Os irmãos Julia e Cristian, em cena de
Os irmãos Julia e Cristian, em cena de "Amanhã" - frame/reprodução

Um cineasta promove e filma o encontro de três crianças de origens e classes sociais distintas no início dos anos 2000 e tenta promover um reencontro entre os adultos que elas se tornaram 20 anos depois. O experimento social é o mote de Amanhã, novo filme de Marcos Pimentel.

Misto de documentário e making of, o filme acompanha sucessivas mudanças pelas quais o Brasil passou, mesmo sem citar mais demoradamente os nomes dos presidentes que ocuparam o Palácio do Planalto, entre eleições democráticas, golpes e o lava-jatismo, até as coisas voltarem a um patamar de certa normalidade.

A chamada polarização fica patente na recusa de um personagem em aparecer, sem apresentar qualquer justificativa – o que deixa o espectador sem certezas quanto ao que pode ter lhe acontecido para motivar tal decisão. E talvez seja neste mistério que resida o trunfo do filme, que poderia simplesmente ter sido abortado e não existir.

As imediações da Barragem Santa Lúcia, em Belo Horizonte/MG, são o cenário-fosso que separa os universos dos protagonistas: de um lado a favela, do outro um bairro de classe média.

Se o Brasil mudou tanto neste período, numa espécie de gangorra existencial coletiva, também mudaram Júlia Maria e Cristian de Miranda, os irmãos do lado “pobre” da Barragem.

O cineasta filma as crianças em atividades comuns, do cotidiano, brincadeiras inconsequentes, mas também indagando-lhes sobre sonhos para o futuro, de onde vem o título do filme.

O apartheid que a região da Barragem vivia em pleno início do século XXI é emblemático e demonstrado em uma cena do documentário, que mostra que as populações de ambos os lados não se misturavam sequer na hora do cooper: em vez de completar a volta ao redor, as pessoas que costumavam caminhar no local iam até a metade do percurso, fazendo um retorno para continuar os exercícios, sem nunca cruzar esta fronteira.

Com duas décadas de distância entre os momentos abordados, Marcos Pimentel, ao retomar (ou tentar) a trajetória das crianças que filmou no passado, acaba debatendo as transformações pelas quais o Brasil passou, inclusive com a radicalização e os retrocessos políticos. Se o silêncio diz muito em situações que exigem posicionamento, a ausência também pode ser reveladora.

"Amanhã" - cartaz/reprodução
“Amanhã” – cartaz/reprodução

Serviço: Amanhã (documentário, Brasil, 2023, 106 minutos), de Marcos Pimentel. Estreia dia 29 de fevereiro nos cinemas.

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Veja o trailer:

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