Fé e fúria. Frame. Reprodução
Fé e fúria. Frame. Reprodução

O avanço das religiões neopentecostais e sua teologia da prosperidade ajuda a explicar fenômenos como o bolsonarismo e o delicado momento econômico, social e político que o Brasil atravessa.

É o que mostra o ótimo documentário “Fé e fúria”, do cineasta Marcos Pimentel, gravado entre setembro de 2016 e julho de 2018 em favelas e periferias de Belo Horizonte/MG e Rio de Janeiro/RJ. Não é um filme isento, o diretor não tenta posar de imparcial. Ele conhece sua responsabilidade e não foge dela.

A obra cinematográfica abre espaço para pais, mães, filhos e filhas de santo em terreiros de religiões de matriz africana e para pastores e fiéis de igrejas evangélicas neopentecostais, além de traficantes.

Está muito em voga a palavra “polarização”, comumente usada para se referir à disputa eleitoral travada entre Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e Jair Bolsonaro, no PL, que disputam o segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Mas ela evoca uma falsa simetria, ao nivelar políticos desiguais e práticas de seus eleitores idem, em uma espécie de guerra em que só um lado morre.

O curioso no filme de Pimentel (que assina o roteiro com Ivan Morales Jr.) é que enquanto terreiros e seus frequentadores são costumeiramente violados, violentados, e até mesmo proibidos de professar sua fé em determinadas geografias, as religiões evangélicas neopentecostais têm o salvo conduto para agir nestas mesmas geografias, por vezes, ao arrepio da lei, protegidas pelos poderes – o do Estado e o paralelo, do narcotráfico. Sentem-se tão à vontade, que mesmo diante das câmeras não escondem sua intolerância, às vezes parecem mesmo orgulhar-se dela. Não toleram a diversidade, tratando os diferentes e suas práticas como “coisa do diabo”. Na Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, chegou a ser formado um “exército”, batizado Gladiadores do Altar, para combater o “mal” de raízes africanas. Em suma: fascismo em estado bruto – redundância intencional.

O filme traz fartos relatos de crimes, como filhas de santo apedrejadas (a menina Kayllane virou um símbolo da luta contra a intolerância religiosa após ver sua roupa branca ser manchada por seu próprio sangue apenas por estar usando trajes do candomblé), terreiros queimados e destruídos, casas de culto pichadas com expressões como “Jesus é o dono do lugar”, impedidas de funcionar; por outro lado, ex-viciados que se tornam pastores, ídolos da música gospel adentrando nichos do mercado musical (e da moda), como o funk e o pagode, comumente demonizados, mas contraditoriamente encampados em nome do lucro das igrejas.

Seja no campo político, seja no campo religioso – e sabemos que eles se misturam, apesar das ultrapassadas advertências dos tempos de nossos avós, de que política, religião e futebol não se discutem –, a intolerância religiosa é, em grande medida, fruto do racismo desde sempre vigente no Brasil. Se a política de cotas representou um mínimo avanço nesta pauta, um exercício importante de reparação histórica em um país que infelizmente mantém a mentalidade escravagista intacta, sua manutenção está em jogo.

“Fé e fúria” é um documentário ousado, corajoso, necessário e atual, apesar de suas filmagens datarem de antes da eleição do neofascista Jair Bolsonaro, com amplo apoio de setores evangélicos, que em nome de Deus, defendem sua reeleição, apesar de suas práticas não condizentes com a mensagem de Cristo: mentiras, escândalos de corrupção e centenas de milhares de mortes são os únicos legados de seu mandato.

Fé e fúria. Cartaz. Reprodução
Fé e fúria. Cartaz. Reprodução
Serviço: “Fé e fúria” (documentário, Brasil, 2019, 104 minutos) estreia nesta quinta-feira (13) em salas de cinema de Belo Horizonte, Brasília, Manaus, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Rio Branco, Salvador e São Paulo.

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Assista ao trailer:

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