A Funmilayo Afrobeat Orquestra - foto: Paris de Araujo/ divulgação
A Funmilayo Afrobeat Orquestra - foto: Paris de Araujo/ divulgação

O supergrupo Funmilayo Afrobeat Orquestra e a cantora, compositora, sanfoneira e artista circense Lívia Mattos são duas das atrações do Festival Feminino, que em sua quarta edição, chega à São Luís do Maranhão pela primeira vez em 2024. A programação acontece desta quinta (9) a sábado (11), oferecendo um leque que abarca poesia, performance, artes visuais, cinema, rodas de conversa e shows musicais.

Esta etapa do Festival Feminino já passou por Belém do Pará e, após São Luís, passa ainda por Vitória/ES (de 17 a 19 de maio), encerrando a programação em São Paulo/SP (21, 25 e 26 de maio). O evento tem patrocínio do Instituto Cultural Vale, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Toda a programação é gratuita – e pode ser acessada na íntegra no site do festival.

Este ano, o Festival Feminino tem como tema a música instrumental. Uma das premissas do evento é valorizar o protagonismo feminino na música, um meio ainda bastante machista, em pleno século XXI.

Em parceria com as rádios Timbira FM (95,5MHz) e Universidade FM (106,9MHz), FAROFAFÁ conversou com exclusividade com Rosa Couto (cantora, compositora e pesquisadora), da Funmilayo Afrobeat Orquestra [o grupo se completa com Jasper Okan (guitarrista, cantor e compositor), Stela Nesrine (saxofonista, cantora, compositora e sonoplasta), Sthe Araújo (percussionista e cantora), Afroju Rodrigues (artista, pesquisadora e arte-educadora), Ana Goes (saxofonista, cantora e compositora), Tamiris Silveira (pianista, tecladista e educadora musical), Vanessa Soares (dançarina, arte-educadora e produtora cultural), Larissa Oliveira (trompetista, cantora e compositora), Bruna Duarte (baixista), Priscila Hilário (baterista e percussionista) e Amanda dos Anjos (trombonista)], e com a cantora, compositora, acordeonista e artista circense Lívia Mattos.

Ouça uma versão resumida destas entrevistas

CINCO PERGUNTAS PARA ROSA COUTO, DA FUNMILAYO AFROBEAT ORQUESTRA

ZEMA RIBEIRO: Vamos começar falando um pouco do conceito da Funmilayo Afrobeat Orquestra, desde a homenagem à mulher que lhe dá nome, pioneira na luta pelos direitos das mulheres na Nigéria, e seu filho, Fela Kuti (1938-1997), outro pioneiro, criador do afrobeat, passando por sua formação até o cruzamento, honrando os homenageados, entre música e luta por direitos.
ROSA COUTO: É um prazer estar aqui e obrigada pela oportunidade de falar. Vai ser um prazer participar do Festival Feminino em São Luís, a nossa primeira vez no Maranhão, e queria agradecer primeiramente pela oportunidade de estar aqui conversando com vocês. A Funmilayo Afrobeat Orquestra é uma banda de afrobeat, que é um ritmo nigeriano, surgido mais ou menos ali nos anos 1970, criado por Fela Kuti, que é um dos maiores músicos africanos, foi um dos maiores músicos africanos, e que desenvolveu esse ritmo, que é bastante político, né? Influenciou diversas bandas do mundo, diversas formações, inclusive nós aqui no Brasil. Bom, a Funmilayo Afrobeat Orquestra é uma banda, então, que surgiu há cinco anos, e o nome Funmilayo vem justamente de uma pessoa, uma mulher, chamada Funmilayo Aníkúlápó-Kuti (1900-1978), e que foi mãe do Fela Kuti. O Fela foi um músico bastante político, foi um ativista também, e uma boa parte dessa prática política ele aprendeu na relação com a própria mãe, vendo a mãe dele atuar. A mãe dele foi uma mulher muito importante na Nigéria, uma mulher que lutou pelos direitos das mulheres, das mulheres pagarem menos taxas, como trabalhadoras, como vendedoras, mulheres do mercado, e foi a primeira mulher a dirigir um carro, e ela era bastante combativa também, uma mulher educadora, enfim, uma mulher à frente do tempo dela, e que passou, enfim, à maneira dela, essas premissas educativas para o filho, para os outros filhos também, e o Fela acabou se influenciando muito com isso, e isso se refletiu na música dele, na música que ele fazia, que ele começou a compor. Inclusive ela foi a primeira pessoa a dizer para ele, num certo momento, você precisa tocar uma música que as pessoas, que os africanos, as pessoas, enfim, entendam, que elas compreendam, que faça sentido, que faça sentido para a vida delas, e a partir daí ele começa a refletir um pouco mais sobre o tipo de música que ele faz, e a nossa banda aqui no Brasil, a Funmilayo Afrobeat Orquestra, resolveu homenagear justamente a mãe do Fela, por ser uma mulher, por ser uma mulher negra, uma mulher negra africana, por ter sido uma pessoa importante para a história da Nigéria, e sido uma pessoa também fundamental para o Fela desenvolver o gênero musical afrobeat, o modo como ele pensa, a forma como ele pensa a música.

ZR: Como surge a Funmilayo Afrobeat Orquestra?
RC: A nossa banda, que foi criada pela Stela Nesrine e pela Larissa Oliveira, a Stela é saxofonista, cantora e compositora, e a Larissa é trompetista, cantora e compositora também da banda, fazem parte da banda, as duas pessoas que tiveram essa iniciativa de começar a juntar outras mulheres, outras pessoas, enfim, e pensar a formação da banda. A partir daí foram chegando pessoas diferentes, de diferentes formações, de diferentes backgrounds, de diferentes pontos de vista, e que se juntaram ali para pensar a música juntas, que se juntaram para produzir, para criar e se colocar nesse mercado da música, que é muito, continua sendo ainda no século XXI, um ambiente muito dominado pelos homens, muito organizado pelos homens e que a gente precisa o tempo todo se colocar, não só as mulheres cisgênero, mas também as mulheres trans, as pessoas não binárias, as pessoas lésbicas, enfim, os gays precisam se posicionar muito nesse ambiente que muitas vezes é tóxico para as pessoas, para não-homens, vamos dizer assim, enfim, e que precisa se posicionar, e eu acho que pensar num espaço coletivo como a Funmilayo é muito gratificante porque é um espaço em que a gente pode se posicionar, a gente pode trazer as nossas questões, a gente pode compor e criar um espaço seguro, vamos dizer assim, em que a nossa subjetividade possa ser expressada, sabe?, sem passar pelo crivo necessariamente masculino.

ZR: Vocês têm um álbum lançado. Vamos falar um pouco deste trabalho e do conceito por trás dele.
RC: Em 2022, em dezembro de 2022, nós lançamos um disco, nosso primeiro disco, que está muito bonito, se puderem escutem, é um disco que se chama Funmilayo, e ele foi pensado a partir de um projeto em que nós homenageávamos algumas pessoas, algumas mulheres que nós consideramos importantes, não só na nossa formação política, mas na música e tal, enfim, as músicas não foram criadas para cada uma das pessoas homenageadas, mas elas, a trajetória de várias mulheres como Elza Soares (cantora, 1930-2022), Conceição Evaristo (linguista e escritora), Lélia Gonzalez (escritora, ativista, professora, filósofa e antropóloga, 1935-1994), Beatriz Nascimento (historiadora, professora, roteirista, poeta e ativista, 1942-1995), enfim, trajetórias que nós percebemos que têm muita luta, que têm muita criatividade, muito posicionamento em comum, e essas lutas elas nos inspiram também, então, de alguma forma, nós quisemos nos colocar também, nos filiar a essas mulheres, a essas pessoas de alguma forma, e produzir um disco em que a gente pudesse expressar de alguma forma as nossas trajetórias também, tendo em vista que essa trajetória que nós seguimos, ela não começou agora, ela começa lá com essas mulheres que a gente cita, que a gente cita antes de nós, nossas mães, nossas avós, nossas tias, nossas bisas e por aí vai. Esse disco, ele é inteiro composto de músicas originais, então é um privilégio, né? Eu acho que o trabalho autoral é sempre um privilégio e no show do Festival Feminino a gente vai trazer algumas faixas (do álbum). É muito importante pra gente estar no Festival Feminino, fazer parte dessa conjunção de grandes artistas que estão presentes, então, pra nós é uma honra e um privilégio o convite e a gente vai ter também esse privilégio de circular, de sair de São Paulo, levar o nosso som para outros espaços, literalmente trocar com o público de outros espaços, então a gente está muito agradecida, muito feliz, eu espero que o público de São Luís goste do nosso som e que a gente possa fazer um bom show, ter uma boa temporada aí.

ZR: Você já disse que o grupo vai trazer algumas faixas do primeiro álbum para o palco, mas a Funmilayo Afrobeat Orquestra tem lançado singles, mais recentemente. Afrobeat Substantivo Feminino é o título do show que vocês trazem nesta primeira visita à São Luís. Eu gostaria de aprofundar um pouco mais o que vocês estão preparando e o que o público pode esperar para esta apresentação.
RC: O show Afrobeat Substantivo Feminino surge de uma ideia, de um artigo que eu havia escrito. Acho que é importante situar também, eu tenho uma trajetória na pesquisa, também na pesquisa acadêmica, em que eu pesquisei Afrobeat, venho pesquisando Afrobeat também academicamente, e numa das situações de escrever, eu escrevi um texto que se chama justamente Afrobeat Substantivo Feminino, e esse acabou se tornando o nome do show, justamente porque nesse trabalho eu comento um pouco sobre a importância das mulheres. E aí a gente começou também um processo de começar a pesquisar mulheres africanas que também estavam tocando Afrobeat ou gêneros próximos, como o Highlife, a Soul Music, enfim, gêneros próximos do Afrobeat, gêneros que se comunicam com o Afrobeat, tanto no Brasil quanto em outros lugares, e esse é um processo continuo, que nós temos feito na banda, de fazer esse levantamento. Então, a cada hora uma pessoa traz um nome diferente, a gente escuta as músicas, a gente decide se cabe no nosso repertório ou não. E é justamente esse show que a gente vai apresentar para vocês, não só com artistas africanas, como as Lijadu Sisters, por exemplo, mas também com artistas brasileiras, como a própria Elza Soares. Então, esse show é um show que a ideia é que a gente vá sempre transformando no decorrer do tempo para que a gente possa incluir os resultados desse processo de levantar nomes, de trazer nomes novos, de fazer o público conhecer também essas artistas. Então, o público pode esperar um show feito com muito carinho, um show feito com muito trabalho, com muita dedicação, e um show animado, dançante, mas um show também que tenta trazer um pouquinho de discussão, de conscientização, mas isso sem perder energia. Então, eu espero que vocês gostem e que seja um show especial, com certeza vai ser.

ZR: E em que novos projetos a Funmilayo anda mergulhada?
RC: Falando sobre os novos projetos da Funmilayo, nós temos trabalhado, além desse processo contínuo de pensar o repertório, nós acabamos de lançar dois singles, que nós gravamos com o Seun Kuti e a banda Egypt 80. O Seun Kuti é um dos filhos do Fela Kuti, esse músico nigeriano icônico que eu comentei, que, enfim, nós comentamos sempre. Ele é o artista, um dos filhos do Fela, que está à frente da banda que tocava, uma parte da banda que tocava com o Fela Kuti quando ele era vivo. Então, a Egypt 80 foi a última banda que ele teve, que gravou diversas faixas muito importantes, diversas músicas muito importantes e muito icônicas. E nós tivemos o prazer de gravar dois singles com eles, da última vez que eles estiveram no Brasil [em novembro de 2023]. Eles vieram fazer uma turnê pelo Brasil, nós aproveitamos o momento, fomos para o estúdio e gravamos uma jam session com eles. A ideia era gravar uma única faixa, que é a “Upside Down” [de Fela Kuti], que é uma faixa que, historicamente, é tocada pelo Fela, pela banda, mas também pela Sandra Isidore [antes Sandra Smith], que foi uma ativista dos Panteras Negras, que o Fela conheceu e se envolveu com ela quando ele foi para os Estados Unidos, eles ficaram muito amigos, muito próximos e ela foi uma grande influência política para ele também, uma outra mulher importante na vida do Fela, então “Upside Down” é uma música muito importante para a gente, por ter essa presença feminina e nós tivemos o privilégio de gravar com a banda do Seun Kuti, enfim, cantada pela Yetunde Kuti, que além de ser esposa do Seun, também é uma das dançarinas da banda, ela canta também, é uma maravilhosa, então ela grava a voz principal, nós fazemos coro, acompanhamos a banda, enfim, é uma banda gigantesca, esse material está disponível no Spotify também, está disponível em todas as plataformas de streaming, no youtube dá para ver a jam session que nós gravamos também [assista acima], está muito bonito. Além desse lançamento que nós acabamos de fazer no mês passado, tem também um outro material que a gente vai lançar ainda esse ano, também em parceria com uma artista camaronesa, mas vamos deixar esse no mistério [risos].

A cantora, compositora, sanfoneira e artista circense Livia Mattos - foto: Tiago Lima/ divulgação
A cantora, compositora, sanfoneira e artista circense Livia Mattos – foto: Tiago Lima/ divulgação

QUATRO PERGUNTAS PARA LÍVIA MATTOS

ZR: Lívia, não é tão comum ver uma mulher tocando sanfona. Ainda há muito preconceito contra o instrumento ou isso é coisa do passado?
LÍVIA MATTOS: Pois é, ainda tem muito preconceito com relação ao instrumento no sentido de categorizá-lo dentro de determinados gêneros, como se ele não pudesse tocar outros gêneros ou mesmo experimentar outras possibilidades, então tem uma escuta um tanto fechada para a sanfona. Em relação à mulher sanfoneira, a mulher tocando sanfona, há sempre uma atmosfera de desconfiança, tanto no ao vivo, de ver se está tocando mesmo, o que não acontece quando é um homem tocando, como também eu já ouvi várias situações de gravação, de uma pessoa ouvir uma gravação que eu fiz e falar, não, isso aí não é você tocando, isso aí não é uma mulher tocando sanfona, então ainda é muito presente esse preconceito e a gente tem que lidar. Ser sanfoneira é um ato de resistência, sem dúvida, contra todo esse patriarcalismo instituído.

ZR: Como você avalia a importância do Festival Feminino, desde o conceito até a circulação que faz, com cada edição visitando diversas geografias?
LM: Eu acho que é um festival que lida com muito frescor, frescor é uma palavra boa, no sentido de uma luta com relação a essa invisibilização da atuação das mulheres na música brasileira, e o festival vai trazendo atrações não óbvias dentro desse contexto e provocando esse trânsito e esses encontros entre as mulheres. Então vai puxando de lado aqui e acolá, trazendo aquela coisa de, sabe, [cita trecho de “Rep”, de Gilberto Gil:] “o povo sabe o que quer/ mas o povo também quer o que não sabe”. Então provocando esse lugar de uma escuta aberta para o que está sendo feito hoje com relação à atuação das mulheres na música. Eu acho fundamental, é muito importante que haja ações nesse sentido, que sejam realmente restritas no sentido de potencializar o protagonismo das mulheres. Eu espero que em um momento a gente caminhe na humanidade para que não seja mais necessário, para que as coisas sejam colocadas e dadas de outra forma. Mas ainda agora, nesse momento que estamos, de muita luta, de mudanças de paradigmas, é fundamental esse tipo de ação, como o Festival Feminino.

ZR: Seu álbum mais recente é Apneia, de 2022. A edição deste ano do Festival Feminino tem a música instrumental como tema. O que você está preparando para a apresentação em São Luís?
LM: O meu álbum Apneia é um álbum híbrido entre músicas instrumentais e canção. Então eu vou trazer as músicas instrumentais do Apneia e vou trazer músicas instrumentais novas que não estão gravadas ainda e também músicas de outros compositores, de outras pessoas que me inspiram em um lugar que também se relaciona com o álbum, nessa leitura de mundo, na relação com a música no mundo, com o mundo em si, com a existência. E vou estar com uma formação bem especial, que é o meu trio, que é tuba, batera e sanfona, mais Aline Gonçalves, que é uma instrumentista que toca clarinete, flauta baixo, e pífano. Então uma sonoridade bem diferente, assim, de combinação com a sanfona e é uma marca do trabalho também, essa arregimentação que provoca uma outra sonoridade. Então eu espero que o público esteja aberto a essa escuta e vai ser um encontro muito gostoso, eu não tenho dúvida.

ZR: E o que pode nos adiantar de novos projetos? O que o fã clube da Lívia Mattos pode esperar para breve?
LM: Bom, esse ano eu faço 20 anos de carreira. 20 anos da minha primeira atuação que eu considero profissional nos palcos, assim. E é uma carreira híbrida, né? Entre a música e o circo. É uma atuação que veio meio imbricada. Eu comecei a tocar justamente no circo. E, então, é um ano de celebração. Eu estou com milhões de ideias de espetáculos, shows, singles, discos. E a gente vai buscando as formas de viabilizar. Então, estamos nessa busca agora do que vai ser viável e vamos soltar esse ano. Mas as ideias, a criação, estão a todo vapor, assim. E eu peço aqui aos leitores que acompanhem o trabalho, acompanhem as redes sociais aqui, porque vem novidade por aí. E eu vou soltando aqui e acolá. A gente vai fazer uma turnê agora também em julho. É uma turnê europeia, mais uma. A gente fez uma ano passado, de 40 dias. Depois voltamos, fizemos mais 10 (dias). E agora a gente volta em julho, mais centralizado em Portugal e França. E a agenda está cheia. Com esses projetos, então, vamos ver o que é que de fato consigo soltar para todos esse ano, mas muitas ideias na cabeça, muita coisa, muita criação, vem junto comigo que vai ter assunto!

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