A cantora e compositora mineira Ceumar. Fotos: Isabelle Novaes/ Divulgação
A cantora e compositora mineira Ceumar. Fotos: Isabelle Novaes/ Divulgação

A cantora e compositora mineira Ceumar celebra 35 anos de trajetória em três shows na Caixa Cultural, em São Paulo

A cantora e compositor mineira Ceumar sobe ao palco da Caixa Cultural, em São Paulo, nesta sexta-feira (15), no sábado e no domingo, em show que celebra seus 35 anos de música. Ela escolheu contar desde os tempos em que efetivamente começou a trabalhar com música, na noite de Belo Horizonte, pavimentando a estrada até a estreia fonográfica, que se daria em 1999, com Dindinha, seu primeiro álbum, produzido por Zeca Baleiro.

Em entrevista exclusiva a FAROFAFÁ, a artista falou sobre as origens, a escola da noite e dos barzinhos, repertório, produção, os anos em que morou na Holanda, em suma: a trajetória pessoal (e musical) que norteia o roteiro do show, com a participação especial do multi-instrumentista Webster Santos, músico presente desde o início e seu compadre.

Atualmente Ceumar está presente na trilha sonora da novela global Amor Perfeito, de André Câmara, livremente inspirada no clássico Marcelino, Pão e Vinho, de José María Sánchez Silva (1911-2002). Ela canta “O Seu Olhar” (Paulo Tatit/ Arnaldo Antunes), faixa de seu segundo disco, Sempreviva! (2003), gravação que completa 20 anos em 2023.

Zema Ribeiro: 35 anos de carreira e a gente vê que você escolheu um marco diferente do que comumente os artistas escolhem, ou a indústria, que é o disco inaugural. Você escolhe justamente a coisa de começar a cantar na noite, nos barzinhos. A noite, o barzinho, foram uma escola importante para você?

Ceumar: Eu adorei que você já introduziu essa ideia de correr à margem do mercado, que é do meu costume já. Pensei muito sobre essa conta, essa contagem de anos, e realmente por isso que eu chamo de 35 anos de música, que é a minha função como músico, também como substantivo. Eu sou uma musicista, uma música, que trabalho com isso há 35 anos. Então achei que podia ser instigante e interessante usar esse tempo de contagem dos anos desde o princípio, onde eu começo mesmo a trabalhar com música como meu ofício. Você fez uma pergunta incrível, porque realmente Dindinhafará, ano que vem, 25 anos, mas antes do Dindinha tem muita estrada, então eu quis incluir essa estrada, que também é muito importante para mim. Cantar na noite, não só na noite, eu fazia jingles, casamentos, vocais para outros artistas, outros shows, então eu já me via, ali, abraçando essa profissão.

ZR: Você chegou a ter outra formação ou sempre se identificou como musicista e foi isso mesmo?

C: Eu tentei, fiz em Belo Horizonte um ano e meio de design, que na época não era design, chamava desenho industrial. Mas tranquei a faculdade quando percebi que era isso mesmo, o que eu queria fazer era cantar.

ZR: A tua ida de Itanhandu para Belo Horizonte, me corrija se eu estiver errado, Itanhandu está mais perto do Rio e de São Paulo, não é?

C: Exato. Escolhi Belo Horizonte na época, porque eu tinha duas amigas indo pra lá, e me sentia mais segura de fazer essa experiência em BH. E também tinha, existe ainda uma escola de música lá, muito importante, na cidade, no estado todo, chama-se Fundação de Educação Artística. Eu já tinha um foco de me inscrever e estudar música nessa escola. Então saí de Itanhandu com 17 para 18 anos e já me matriculei paralelamente ao cursinho, já entrei na fundação para estudar violão clássico. Fiz uns dois anos de violão, não estudei canto de cara. Foram esses dois motivos, eu tinha amigas de colégio indo pra lá e eu também sabia dessa escola, que realmente foi muito fundamental para minha formação.

ZR: Vindo de Minas, do interior, a gente tem aquela imagem cristalizada, da família tradicional querendo uma coisa mais segura, mais rentável. Como é que foi para teus pais essa decisão de abraçar a carreira artística? Incentivaram, tentaram te fazer desistir?

C: [Risos.] Foi isso mesmo, foi esse aconselhamento, “será, minha filha, que você não vai estudar outra coisa?”, tanto que fiz vestibular para jornalismo e para design, desenho industrial. Por isso, por eles terem essa expectativa, e eu também, ainda não tinha uma segurança, mas aí depois de um ano, um ano e meio, eu já cantando, já fazendo meus trabalhos com música, não teve como. Fui bem ousada, na época, falei com eles, mas sou a filha caçula, isso facilitou um pouco. As minhas duas irmãs já tinham trilhado esses caminhos de sair de casa [risos], conquistar outras coisas. Sou uma filha caçula meio temporã, eles já tinham certa flexibilidade comigo. E assim, quando comecei a fazer alguns programas de TV e rádio e coisas nos jornais começaram a sair, minha mãe era a mais fã, minha fã mais ardorosa. Ela tem pastas e pastas, tinha, né?, de recortes de jornal, gravava todos os programas na TV. Passaram a ser meus fãs, e me dando muita força, depois de alguns anos eles já estavam completamente abduzidos [risos].

ZR: Que bonito! Eu acho que já te contei essa história, mas me lembro do impacto que me causou ouvir Dindinha. E chego em Dindinh” para voltar à noite, ao barzinho e a essa fase artística pré-gravadora. A gente percebe ali no Dindinhaum repertório muito eclético, essa palavra me incomoda um pouco, mas acho que no final das contas traduz bem. Tem Zeca Baleiro, que produziu o disco, Josias SobrinhoItamar AssumpçãoZé Ramalho, aquele cover que tu fazes de uma banda que não vou lembrar o nome agora, que fecha o disco, “Let It Grow”.

CRenaissance.

ZR: Isso! Tem Jacinto Silva, Sinhô, enfim, se eu for lembrar todo mundo… Desse repertório, o que você levou que fazia em barzinho?

C: Olha, eu acredito que, das canções que não são inéditas, eu já fazia o “Let It Grow”, por exemplo, tanto que essa canção destoou um pouco daquele repertório brasileiríssimo, mas fazia muito sentido pra mim, porque eu já cantava ela nos bares, nas rodinhas. Eu amava essa banda, e gosto até hoje, da Annie Haslam, que é a cantora. Mas, por exemplo, Luiz Gonzaga foi Zeca que me trouxe a ideia, “vamos gravar um Luiz Gonzaga? Você tá chegando no mercado, eu acho importante você ter uma releitura”. Mas então eu já fiz uma ousadia de fazer uma releitura só com vozes, já brincamos com isso, fizemos um arranjo bem original. Zé Ramalho também, eu acho que foram Zeca e Tata [Fernandes, cantora e compositora], eles me deram muitas opções de canções para eu poder regravar e me lembro de ter escolhido então “Galope Rasante”. Mas tudo passava pelo meu jeito de tocar. Eles me ofereciam as possibilidades, eu pegava meu violão, se conseguisse fazer um arranjo próprio, do meu jeito de tocar, eu assumia aquela música. Foram essas duas, que eu me lembre, mais precisamente, que consegui rearranjar de um jeito muito próprio. Josias foi Zeca quem me apresentou, ele veio a São Paulo, conheci, fiquei encantada, apaixonada por tudo do Josias. Itamar, a gente convivia com ele naquela época, nas casas, nos saraus, então também quis muito gravá-lo, e Chico César também tem uma canção, se chama “Geofrey, a Lenda do Ginete”. E Zeca, claro. Eles tiveram essa sagaz ideia de que eu me apresentasse como uma intérprete, de novos autores para a época e também alguns outros autores.

ZR: Já que Josias te foi apresentado por Zeca, como é que Zeca chega na tua vida? Como é que vocês se conhecem e estabelecem essa relação de trabalho e amizade?

C: Foi através da Rossana DeCelso [cantora, ex-empresária de Zeca Baleiro], quando morei em Belo Horizonte. Conheci Rossana lá e ela fazia um show chamado Mandando Bala.

ZR: Que depois virou disco.

C: Né? Ela fazia só as canções do Zeca, e eu fiz vocais para Rossana em alguns shows. Então ali eu já conhecia as canções, e quando cheguei em São Paulo já trouxe o telefone do Zeca, que Rossana disse: “Procura Zeca, procura Chico, eles podem escolher músicas”. E foi assim, Rossana também é muito importante nesse momento.

ZR: Você faz uma curta temporada, três noites na Caixa Cultural. Tem perspectivas dessa celebração circular, ou de repente virar um álbum? O que você está pensando para frente, talvez a médio prazo?

C: O show com certeza a gente vai querer circular, até porque eu estava com saudade de sentar com meu violão. É um show solo de violões, esses shows de São Paulo têm a participação do Webster Santos, que é meu compadre há tantos anos, também importantíssimo na minha carreira.

ZR: Que já estava também no primeiro disco.

C: Já, está em todos os discos desde o primeiro. Eu tenho desejo sim, claro, de continuar fazendo esse show. O disco eu não sei, porque a gente precisa entender como é que vai funcionar. Mas seria lindo também poder registrá-lo, um álbum ao vivo, quem sabe?

ZR: Como é que você está pensando a seleção de repertório para essas apresentações?

C: É complexo, porque eu poderia fazer até uma ordem cronológica, mas preferi contar uma história muito pessoal, de canções que são marcantes, momentos muito específicos da minha vida pessoa. Não foi uma escolha fácil, mas delineei, consegui fazer um passeio pelas canções e também estou aberta a mudanças, tenho essa liberdade também, de cada noite introduzir uma canção nova, que eu não tenha tocado. Sempre tem pedidos, as pessoas pedem músicas no final do show, no bis, então eu tenho essa abertura também para isso, experimentar outras, que não estejam dentro do repertório. Mas fiz um roteiro bastante pessoal, de canções que são marcantes na minha vida mesmo.

ZR: Você está afastada do cenário da noite, do barzinho, mas de 35 anos para cá percebe alguma diferença entre aquele momento, antes de estrear em disco, para hoje, quando eventualmente você vai assistir alguma coisa, vai para se divertir?

C: Você diz quando eu vejo artistas na noite?

ZR: Sim, porque eu não sei, talvez seja falta de acompanhamento meu, mas acho que você não faz mais, eventualmente algum projeto especial, uma Casa de Francisca [casa de espetáculos considerada um verdadeiro templo da boa música em São Paulo] da vida…

C: Tudo muda quando a gente passa a ter um repertório próprio. Isso deu um norte para toda a trajetória, a escolha do repertório. E é um repertório único, que é só meu, então isso faz toda diferença. Então, mesmo que eu vá para casas de show um pouco menos, com menos estrutura de teatro, sinto uma escuta muito atenciosa. Geralmente as pessoas estão muito ligadas no que estou cantando, a diferença grande é essa. Quando eu fazia noite, fazia um repertório de música brasileira, do mundo inteiro, e isso talvez não trouxesse as pessoas para mais perto. É realmente uma conquista muito grande quando podemos cantar e ser ouvidos [risos], isso é tudo.

ZR: Eu sempre fico chateado com aquele pessoal que vai para o bar e acha que o músico que está se apresentando é uma jukebox, você bota a moeda, ele tem que saber cantar tudo, e muitas vezes pedem e nem prestam atenção, é muito chato isso. A tua residência durante um tempo na Holanda, quando fez um circuito de países da Europa, de algum modo te reaproximou desse ambiente da noite, casas menores, talvez?

C: Não. A gente até fazia pequenas casas, mas sempre tinha uma atenção, o público europeu, na Holanda, é muito educado. Como eles amam nossa música, tinham uma atenção também muito especial para os shows. Eu sentia uma atenção, um cuidado, um carinho, foram anos muito bons, positivos para mim, fiz também diversas coisas, diversos jeitos, formações. Mas realmente hoje em dia tenho um pouco mais de conforto nas minhas apresentações. Às vezes tem um burburinho, uma conversa, mas dou um jeitinho de conduzir as pessoas, de trazê-las para dentro do show, fazer com que elas se entreguem mais.

ZR: Outra coisa: de tua estreia com Dindinha, até, por exemplo, você produzir Clarões, de Manu Saggioro, foram 20 anos, quase 20, entre ser produzida por Zeca e produzir a Manu na estreia solo dela. O que você pode destacar de aprendizado, “eu aprendi isso aqui, agora eu sei fazer”? Clarões é muito bom, é um disco que tem um resultado extraordinário.

C: Ah, obrigada. Eu me lembrei muito de Zeca, de Zeca e Tata, porque eles estavam muito juntos comigo naquela época. Lembrei demais deles, e lembrava de detalhes, do que eles me diziam, de como eles me conduziam para que eu chegasse ao som primordial, o som que era meu, o meu som, o meu jeito. Nos trabalhos com a Manu eu tentava reproduzir isso, passar para ela essa segurança de ser ela mesma, buscar o que é original dela, de não deixá-la se confundir com tendências Acho que esse foi o grande aprendizado mesmo. Até para produzir os meus próprios discos, que eu já fiz alguns, essa escuta, esse respeito com as características da cantora, do cantor e do músico e da sonoridade que você quer, aprendi muito com eles, aprendi também muito fazendo o disco da Manu, tivemos uma parceria bem luminosa mesmo, de confiança. É muito importante confiar.

ZR: Até porque a gente pensa numa perspectiva não industrial, uma coisa mais afetiva. Gosto muito de uma comparação que o Tatá Aeroplano faz, que ele diz que ele é o pequeno produtor da música, o produtor do orgânico, discos em pequenas tiragens, um cuidado maior, quer dizer, não é o agronegócio da música.

C: [risos] Exatamente. Agricultura familiar, música familiar [risos].

ZR: Me diga outra coisa: já que você produziu a Manu, em quem você tem prestado atenção recentemente? Nomes novos que têm te chamado a atenção.

C: Ai, é tanta gente bacana. Eu gosto muito da Juliana Linhares, fui a um show dela aqui, show dela com a banda dela, não acompanhei o Pietá, que é o grupo que ela tem, mas eu a vi, fiquei encantada com ela. Josyara, eu sou apaixonada por Josy, são mulheres que estão dizendo as verdades, aquilo que elas querem dizer, sabe? E PC Silva, que é meu parceiro já, mas também sou muito fã. MartinsAlmério, essa galera do Recife toda, sou muito fã. César Lacerda, que também é meu parceiro. Tem muita gente linda. Que bom! Graças às musas nós estamos recheados de gente linda fazendo música.

ZR: Eu te perguntei há pouco sobre a possibilidade de este show comemorativo dos 35 anos virar um álbum. Mas independentemente disso, você está trabalhando em alguma coisa, algum projeto novo, gravando? Teu disco mais recente é de 2019.

C: Exato.

ZR: Porque também essa coisa mudou muito, de uns tempos para cá.

C: Tenho um projeto de álbum novo pronto, nós mandamos para um edital e não fomos contemplados, e agora estou pensando ainda em como fazer. Mas quero fazer logo, acho que até o final do ano já começo a gravar, não sei como, mas vamos lá. Já está prontinho o projeto, com músicas novas e parceiros novos.

ZR: Vai rolar, sim, já vou ficar na torcida.

C: Oba!

35 Anos de Música, show de Ceumar. Sexta-feira, às 19h, sábado e domingo, às 17h. Na Caixa Cultural (Praça da Sé, 111, Centro). Ingressos gratuitos, com retirada uma hora antes do início das apresentações, limitados a um par por pessoa.

PUBLICIDADE

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome