No ano em que dois roteiristas brasileiros foram premiados num dos mais importantes festivais de cinema do mundo (o de Veneza, pelo filme Ainda Estou Aqui), ainda é uma tarefa difícil achar nas reportagens sobre o filme o nome dos profissionais premiados: Murilo Hauser e Heitor Lorega. Não é, entretanto, uma situação incomum: a Associação Brasileira de Autores Roteiristas (ABRA) acaba de divulgar um mapeamento da atividade de roteiristas profissionais no Brasil em 2024 e as conclusões reforçam essa “invisibilização” desse trabalhador fundamental do cinema: 11% dos roteiristas entrevistados disseram que já tiveram seus nomes creditados de forma errônea nos filmes dos quais participaram, e 28,6% já tiveram os nomes simplesmente omitidos dos créditos.
O Mapeamento da Associação Brasileira de Roteiristas revelou ainda problemas de remuneração inadequada (54,2%), escassez de trabalho (53,5%) e contratos injustos (41%) na sua labuta cinematográfica. A pesquisa apontou que a maioria das pessoas no mercado já trabalham entre 5 a 15 anos com roteiro, não tem parentes na área audiovisual, trabalham de casa, são autônomas, e realizam outras atividades para se manter, além do desenvolvimento de roteiro. 40% dos roteiristas no Brasil não obtiveram renda com roteiro neste ano (ou faturaram menos de um salário mínimo).
O diagnóstico aponta para a necessidade de uma ação de Estado para minorar a situação e estimular a atividade, crucial para o desenvolvimento de uma indústria audiovisual. Conforme o levantamento, apesar dos percalços e da precarização, 30% dos roteiristas ouvidos se mostraram otimistas em relação a 2025. O Mapeamento ABRA 2024 foi realizado de forma totalmente virtual, dentro da plataforma MINHA ABRA. Foram configuradas as respostas de 954 associadas, respondidas ao longo dos anos de 2023 e 2024. O questionário foi composto por 59 campos de pergunta e resposta divididos em 9 sessões, representando 2 sessões e 20 perguntas a mais em relação ao Mapeamento anterior, de 2022
“A comparação com dois anos atrás também aponta agravamentos de situações que já eram críticas. Associadas que trabalham exclusivamente com roteiro caíram de 35.2% para 27.5%, e entre aquelas que tinham outro trabalho remunerado por escolha, os números
despencaram de 41.4% para 29.7% – enquanto as que tem outro trabalho remunerado por necessidade subiu de 24.5% para 31.8%. Em outras palavras, parece seguro afirmar que nos últimos 24 meses, se tornou ainda mais difícil conseguir sobreviver exclusivamente com o
trabalho de roteirista no Brasil.
A queda de roteiristas CLT contribuiu para esse cenário grave. De 10.5% em 2022, a contratação pelo regime de CLT caiu para 5.5% em 2024. Até mesmo as roteiristas fixas, mas pejotizadas, observaram uma queda de 13.1% para 8.8%, confirmando a escassez de trabalhos regulares no mercado. Cerca de 34,6% das associadas participaram de editais públicos, sendo que, destes, 55% foram da Lei Paulo Gustavo e 14% da Lei Aldir Blanc.
A pesquisa mapeou as principais dificuldades enfrentadas no dia a dia do trabalho de roteirista no Brasil, além de identificar as pautas prioritárias para a ABRA, nas quais se destacam por exemplo a luta pela garantia de direitos autorais, regulação das plataformas de Video Sob Demanda (VOD), melhores condições de remuneração atreladas a recursos públicos.