Anton Tchekhov é um dos dramaturgos mais amado por atores e dramaturgos por uma série de razões. Seus personagens são tridimensionais, fogem de arquétipos ou caricaturas, transitam do dito para o não-dito num piscar de olhos e abordam sentimentos universais como frustração, amor não-correspondido, tédio, desejo por mudança, transitoriedade e finitude da vida. É e será sempre uma inspiração. Em Um Jardim para Tchekhov, espetáculo de Pedro Brício com direção de Georgette Fadel, o autor russo não apenas permeia a narrativa, mas emerge como personagem de uma trama que, com humor e delicadeza, conecta esse universo à realidade contemporânea brasileira.
Complexas, as peças de Tchekhov vêem beleza e drama no cotidiano, o que obriga os encenadores a encontrarem a intensidade em gestos simples e diálogos banais. E é isso o que se verá na interpretação de Maria Padilha para Alma Duran, uma atriz veterana em busca de novos significados para sua vida em tempos de incerteza. Morando em um condomínio no Rio de Janeiro com a filha médica Isadora (Olivia Torres) e o genro Otto (Erom Cordeiro), um policial, Alma sonha em montar uma produção de O Jardim das Cerejeiras enquanto dá aulas de teatro à jovem Lalá (Iohanna Carvalho). A entrada do próprio Tchekhov (Leonardo Medeiros) na história (é teatro!) adiciona à peça um elemento metalinguístico que reafirma a atemporalidade do autor russo e a profundidade de sua influência mesmo no calor carioca.
Um Jardim para Tchekhov celebra o teatro e sua capacidade de nos conectar ao passado enquanto refletimos sobre o presente. Ao trazer Tchekhov para o palco de forma literal e simbólica, a montagem reafirma o poder da obra do escritor russo como uma lente pela qual continuamos a enxergar a complexidade da condição humana. Assim como O Jardim das Cerejeiras aborda a transição e o desapego, esta peça escrita por Pedro Brício é um convite a olhar para o teatro como um espaço de resistência, transformação e memória.
A figura de Tchekhov, que surge como um fantasma ou um interlocutor, é um artifício teatral que reforça a universalidade de seus temas. Ainda que ambientada no Rio atual, a peça dialoga com questões universais, como o medo do esquecimento, a resistência à mudança e a necessidade de encontrar significado em meio à banalidade do cotidiano. Alma Duran, a protagonista, é uma artista que, como todos que envelhecemos, reflete sobre sua relevância em um mundo que parece cada vez mais alheio à arte e tolerante à intolerância.
Assim como outras adaptações de Tchekhov, como Por que não vivemos como poderíamos ter vivido? e AO VIVO [dentro da cabeça de alguém], Um Jardim para Tchekhov se apropria do subtexto para criar uma dramaturgia que não precisa de um enredo grandioso ou didático demais. O que importa é o que não é dito: os olhares, os silêncios e as contradições que revelam a complexidade humana. Maria Padilha, em uma performance singela, encarna a essência tchekhoviana ao explorar a fragilidade e a resiliência de quem, aos olhos de muitos, parece ter deixado os melhores anos para trás (ledo engano). É Tchekhov, mais uma vez, provando que as palavras – e os silêncios – continuam a florescer em todos os cantos do mundo.