantos de trabalho, expressão da classe trabalhadora que conquista acesso ao mundo tecnológico nos anos de virada do século 20 para o 21: “Sem tempo para o amor/ só pra trabalhar, trabalhar, trabalhar…”.

221 Rodrigo Ogi, “Profissão Perigo” (Rodrigo Ogi), 2011 – O paulistano Rodrigo Ogi se inscreve no samba-rock-rap de trabalho com o exímio álbum Crônicas da Cidade Cinza, que começa com sample do LP Nas Quebradas do Mundaréu (1974), em que o encenador santista Plínio Marcos emoldurava uma apresentação tardia do samba paulista de raiz de Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro. Retratando um motoboy no trânsito de São Paulo, “Profissão Perigo” é lapidar: “A busca por dinheiro sufoca, machuca/ no corredor quase bati a motoca na fuca/ mas tô ligeiro no piloto, eu não durmo de touca/ toma cuidado, sai da frente, tiazinha, tá louca?/ (…) conheço todos os trajetos dessa capital/ correr já é parte do meu ritual/ filho do estresse paulistano, dessa cidade maluca/ mas eu já sou veterano, conheço as arapucas/ que esse gigante preparou pra nos capturar/ tem que ser profissão perigo para se salvar”.

222 Criolo, “Linha de Frente” (Criolo), 2011 – O samba-rap viceja no advento do paulistano Criolo, em faixas como “Mariô” e a nada ingênua “Linha de Frente”, que associa os personagens de Mauricio de Souza com crianças instrumentalizadas como escudos e linha de frente do tráfico de drogas e da violência: “Magali faz a cabeça da situação/ porque essa padaria nunca vendeu pão/ e tudo que há de ruim sempre cai pra cá/ tem pouca gente na fronteira, então é só chegar/ (…) na turma da Mônica do asfalto/ Cascão é rei do morro e a chapa esquenta fácil”. Adiante, Criolo gravará um disco inteiro de samba (sem rap), Espiral de Ilusão (2017), com mais letras iradas, como “Menino Mimado“.

“Pisou na Bola” em 1987, por Elizabeth Viana

223, Paula Lima, “Pisou na Bola” (Bené Alves), 2011 – Paula Lima homenageou (ou melhor, mulherageou) Elizabeth Viana regravando “Pisou na Bola”, lançado em 1987 pela “rainha do samba-rock” (indisponível no Spotify).

224 Marcia Castro, “Preta Pretinha” (Moraes Moreira-Galvão), 2012 – A baiana Marcia Castro relê o rock-samba ao inverso de “Preta Pretinha” (1972), incorporando ao som hippie dos Novos Baianos elementos de samba-reggae e axé.

225 Gaby Amarantos, “Xirley” (Zé Cafofinho-Hugo Gila-Felipe Machado-Chiquinho-Marcelo Machado), 2012 – A paraense Gaby Amarantos acrescenta o Norte do Brasil na caldeira da misturança, o que significa a incorporação do carimbó, das guitarradas, do tecnobrega, do elemento indígena na tradição samba-rock, minha irmã.

226 Orquestra Imperial, “Mocotó em Tijuana” (Altair Martins), 2012 – Procurando recriar os sons das antigas gafieiras cariocas, a Orquestra Imperial chega a contar duas dezentas de integrantes e congrega uma trupe de músicos em que cabem Wilson das Neves, Nelson Jacobina, Thalma de Freitas, Seu Jorge, Moreno Veloso, Kassin, Rodrigo Amarante, Berna Ceppas e Pedro Sá, entre vários outros. O CD Fazendo as Pazes com o Swing diz a que vem já pelo título e contém faixas como a instrumental “Mocotó em Tijuana”, também de título auto-explicativo.

227 Teresa Cristina + Os Outros, “Do Outro Lado da Cidade” (Helena dos Santos), 2012 – Mais identificada com a tradição do samba, a carioca Teresa Cristina jogou as convenções para o alto, se juntou à banda de rock Os Outros e gravou um álbum inteiro de canções de Roberto Carlos, privilegiando as fases soul-pop e romântica do “rei”. No primeiro bloco estão as roqueiras “Quando” (1967) e “Nada Vai Me Convencer” (1969) e a fofa “Do Outro Lado da Cidade” (1969). Essa última reaparecerá em outro álbum-tributo a Roberto, ensaiado por uma década e consumado em 2023 pela banda pós-manguebit pernambucana Del Rey, de integrantes do Mombojó com Chinaina como vocalista.

228 Los Sebosos Postizos, “A Jovem Samba” (Jorge Ben), 2012 – Enquando a Banda Del Rey colocava Roberto Carlos na frequência manguebit, a banda pernambucana fundadora do manguebit, Nação Zumbi, lança um álbum só de Jorge Ben, sob o codinome Los Sebosos Postizos. Eles introduzem uma atmosfera sombria, colocando um ponto de interrogação da sempre propalada alegria inerente à música de Jorge. Os Sebosos fecham repertório principalmente em torno de dois momentos díspares entre si, os anos iniciais até o ponto de ruptura de O Bidu (1967) e o auge de A Tábua de Esmeralda (1974), e tornam sinistra mesmo a ingenuidade da antepassada “A Jovem Samba”.

229 Ellen Oléria, “Zumbi” (Jorge Ben), 2013 – Figura de um novo século e de um novo tempo, a cantora e compositora afrofuturista brasiliense Ellen Oléria é militante negra e lésbica, tem forte pegada roqueira e trata nas canções das mazelas que enfrenta na vida real (“Senzala – A Feira da Ceilândia“, “Não-Lugar“, 2009). E é mais uma discípula a regravar “Zumbi” (1974), de Jorge Ben, lado a lado com Milton Nascimento e Alceu Valença. No campo do pós-samba, não canta partido alto, mas sim “Partida Alta” (2022).

230 MC Guimê e Emicida, “País do Futebol” (MC Guimê-Emicida-Victor Reis-DJ Dash), 2013 – O funkeiro paulista MC Guimê e o rapper paulistano Emicida atualizam a tradição samba-roqueira de suingues dedicados ao futebol (na qual se insere também o samba-rap “Sou Ronaldo“, de Marcelo D2, 2006) em “País do Futebol”, que celebra o momento de conquistas, não só no esporte, mas também na música, com a explosão mundial do hit “Ai se Eu Te Pego” pelo paranaense Michel Teló. “No flow/ por onde a gente passa é show, fechô/ e olha onde a gente chegou/ eu sou, país do futebol, negô/ até gringo sambou/ tocou Neymar é gol”, cantam Guimê e Emicida, dispostos a conciliar funk (carioca) e rap (paulista).

231 Gaspar Z’África e Zeca Baleiro, “Rapinbolada” (Gaspar Z’África-Zé de Riba-Carlos Silva), 2014 – Gaspar Z’África, mestiço loiro de pele clara, aprofunda os conceitos abertos pelo Z’Africa Brasil em Rapsicordélico (2014) e Hip-Hop Caboclo (2021), povoados de faixas afro-indígenas como “Guerreiro de Aruanda“, “Mãe África“, “Destruidor de Celas“, “Escambo“, “Os Quilombolas“, “Rapsicordélico” (2014), “Tambor da Justiça“, “Soul Periferia“, “Akotirene” (2021)… Com o maranhense Zeca Baleiro, Gaspar volta às origens do samba-rock nos cocos e emboladas de Jackson do Pandeiro e cria a exemplar “Rapinbolada”: “Rapinbolada é a mistura do rap com o repente do coco, da embolada, esse é o som da gente metrificando no verso num improviso diverso com sotaque diferente/ (…) calango, xote, catira, cururu, congo, reisado, samba de roda, lundu, ciranda, jongo, xaxado, maculelê, capoeira, trovador de meio de feira mostrando o canto falado/ (…) canto falado é rap, funk, ragga, emboladam samba-rock, manguebit, é batida quebrada, é o hip-hop apologista, é o reggae do cordelista na toada da congada/ não é rap norte-americano, é nosso som brasileiro, afro-descendência pura na batida do pandeiro/ afoxé e marujada, maracatu, umbigada faz a festa do terreiro”.

232 Skank e Nando Reis, “Alexia” (Samuel Rosa-Nando Reis), 2014 – Canção de musa pós-modernizada, “Alexia” reúne as vozes de Samuel Rosa e Nando Reis e mistura samba-jazz, bossa nova e futebol (“chove, chuva, molha o chão/ nuvem, samba do avião/ ela vai jogar”) rock clássico, futebol e samba-rock (“Hendrix, Elvis nasce hoje”, “vai começar mais um jogo/ menina mulher da pele branca”) etc.

233 Clara Moreno, “Mas Que Nada” (Jorge Ben), 2015 – Filha de Joyce, a carioca Clara Moreno faz do balanço o mote principal de sua música, regravando váras versões de Jorge Ben, ampliando o raio em Miss Balanço (2010) e regravando na íntegra o primeiro LP de Ben, em Samba Esquema Novo “de Novo” (2015). O pique é mais de samba-jazz que de samba-rock, em versões mais morosas que as originais. Em São Paulo, a herdeira da vanguarda paulista Tulipa Ruiz se associa com João Donato e belisca os tempos de “Lugar Comum” em faixas como “Tafetá” (2017); e Anelis Assumpção, filha de Itamar, prefere as atmosferas hipnóticas ao balanço, por exemplo em “Cê Tá com Tempo?” (2014): “Eu tô aqui pra jogar conversa dentro/ cê tá com tempo?”.

“Todo Dia” (2017) foi retirado das plataformas de streaming depois da rutura Pabllo-Rico

234 Rico Dalasam, “Vambora” (Rico Dalasam), 2016 – Paulista metropolitano de Taboão da Serra, Rico Dalasam se notabilizou inicialmente como “o primeiro rapper gay do Brasil”, atravessando o processo de auto-aceitação em público, em raps como “Aceite-C” (2014), em fusão com o samba-reggae da baiana Daniela Mercury, e o hit “Todo Dia” (2017, gravado por Rico e Pabllo Vittar): “Eu não espero o carnaval pra ser vadia/ sou todo dia, sou todo dia”. “Vambora” se desenrola sobre uma cama de instrumentos de samba; “Braille“, “Vividir” (2021) e “Quebrados” (2023, com a paulista Liniker) namoram o samba-soul-jazz de Djavan e o soul-disco-funk de Tim Maia; “Procure” (2016) flerta com o repente e as poéticas dissidentes de Itamar Assumpção e Carlinhos Brown; e assim por diante.

235 Larissa Luz, “Letras Negras” (Larissa Luz-Pedro Itan), 2016 – Na nova e vigorosa cena baiana, Larissa Luz privilegia a fusão de samba-rock e samba-reggae com o rap e elabora manifestos afro-feministas como “Bonecas Pretas“, “Descolonizada“, “Terra Conquistada” (com Elza Soares) e “Letras Negras” (2016). “Muito bem, Carolina”, diz a última, devotada não à musa-símbolo do samba-rock, mas à escritora negra Carolina Maria de Jesus. Décadas depois de Jorge Ben, Franco e Bebeto, outra tradição está sendo fundada.

236 Rincon Sapiência, “Ponta de Lança (Verso Livre)” (Rincon Sapiência), 2016 – O paulistano Rincon Sapiência segue a linhagem do mestre Ben Jor e canta/rima a esquina África-Brasil em “Ponta de Lança (Verso Livre)”, “A Coisa Tá Preta” (2016), “Galanga Livre” (2017), “Mundo Manicongo” (2019) etc. Essa última insere o amor preto e o amor afrocentrado na pauta do rap, e explicita: “Partiu para o baile, fugiu da balela/ batemos tambores, eles panela/ roubamos a cena, não tem canivete/ as patty derrete que nem muçarela/ quente que nem a chapinha no crespo/ não, crespos estão se armando/ faço questão de botar no meu texto/ que pretas e pretos estão se amando“.

237 Heavy Baile, “Maconha e Pente” (Leo Justi-Marcelo Valentim), 2018 – Rap-repente-funk, “Maconha e Pente” é a pulsação eletrônica acelerada do coletivo carioca Heavy Baile, liderado pelo DJ e produtor Leo Justi e pelo MC Tchelinho. Leo está por trás também de experimentos furiosos como “Não Foi Cabral” e “Delação Premiada“, da rapper-trapper-funkeira niteroiense MC Carol: “Não existe justiça se o assassino tá fardado”.

238 Flora Matos, “Piloto” (Flora Matos), 2018 – Os tempos mudaram. Existem mulheres rappers nas paradas, como é o caso da mestiça brasiliense Flora Matos, autora e cantora do hit “Piloto”, que, dizem, a estadunidense Beyoncé plagiou/copiou/sampleou.

239 Emicida, Majur e Pabllo Vittar, “AmarElo” (Emicida-Belchior-DJ Duh-Felipe Vassão), 2019 – Os tempos mudaram. A mestiçagem que o samba-rock embalou se amplifica e agora permite misturar, numa só cápsula musical, a MPB sertaneja do bardo cearense Belchior, o rap masculino de Emicida e as vozes da maranhense Pabllo Vittar e da baiana Majur, pertencentes ao sempre marginalizado perímetro travesti/transexual/drag queen/não binário. Pela primeira vez, identidades sexuais dissidentes saem do armário e dos guetos e entram pela porta da frente na música brasileira.

240 Ludmilla e Anitta, “Favela Chegou” (Tallia-André Vieira-Wallace Vianna-Pedro Breder), 2019 – Os tempos mudaram, e o samba-rock dos anos 2020, quem diria, é feminino e mistura ultrapop, funk carioca, às vezes bossa nova (por exemplo, na sarcástica e hiper-realista “Girl from Rio“, 2021), rap, trap, eletrônica etc. Com forro percussivo, “Favela Chegou” reúne as duas maiores estrelas femininas do pop nacional dos anos 2010 e 2020, Ludmilla e Anitta, ambas cariocas: “Ô, o bonde chegou/ respeita, caralho/ Ô, favela chegou”. No vale-tudo da mistura de estilos instalada a partir dos 2010, em “Você Partiu Meu Coração” (2017), Anitta se associa com o funkeiro carioca Nego do Borel e o forrozeiro cearense Wesley Safadão: é a hora de reunir forças, mesmo díspares, para conseguir mais execuções nas plataformas de streaming.

Duas Cidades“, “Lucro (Descomprimindo)” (2016) e “Invisível” (2017) encaram e denunciam o abismo social que move o carnaval, a Bahia e o Brasil

241 BaianaSystem, Antonio Carlos & Jocafi e Orquestra Afrosinfônica, “Água” (Russo Passapusso-Roberto Barreto-Ubiratan Marques-Antonio Carlos-Jocafi-Antonio Carlos Jobim-Vinicius de Moraes), 2019 – O samba-rock dos anos 2000 é baiano e incorpora samba-reggae, axé music, timbalada, manguebit, arrocha, Àttøøxxá… O coletivo BaianaSystem move multidões atrás do trio elétrico com uma base de rock’n’roll e jogando luz sobre aspectos frequentemente invisibilizados pela cultura, pela música e pelo carnaval, como o abismo social brasileiro ou o samba-rock baiano de Antonio Carlos & Jocafi. A dupla dos anos 1970 participa da criação e da interpretação de “Água”. “Reza Forte“, com o carioca BNegão, inclui o rap e as religiosidades no balaio da mestiçagem.

242 Edgar e Rico Dalasam, “Carro de Boy” (Edgar-Pupillo), 2020 – Duas potências do novo rap paulista, Edgar e Rico Dalasam se juntam para tecer uma crítica grave e mordaz aos assassinatos de trânsito praticados por jovens ricos que negam socorro, matam e nunca chegam a sofrer represálias judiciais por seus atos – os assassinados, em geral, são pessoas de origens semelhantes às de Edgar e Rico. “Era um carro de boy, era um carro de boy/ é o comentário da quebrada/ era um carro de boy, era um carro de boy/ atropelou e não fez nada/ ideia de progresso com o funk é o que combina/ quero ver nossa favela produzindo a própria gasolina/ coloca o capacete e acende a luz que pisca/ porque na autopista atropelaram outro ciclista”, diz a letra.

Rap eletro-psicodélico, “Bíblia, Boi e Bala”, de Edgar

243 Edgar, “Bíblia, Boi e Bala” (Edgar-Kassin-Pupillo), 2022 – Em plena vigência repressiva do bolsonarismo, “Bíblia, Boi e Bala” é rap afro-indígena do paulista de Guarulhos Edgar, com letra de altos teores críticos contra o establishment brasileiro de direita e extrema direita: “Chame o nativo pra avisar que a palavra indígena fica muito perto da palavra indigente/ agrupe o seu gado usando um livro sagrado/ a ovelha sempre cala quando o pastor fala/ porque nesse país é só bíblia, boi e bala”.

244 BaianaSystem, “Jack Soul Brasileiro” (Lenine), 2024 – De volta ao começo, a nave baiana comandada por Russo Passapusso retoma em “Jack Soul Brasileiro” (1997) a homenagem prestada pelo pernambucano Lenine ao patriarca paraibano do samba-rock Jackson do Pandeiro, gravada também pela carioca Fernanda Abreu (1997): “Já que sou brasileiro e que som do pandeiro é certeiro e tem direção/ já que subi nesse ringue e o país do suingue é o país da contradição/ eu canto pro rei da levada na lei da embolada, na língua da percussão/ a dança mugangodengo, a ginga do mamulengo, o charme dessa nação/ quem foi que fez o samba embolar? quem foi que fez o coco sambar?/ quem foi que fez a ema gemer na boa?/ quem foi que fez do coco um cocar?/ quem foi que deixou um oco no lugar? quem foi que fez do sapo cantor de lagoa?”. Dissolvido no triunfo da misturança e da inteligência artificial, o samba-rock precisa mais uma vez ser ouvido pelas fímbrias e frestas da sempre hostil máquina cultural.

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