Há 19 anos, quando o pernambucano José Monteiro da Silva Neto começou a trabalhar como porteiro das salas 4 e 5 do anexo do Espaço Itaú de Cinema, na agitada Rua Augusta, os filmes que todo mundo queria ver eram Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, de Michel Gondry, e Menina de Ouro, de Clint Eastwood. As duas salas de cinema já tinham uma década de funcionamento, e Seu Zé, como era conhecido, vinha de uma agradável experiência anterior no Teatro Paiol, quando trabalhou para o casal de atores Nicete Bruno e Paulo Goulart. Depois que Paulo Goulart vendeu o Paiol, ele ainda trabalhou mais dois anos no teatro, mas, após o fechamento, foi contratado pelo Espaço Itaú.

Logo José pegou gosto pela agitação e eletricidade do ambiente cinéfilo do sobrado em que se instalara o Anexo do Espaço Itaú. Ele adorou Titanic, de James Cameron (1998), as maiores filas que enfrentou. Também amava O Auto da Compadecida (filme dirigido por Guel Arraes em 2000, com Matheus Nachtergaele e Selton Mello), e estava ansioso pela sequência do filme, anunciada para 2024. Teve uma época em que comprou um aparelho de DVD para assistir aos filmes de Mazzaropi, que adorava, e, após ganhar um celular da filha, costumava ficar ouvindo no aparelho a dupla de repentistas Caju e Castanha.

Naquela noite de quarta-feira, 15 de fevereiro, Zé estava aflito e um pouco atônito com a que poderia ser sua última jornada de trabalho após a notícia do súbito fechamento do cinema devido à praga da especulação imobiliária – praga que acabou não pegando no agradável cinema de rua, que dias depois foi declarado como Zona Especial de Proteção Cultural (Zepec) pela Prefeitura e seu prédio não poderá mais ser demolido para que se erga um novo espigão. “Não sei se vou continuar. Ninguém sabe. Alguns funcionários já foram acomodados no outro cinema”, contou Zé ao FAROFAFÁ.

Paciente e sorridente, José Monteiro respondeu a todas as indagações dos curiosos naquela noite, que seria de vigília, com uma exibição para convidados do filme A Última Floresta, de Luiz Bolognesi e Davi Kopenawa (uma mobilização que veio crescendo espontaneamente nos dias anteriores). José lembrou com alegria do tempo em que controlava filas que viravam a esquina da rua de baixo. “Era uma loucura, não se via o fim da fila”, contou. “Mas o cinema perdeu muito público, especialmente depois da pandemia”, diz o porteiro. “As estreias mesmo eram do lado de lá da rua, lá ficavam os famosos; mas, no fim, os filmes vinham todos para cá”, contou, recolhendo os tickets da sessão das 18 horas.

Hoje, segunda-feira, 17 de março, a gestão do Espaço Itaú informou em um comunicado afetuoso, por meio de suas redes sociais, o falecimento, por complicações cardíacas, do seu simpático porteiro José Monteiro. “Apaixonado pelas plantas, ele cuidava como ninguém do nosso charmoso jardim do Anexo e tinha o cinema como a sua segunda casa”, disse o texto. “Cumpriu lindamente a sua missão com paixão, dedicação e comprometimento. Aqui fica a nossa eterna gratidão e homenagem ao a Sr. Zé, que nos deixa repletos de saudade. Nossos sentimentos para todos familiares e amigos que tiveram o privilégio de conviver com ele”.

José Monteiro chegou a São Paulo em 1982, e trabalhou nas portarias de um prédio e de um colégio antes do teatro. Tinha 66 anos e quatro filhos – Ronise, Yasmin, Roney e Maria Aparecida. Era casado com Luciana desde 1999. “A trajetória de vida dele é essa: sempre trabalhando, uma pessoa íntegra, feliz”, disse Luciana. O corpo do pernambucano seria sepultado no Cemitério Miguel Paulino das Flores, em Cumaru, a 120 km do Recife, cumprindo-se o desejo dele quando descobriu que tinha problemas graves no coração: ser sepultado em sua terra natal.

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