A cantora e compositora Mahmundi durante a gravação do videoclipe de
A cantora e compositora Mahmundi durante a gravação do videoclipe de "Sem Necessidade". Fotos: Guiliherme Junqueira/ Divulgação

A cantora e compositora Mahmundi disponibilizou hoje o single e videoclipe “Sem Necessidade”. A faixa antecipa “Amor Fati”, álbum que ela lança em abril. A música é uma retomada de quem nunca parou: durante a pandemia, ela esteve envolvida em outras frentes, mas sem deixar a música e a produção de lado, como relembra em conversa exclusiva, por telefone, com FAROFAFÁ.

A carioca Marcela Vale, nome de batismo de Mahmundi, atualmente radicada em São Paulo, buscou ver sua terra natal por outros ângulos, num videoclipe gravado em estúdio, mas que conta também com imagens de Nova York. Na faixa, de autoria de Josefe e Pedro Tiê, ela conta com a participação especial de Tagua Tagua, outro artista interessante de sua geração – ele acaba de lançar “Tanto”, seu segundo álbum solo.

Na conversa com FAROFAFÁ, Mahmundi falou ainda sobre tecnologias, solidariedade entre seus pares de geração, seu otimismo e curiosidade. Leia a seguir.

SINGLE(S)

Eu tou apaixonada por esse processo, porque a gente sempre lança singles ou algumas coisas, mas lançar single em 2023 tá cada vez mais especial, porque a gente tem a oportunidade de [interrompe-se]… eu sempre pensei muito nessa história de playlist porque eu sou muito apaixonada por rádio e rádio é esse shufle que você não tem controle, alguém fez essa programação pra você. E vêm muitas surpresas. O mundo tá passando por esse momento e se adaptar a essa história, tem gente que ainda dá uma reclamada, poxa, a gente perde uma música, pode ser que as pessoas ouçam, pode ser que elas não ouçam e tal. Mas eu tou confiante, porque eu acho que é isso, o mundo tá ficando muito… tá ficando mais corrido, as situações todas, desde as novas plataformas, as pessoas não têm tempo, e elas vão salvar você ali, numa compilação de outras canções, e a gente tem que ir se adaptando. Eu que vim muito de produção musical, muito apaixonada pela forma do álbum, fui repensando a forma de me comunicar com o público mais jovem, com o público mais novo, colando com esse público mais maduro, dos 36 anos, que é a idade que eu tenho. Tá sendo uma experiência nova, vamos descobrir amanhã [hoje, 10] o que eles vão fazer com essa música [risos].

OTIMISMO

Eu faço análise todos os dias, como uma ex-cristã que fui ensinada a pensar sobre céu e essas coisas todas. Quando você descobre que tá tudo aqui, vamos viver, viver exatamente o dia de hoje. O quê que tá acontecendo no mercado, as plataformas, o tik tok, enfim, essas loucuras todas. O que é interessante é: a plataforma tá lá, ensinam a gente um jeito de usar, mas quando você tá aberto com um processo criativo você pode usar de qualquer forma, isso é uma coisa que nunca avisam [risos], que além de dançar, que é o que rende dinheiro para eles, você pode dar aulas, você pode editar seus vídeos, a tecnologia me fascina muito, muito, de tudo que pode ser um artista começar hoje com mil reais para fazer uma música e estar lá no top 1 do spotify, sabe? É muito emocionante também ver como democratizou mais, como não tem mais cara, o artista de hoje em dia não tem mais rosto, qualquer rosto com uma canção que pegue nas pessoas é também uma grande canção.

“SEM NECESSIDADE”

Essa faixa começou com o Josefe, que é o compositor dela, ele compõe para outros artistas e essa faixa tava no celular dele, guardada ali, tocou e compôs para alguém, alguém não gostou, teve uma coisa de passar por outras pessoas e ele falou “tem uma música aqui, vê o que você acha”, e quando eu ouvi o voz e violão eu fiquei muito vidrada assim, pensando, isso pode ser um r&b, isso pode ser um pop, isso pode ser um monte de coisa. Isso foi me deixando fascinada. E aí chamei o Pedro Tiê, que é um produtor, que também trouxe algumas coisas na textura, porque hoje em dia quando a gente fala de composição, quem faz o beat também é um compositor, a ordem como se faz isso já mudou bastante, a gente credita o cara que tá com você desde o começo, porque às vezes um efeito que ele traz ali no beat dele faz a canção ser outra coisa. Então a gente hoje, atualmente a indústria credita todo mundo como compositor. Quando a gente tava nesse processo da música ser um r&b, é uma versão extra que entra no álbum, eu ainda tava pensando, cara, eu acho que isso pode tomar outra forma e começo a enlouquecer nessa coisa de produção. E aí convidei o Tagua Tagua no último estágio, falei, “cara, ouve essa música, me diz o que você acha, o quê que você pode colaborar com ela, porque eu acho que você vai trazer uma visão também sua, do seu som, e tal”, e ele trouxe essa coisa com as guitarras, que foi o grande trunfo dessa entrada dele. Ele toca os instrumentos e sugeriu, “ah, o que você acha de entrar uma voz aqui, vai trazer uma melodia e tal”, e ele acabou entrando na faixa também cantando junto, o que fez a música tomar uma outra forma. Ela ganhou um volume e isso tem a ver muito com a geração, que a gente aprende, de colaborar, antigamente era muito meu trabalho, ter que fazer sozinho, na correria, e tudo mais, e hoje em dia, quando você tá com pessoas que estão vendo a mesma coisa que você, com muita tecnologia disponível vai ficando mais fácil. Foi muito delícia fazer isso com esses parceiros, eles me acrescentaram muito. Foi muito foda!

SOLIDARIEDADE

O próprio spotify, as plataformas, quando você chama um outro artista, ele linka você com o perfil desse artista, então se eu não conheço o seu trabalho eu vou conhecer também. Quando a plataforma dá essa ferramenta e você sabe usar, você amplia muito mais o espaço. Ah, é muito bom. À medida que a gente vai aprendendo a lidar com isso vai ficando mais divertido.

VIDEOCLIPE

O Guilherme Junqueira, que é esse diretor criativo que fez o clipe comigo, foi muito generoso em me dar essa possibilidade de estar num ateliê, num fundo branco, e cantar essa canção e depois a gente desmembrar esse conteúdo, ele virou um grande quebra-cabeça. Eu tava muito nessa necessidade de tirar um pouco a história do Rio de jogada e colocar o Rio de Janeiro no clipe, mas não exatamente nessa coisa solar, nessa coisa mais leve, ela tem a bateria muito aflita, as guitarras, o etéreo, ela transporta pra qualquer lugar. Então a gente tem imagem de Nova York, a gente tem imagem do Rio, na praia, no mar, a gente tem umas outras imagens pra dar essa sensação pro público, pra ele estar em qualquer lugar. Fui me aproximando muito dessa coisa das colagens, dessa estética de fundo preto e movimento, que é uma coisa de artes visuais que eu tenho estudado muito, finalmente, depois que a gente ganha uma graninha e consegue… sempre tive um sonho, desde criança, de ter uma câmera fotográfica, de ver filme, nunca tive essa oportunidade e aí a primeira coisa que começou a me bater nesses anos que eu fiquei estudando, indo pra academia do Grammy, e tudo mais, é tipo, como que eu posso estar também dirigindo essas imagens? Então o Guilherme veio para acrescentar, porque ele é um menino super de bom gosto, já faz direção criativa para outros projetos e foi uma soma, assim, que eu vou levar pra vida, porque também me dá oportunidade de me ver diferente. É muito foda!

“AMOR FATI”

“Amor Fati” é aquela história lá de você ter amor às coisas que vão vir, independente do que vir, você vai ter que ter amor ao destino, você ali. Isso foi muito foda no meu processo, porque quando tá você e você no mundo, eu não sei quantos anos você tem, mas no final das contas é uma solidão gostosa e boa de saber também que é você que tá ali tomando as decisões, sem culpa, sem problematizar as coisas, de um mundo tão problemático, e eu acho que isso vai se refletindo um pouco nas composições, na canção e nas texturas. O álbum sai agora em abril e eu já tou muito animada pra lançar ele e já lançar outra coisa na sequência, assim já viciada em voltar a fazer músicas, tou muito ansiosa. E estar em São Paulo, que é o lugar onde as pessoas estão te ouvindo no bar, estão te ouvindo, que é diferente do Rio, que tem uma cultura muito carioca, São Paulo por ser muito plural, dá um gosto de você estar colocando seu som na rua. Tem a participação de outros compositores, a princípio esse feat do álbum é do Tagua Tagua, mas tem muita composição de outras pessoas, tem muita produção, tem muitas mãos que passaram pelo álbum, essa generosidade das pessoas que somaram nele me deu uma paz pra poder ir adiante. Eu tou bem animada, ele é uma retomada.

MÚSICA ALÉM DO CANTO

As pessoas esquecem um pouco, falam “ah, você é cantora”, eu fiz tanta coisa nesses dois anos, desde participar da composição da Liniker, por exemplo, da “Baby 95” [parceria de Liniker, Mahmundi, Tassia Reis e Tulipa Ruiz, faixa de “Indigo Borboleta Anil” (2021)], do álbum que ganhou o Grammy, produzi uma faixa no álbum da Anelis Assumpção [Rasta” (Anelis Assumpção/ Gustavo Ruiz/ Liniker/ Mahmundi/ Tulipa Ruiz), produção dela e da cantora, com sua participação especial, faixa de “Sal” (2022)], trabalhar em projetos com jovens, lá em Fortaleza, no projeto [Centro] Dragão do Mar [de Arte e Cultura], que é um projeto de capacitação para jovens que estão começando em música. Tudo isso, pra mim, é música em movimento. É difícil para as pessoas, elas estão acostumadas a ver a gente numa frente. Essa parte da música eu estou animada em voltar, e continuar explorando. A gente fala de um mundo diverso, plural, onde a gente pode fazer o que a gente quiser, mas na prática a gente ainda tem um padrão de como fazer. Eu vou continuar a minha saga, vamos ver pra onde vai.

CAMINHOS

É uma loucura, pra mim, que sei demais, eu fico brincando, esse negócio de saber demais é um saco. Porque você sabe todos os riscos. Eu era técnica de som, vim do cinema, fui técnica de áudio por muitos anos e comecei a fazer música, então essa é a terceira frente que eu estou vendo. E fico muito feliz de ver outras mulheres, por exemplo, produzindo seus próprios álbuns, a Josyara, a Jadsa [cantoras e compositoras baianas], a Larinhx, que é uma produtora de trap lá do Rio, quanto mais a gente tiver, não sei se no controle, mas acho que consciência, a gente se aprofunda, sabe? É claro que num país capitalistaço, que começamos a perceber que dá pra ganhar dinheiro nesse negócio de música, então naturalmente vai crescer a demanda de produtos e tudo mais, as pessoas vivem de música hoje em dia, pagam as contas, é muito complexo as pessoas julgarem o que um artista está fazendo, porque é a oportunidade da vida dele. Eu tou muito feliz e muito grata de saber que o mercado está mudando e a gente pode mudar e estar nessa mudança com ele, sem necessariamente tá ali, entrar no estúdio só para gravar voz e tudo mais. Está sendo revigorante.

REFERÊNCIAS

Tem uma cena no Rio de Janeiro que tem artistas que são muito genuínas, que é a cena do trap, do trio, eu acho que as pessoas deveriam ouvir, Nina do Porte, a Shury, que é uma artista que também está começando, a Larinhx, que é essa produtora, tem um projeto chamado “Eu gosto de garotas”, que é isso, mulher gostar de quem ela quiser, fazendo o som que ela quiser. Tem todos esses artistas que me atravessaram muito. Tem bandas que estão voltando pra cena, como Graveola, que é uma banda de Minas Gerais, tem o Tagua Tagua, que é também parte dessa pira de pesquisar o som, eu tenho amado tudo que tem saído, tem muita coisa saindo e isso tudo inspira a gente. O Bala Desejo, que eu gosto pra caramba também, Luciane Dom, deixa o pop gigante, acho que isso vai inspirando a gente a viver. O que eu aprendi muito com essas meninas, quando eu comecei a estar mais perto delas, é “faz com vontade, faz com garra”, às vezes você vai ganhar muito pouco, às vezes você vai ganhar muito, mas é não deixar de fazer, não deixar de sonhar. Essa é uma preocupação, eu que comecei muito novinha, era muito de “será que vai dar pra fazer?”, mas hoje com uma internet plural, que você consegue fazer uma música com um valor bem mais barato, e ainda assim tendo uma cançãozona, é muito inspirador, ainda mais no Brasil.

AGENDA

Eu entrego [o novo álbum] agora em abril e a ideia é fazer lançamento já a partir de maio, ver aí as casas, ver os Sescs, sair um pouco desse rolê Rio-São Paulo e dar uma passeada pelo Brasil, que eu estou morrendo de saudades de encontrar as pessoas, muito, assim, fazer esse trabalho de base todo, que é muito gostoso, tocar em casas pequenas, tocar em casas grandes, tocar em São Luís, que eu amo, e dar valor a todas as cenas e todas as frentes. Isso é uma coisa que eu gosto muito de lembrar, que quando você começa a crescer muito parece que você vai tendo que deixar de fazer certas coisas e tal. Mas tem essa coisa do funk, que sai de casa, que pega um trem pra te ver. Isso pra mim é o que me dá forças, os fãs são a parte mais generosa dessa história toda.

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Assista “Sem Necessidade”:

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