Sergio Mendes, embaixador informal da música brasileira na Terra

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Nascido em Niterói e participante da mitologia carioca do Beco das Garrafas no início dos anos 1960, o pianista, compositor, arranjador e produtor musical Sergio Mendes (1941-2024) foi um dos caçulas da bossa nova, ao lado de nomes como Marcos Valle, Eumir Deodato, Edu Lobo e Dori Caymmi, ainda imberbes quando Tom Jobim e João Gilberto começaram a palmilhar o longo caminho rumo às estrelas.

A primeira juventude de Sergio Mendes aconteceu no contexto dos conjuntos de samba-jazz, uma variante instrumental mais suburbana e mais envenenada do núcleo duro reunido nos apartamentos de Copacabana e Ipanema. A internacionalização seria seu destino, mas esse brasileiro exilado nos Estados Unidos desde 1964 jamais deixaria de amar a música de seu país e de atuar como um embaixador informal e um tanto incômodo da música do Brasil ao redor do planeta Terra, frequentemente mal-compreendido por seus conterrâneos. Acompanhe no texto e na playlist abaixo uma linha do tempo das voltas ao redor do mundo e da vasta discografia de Sergio Mendes.

Anos 1960: samba-jazz, Brasil ’65 e Brasil ’66

Sergio Mendes, "Dance Moderno" (1962)

Sergio Mendes, Dance Moderno (Philips, 1961 ou 1962) – Apesar da capa antiquada, o primeiro LP do jovem Sergio Mendes surge afinado com a vassoura modernizadora da bossa nova – a primeira faixa é uma versão instrumental bem jazzística de “Hô-Bá-Lá-Lá” (1959), uma das composições inaugurais do baiano João Gilberto. O repertório coloca lado a lado o jazz de Cole Porter, Duke Ellington, Horace Silver, Jimmy Dorsey e Art Blakey, composições fresquinhas de bossa-novistas de primeira hora e/ou precursores, como João, Johnny Alf (“Disa“) e Tom Jobim (“Outra Vez”), e samba-jazzistas envenenados como Ed Lincoln e Silvio Cesar (“Olhou pra Mim”) e Durval Ferreira (“Tristeza de Nós Dois”, “Diagonal“). Ao piano, Sergio atua aqui como líder do Sexteto Bossa Rio, integrado por Durval Ferreira (violão), Octavio Bailly Jr. (contrabaixo), Dom Um Romão (bateria), Paulo Moura (saxofone) e Pedro Paulo (trompete).

Vários, Bossa Nova at Carnegie Hall (Audio Fidelity, 1963) – Em 1962, Sergio compôs a controversa caravana que iria apresentar a bossa nova brasileira ao público estadunidense, com um show coletivo no Carnegie Hall, em Nova York. No álbum ao vivo que ficou como registro desse episódio, ele ocupa a primeira faixa, “One Note Samba”, ou seja, o “Samba de Uma Nota Só” de Tom e Newton Mendonça, eternizado em 1959 por João Gilberto.

Cannonball Adderley with The Bossa Rio Sextet from Brazil, Cannonball’s Bossa Nova (Riverside, 1963) – Embora cronistas brasileiros noticiassem um fiasco total da bossa no Carnegie Hall, os Estados Unidos capturaram imediatamente para si seus principais artistas, notadamente Tom Jobim e João Gilberto. Sergio Mendes também capitalizou a aventura na primeira hora: o saxofonista norte-americano de jazz Cannonball Adderley catapultou o Sexteto Bossa Rio (ou melhor, o Bossa Rio Sextet from Brazil) para acompanhá-lo no álbum Cannonball’s Bossa Nova, com crédito para o conjunto na capa de perfume turístico. No repertório 100% brasileiro, Adderley contemplou Tom Jobim, João Donato, a “Batida Diferente” de Durval Ferreira e Maurício Einhorn, o “Sambop” de Durval e Paulo Moura e o “Groovy Samba” de Sergio Mendes (sua primeira composição gravada, portanto).

Herbie Mann, Do the Bossa Nova (Atlantic, 1963) – No mesmo ano, o flautista nova-iorquino Herbie Mann lançou o LP Do the Bossa Nova, cuja capa explicava: “Recorded in Rio de Janeiro with the greatest bossa nova players”. Todas as composições são brasileiras, exceto o samba(-jazz) “Bossa Velha (Old Bossa)”, do próprio Mann, e “Blues Walk” (ou “Blues Walk Bossa Nova”), assinada por Clifford Brown e acompanhada por The Sergio Mendes Sextet (o mesmíssimo Bossa Rio de Dance Moderno e Cannonball’s Bossa Nova). Enquanto isso, no Brasil de 1963, João Donato lançou mais uma composição instrumental inédita do jovem Sergio Mendes, “Noa… Noa”.

Sergio Mendes & Bossa Rio, Você Ainda Não Ouviu Nada! (Philips, 1964) – De volta ao Brasil, o Bossa Rio reformulado (com Tião Neto no contrabaixo, Edson Maciel e Raul de Souza nos trombones, Hector Costita no sax tenor e Édison Machado na bateria) acompanhou Sergio em seu segundo álbum como band leader de samba-jazz, o vibrante Você Ainda Não Ouviu Nada! O LP conta com arranjos do maestro afro-pernambucano Moacir Santos, patrono da vertente que já desagua nos afro-sambas de Baden Powell e Vinicius de Moraes. Em Você Ainda Não Ouviu Nada!, aparecem algumas das primeiras Coisas (1965) de Moacir Santos, a “Coisa Nº 2” e o jazz-candomblé “Coisa Nº 5” (1963, mais conhecido como “Nanã”, em versões cantadas por Nara Leão e Wilson Simonal). Além da inédita autoral “Primitivo” e de “Noa Noa” em versão autoral, o disco se espalha por releituras instrumentais de jovens standards da bossa nova, como “Desafinado” (1959), “Corcovado”, “O Amor em Paz” (1960), “Garota de Ipanema” (1962) e “Ela É Carioca” (1963), todas de Tom Jobim, todas gravadas (no passado ou no futuro) por João Gilberto. A faixa final, “Neurótico“, é composição do saxofonista carioca J.T. Meirelles, que com seu conjunto de samba-jazz Os Copa 5 ajudou a formatar em 1963 o Samba Esquema Novo (1963) de Jorge Ben, companheiro de Sergio no Beco das Garrafas.

Sergio Mendes Trio, Bossa Nova York (Elenco, 1964 ou 1965) – Fora da multinacional Odeon, onde ajudou a revelar João Gilberto, o produtor musical Aloysio de Oliveira (integrante original do Bando da Lua, que acompanhara Carmen Miranda em sua viagem sem volta para os Estados Unidos) fundou o selo independente Elenco, o primeiro a lançar no Brasil álbuns de Tom Jobim, Baden Powell, Nara Leão e Outros. Bossa Nova York confirma a internacionalização de Sergio Mendes. O Sergio Mendes Trio, completado por Tião Neto no contrabaixo e Chico Batera na bateria, conta aqui com o auxílio luxuoso de Tom Jobim (no violão) e dos norte-americanos Art Farmer (fluegelhorn), Phil Woods (sax alto) e Hubert Laws (flauta). Embora sem letras, surgem temas engajados da bossa nova em processo de transformação: “Maria Moita” (de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, 1964) e “O Morro Não Tem Vez” (Tom e Vinicius, 1963). Com Sergio Mendes definitivamente radicado nos Estados Unidos, esse disco sairá lá em 1965, pela Atlantic, sob o título The Swinger from Rio.

Wanda de Sah featuring The Sergio Mendes Trio, Brasil ’65 (Capitol, 1965) – O primeiro produto de Sergio Mendes lançado a partir dos Estados Unidos chega com propaganda de capa superlativa. “Recorded in Hollywood… the greatest new South American arrival since coffee”!, infla o texto, em referência a Brasil ’65, o que incorpora, além do Sergio Mendes Trio, a cantora paulistana Wanda Sá (“introducing the sunny, refreshing voice of Wanda de Sah”, continua o texto-propaganda) e “the subtle contemporary guitar of Rosinha de Valença. Poderia ter se somado a essa vitrine o nome de Jorge Ben, se ele não tivesse desistido da empreitada e voltado para o Brasil. Bastante jazzístico, Brasil ’65 se apoia na voz de Wanda emulando a da baiana Astrud Gilberto, que emplacara em dueto com o marido João Gilberto o hit internacional “The Girl from Ipanema” (1964), no disco de João com o saxofonista estadunidense Stan Getz (e com Tom Jobim). Wanda canta suavemente “So Nice” (versão em inglês do “Samba de Verão” de Marcos Valle, de 1963), “She’s a Carioca” (idem para “Ela É Carioca”) etc.

Sergio Mendes-Brasil ’65, In Person at El Matador! (Atlantic, 1965) – Contratado pela gravadora Atlantic, Sergio transforma Brasil ’65 no nome de seu grupo e mantém o formato jazzístico-instrumental no LP In Person at El Matador!, com Rosinha de Valença (violão), Tião Neto (contrabaixo), Chico Batera (bateria) e Paulinho Magalhães (percussão). A bossa engajada de Edu Lobo se destaca em “Reza” (1964), com vocais masculinos que prenunciam o que vem por aí, e “Arrastão” (1965), uma das quatro faixas que ainda incluem o canto de Wanda Sá. O piano de Sergio Mendes soa também em The Sound of Ipanema (1965), gravado no Rio, em que o saxofonista norte-americano Paul Winter se rende à bossa, às composições e à voz do carioca Carlos Lyra.

Sergio Mendes, The Great Arrival (Atlantic, 1966) – Sergio Mendes tateia seu projeto pop ainda em 1965, gravando “All My Loving” (1963), dos Beatles, num compacto que precede seu último LP pela Atlantic, The Great Arrival. Aqui ele se afasta do jazz puro e do samba-jazz e se aproxima do easy listening, em versões instrumentais agora forradas de cordas para hits de Burt Bacharach e The Mama’s and The Papa’s – mas também de Tom Jobim, Edu Lobo, Geraldo Vandré

Sergio Mendes & Brasil ’66, Herb Alpert Presents Sergio Mendes & Brasil ’66 (A&M, 1966) – As tentativas até aqui tinham resultado em baixas vendagens, mas tudo mudou com a associação à gravadora A&M, que o trompetista norte-americano Herb Alpert havia fundado em 1962 para veicular o combo easy listening latino-americanizado Herb Alpert & Tijuana Brass. Apesar de ser filho de migrantes judeus da Romênia e da Ucrânia, Alpert cravou hits instrumentais metalizados de forte sabor latino-euro-americano, quando não particularmente tex-mex, como “The Lonely Bull (El Solo Toro)”, “Limbo Rock” (1962), “Spanish Harlem” (1963), “All My Loving” (a mesma canção dos Beatles que o Brasil ’65 testará a seguir), “Mexican Shuffle” (1964), “Bittersweet Samba“, “Spanish Flea”, “Zorba the Greek” (1965), “Brasilia” (1966), “Casino Royale” (1967) – e “Desafinado” (1962), “The Girl of Ipanema” (1964), “A Banda” (1967, de Chico Buarque)…

No novo formato imaginado para Sergio Mendes & Brasil ’66 (e não mais ’65), Wanda Sá foi substituída pela norte-americana Lani Hall, que canta em inglês e em português macarrônico, em dupla com a futura atriz e modelo brasileira Bibi Vogel (a segunda vaga será sucessivamente substituída ao longo dos anos). O som característico do Brasil ’66 será executado em indefectíveis vocais agringalhados, por um coro misto composto por mulheres e homens, brasileiros e gringos, sobre uma seção rítmica também binacional de instrumentistas de bossa nova e um indefectível vocal agringalhado. A capa tropicalizada anuncia a versão florestal de “Mas Que Nada” (1963), de Jorge Ben, que abre estrondosamente o álbum, destinada a se tornar um hit mundial daqueles de atravessar décadas, até furar o século XXI. Em algumas gravações dessa música, um subtítulo explica educativamente a pronúncia, “Ma-Sh Kay Nada”. O cardápio conecta e compacta mais samba-jazz de Jorge Ben (“Tim-Dom-Dom“, 1963), número da Broadway (“The Joker”, 1964), bossa de Tom Jobim (“Samba de Uma Nota Só”, 1960, “Água de Beber”, 1961) e de Baden Powell (“Berimbau“, 1963), yeah-yeah-yeah dos Beatles (“Day Tripper”, 1965), soul-pop do grupo Little Anthony & The Imperials (“Goin’ Out of My Head”, 1964) etc.

Sergio Mendes & Brasil ’66, Equinox (A&M, 1967) – Repete-se a fórmula do LP anterior, tendo como carro-chefe agora “Constant Rain”, versão orientalizada em inglês para “Chove Chuva” (1963), do mesmo Jorge Ben que não topara acompanhar Sergio Mendes na aventura norte-americana. A salada de frutas dessa vez incorpora “Night and Day” (Cole Porter, 1933), “Bim Bom” (João Gilberto, 1958), “Day Tripper” (Beatles, 1965), “Gente” (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1965) etc. Sergio grava pela primeira vez versões cantadas das novíssimas “Triste” e “Wave”, de Tom Jobim, essa com letra em inglês creditada ao próprio Tom – a versão em português, chamada “Vou Te Contar”, surgirá em 1968, cantada pelo Quarteto 004.

Sergio Mendes & Brasil ’66, Look Around (A&M, 1967) – Recordista de vendagem nos Estados Unidos, onde chegou ao quarto lugar na parada pop, o terceiro LP do Brasil ’66 (a partir de agora sob arranjos e orquestrações do pianista norte-americano Dave Grusin) traz como carro-chefe não mais Jorge Ben, mas as novas “With a Little Help from My Friends”, dos Beatles, e “The Look of Love”, de Burt Bacharach, lado a lado com novidades brasileiras como o protesto “Roda“, de Gilberto Gil, e a festivalesca “O Cantador” (traduzida para “Like a Lover“), de Dori Caymmi e Nelson Motta, ou a bossa inédita e instrumental “The Frog”, de João Donato, que em 1974 Caetano Veloso e Gal Costa transformarão em “A Rã” (em 1972, Sergio e Donato tentariam repetir a dose, sem o mesmo êxito, trocando sapo por caranguejo em “The Crab“). Apresentada na edição daquele ano do Oscar, a versão do Brasil ’66 para “The Look of Love” desbancou a da cantora inglesa Dusty Springfield e chegou ao top 10 da parada norte-americana.

Sergio Mendes, Quiet Nights (Philips, 1967 ou 1968) – Título raro e misterioso, Quiet Nights foi gravado em data controversa (para alguns em 1963, logo depois do show no Carnegie Hall) e seria lançado pela Philips sem autorização do artista, em 1967 ou 1968, para surfar na onda do sucesso do Brasil ’66. Nunca mais relançado desde então, contém peças de bossa nova já gravadas em outros discos de Sergio, mas também uma leitura de “Manhã de Carnaval” (de Luiz Bonfá e Antonio Maria, 1959) e algumas obscuridades.

Sergio Mendes, Sergio Mendes’ Favorite Things (Atlantic, 1968) – Sem o Brasil ’66, Sergio lançou mais um álbum jazzístico e instrumental pela Atlantic, Sergio Mendes’ Favorite Things, com inflexões pop e um coquetel com standard norte-americano (“My Favorite Things”, 1959), tema de festival de Caetano Veloso (“Boa Palavra”, 1966), canção de protesto vencedora do último festival (“Ponteio”, de Edu Lobo), easy listening novo em folha de Burt Bacharach (“I Say a Little Prayer”), toada moderna de Dori Caymmi (“O Mar É Meu Chão”, 1966)…

Sergio Mendes & Brasil ’66, Fool on the Hill (A&M, 1968) – A linda versão easy listening de “The Fool on the Hill” (1967), dos Beatles, impulsiona o quarto disco do Brasil ’66, que lança uma inédita de Edu Lobo (a tensa “Casa Forte“), regrava a música vencedora da I Bienal do Samba (“Lapinha”, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, defendida por Elis Regina na edição única do festival de sambas da Record) e retoma em versão noir orquestrada “Scarborough Fair”, alçada à parada pop-folk em 1966 pela dupla norte-americana Simon & Garfunkel. Em “Lapinha”, aparece pela primeira vez o nome da cantora Gracinha Leporace, ex-Grupo Manifesto e futura esposa e vocalista principal de Sergio Mendes.

Bossa Rio, Bossa Rio (A&M, 1969) – Em 1969, Sergio Mendes produziu para a A&M um disco de reencarnação de seu sexteto fundador, agora com as vozes de Pery Ribeiro e Gracinha Leporace e instrumentação quente e abrasiva por Manfredo Fest (piano e órgão), Ronnie Mesquita (violão), Octavio Bailly Jr. (baixo) e Osmar Milito (bateria). No repertório bilíngue, totalmente sincronizado com o estilo do Brasil ’66, há Tom Jobim (“Wave”), Moacir Santos (“Nanã”), Jorge Ben (“Por Causa de Você, Menina”, 1963, rebatizada “Saiupa”), Luiz Bonfá (“Gentle Rain“, 1965), Edu Lobo (“Veleiro”, 1966), Milton Nascimento (“Canção do Sal“, 1966), Jimmy Webb (“Up, Up and Away”, 1967), Burt Bacharach (“Do You Know the Way to San Jose?“, 1968)…

Sergio Mendes & Brasil ’66, Crystal Illusions (A&M, 1969) – Lançado postumamente à morte precoce de Otis Redding em 1967, aos 26 anos, o clássico soul “(Sittin’ on) The Dock of the Bay” (1968) é atenuado para virar ponta-de-lança de Crystal Illusions e aproximar Sergio Mendes da música negra não só norte-americana, mas também brasileira – “Pretty World” é versão em inglês para “Sá Marina”, de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, hit absoluto de 1968 no estilo pilantragem de Wilson Simonal. Ofuscado por Simonal em apresentação ao vivo no Maracanãzinho, no Rio, em 1969, Sergio Mendes verá no ano seguinte sua versão “Pretty World” ser reinterpretada e gravada ao vivo pelo prodígio norte-americano da soul music Stevie Wonder. A partir de agora reforçado pelo violonista carioca Oscar Castro Neves, um dos mais importantes instrumentistas e arranjadores da bossa nova, o Brasil ’66 grava em Crystal Illusions toada moderna de Marcos Valle (“Viola Enluarada“, 1968, aqui chamada apenas “Viola”), jazz mineiro de Milton Nascimento (“Vera Cruz”, 1968, em inglês, sob o título “Empty Faces”) e protesto de festival de Edu Lobo (“Crystal Illusions“, versão em inglês para “Memórias de Marta Saré”, 1968), além de composições próprias em parceria com Lani Hall (a fossa “Song of No Regrets” e a bossa “Salt Sea”).

Sergio Mendes & Brasil ’66, Ye-Me-Le (A&M, 1969) – Uma das obras-primas de Sergio Mendes, Ye-Me-Le revolve as raízes afro-americanas desde a forte capa afro-cubana-brasileira e a faixa-título, um afro-samba-bossa de candomblé composto pelo samba-jazzista Luiz Carlos Vinhas e por Chico Feitosa, e lançado originalmente por Elis Regina, num compacto de 1968. Com o repertório menos brasileiro de todos os discos de Sergio até aqui, Ye-Me-Le bossifica e abrasileira hits pop-rock (“Norwegian Wood”, Beatles, 1965); lounge (“What the World Needs Now”, Burt Bacharach, 1965); country (“Wichita Lineman”, escrita por Jimmy Webb e lançada por Glen Campbell em 1968); e hippie (“Easy to Be Hard“, do musical recém-lançado Hair).

Anos 1970: Brasil ’66, Brasil ’77, soul e disco

Edu Lobo, Sergio Mendes Presents Lobo (A&M, 1970) – Tal como Herb Alpert apresentou Sergio Mendes ao mundo em 1966, Sergio propõe a internacionalização do Edu Lobo em 1970, uma aposta não concretizada, provavelmente por característica particulares do cantor e compositor carioca que venceu o festival da Record de 1967 com “Ponteio” e tinha mais vocação para Tom Jobim que para tropicalista. Sergio produz e faz os arranjos de Sergio Mendes Presents Lobo para a A&M de Herb Alpert, apresentando a nova “Zanzibar“, gravando o “bruxo” alagoano também em fase de internacionalização Hermeto Pascoal (“Sharp Tongue“) e dando roupagens Brasil ’66, ora em português, ora em inglês, a “Pra Dizer Adeus” (1966, parceria de Edu com Torquato Neto, convertida por Lani Hall em “To Say Goodbye”), “Ponteio” (com Gracinha Leporace nos vocais que em 1967 haviam sido de Marília Medalha), “Corrida de Jangada” (1967) etc. No espírito Brasil ’66, Edu surpreende quem se acostumou com sua figura de combatente da MPB mais sisuda e nacionalista, e grava uma versão cantarolada de “Hey Jude” (1968), dos Beatles.

Edu Lobo, quem diria, cantarola Beatles em 1970

Bossa Rio, Alegria! (Blue Thumb, 1970) – Novamente produzido nos Estados Unidos por Sergio Mendes, o segundo álbum do novo Bossa Rio, Alegria!, soma versões samba-suingadas de Burt Bacharach (“Don’t Go Breaking My Heart”, 1965), Beatles (“Eleanor Rigby“, 1966, “Blackbird“, 1968), Jorge Ben (“Zazueira“, 1968, “What a Pity” – título em inglês de “Que Pena”, 1969), Marcos Valle (“Mustang Cor de Sangue”, 1969, “With Your Love Now” na versão em inglês) e toada moderna (“Andança”, 1968, aqui traduzida para “Open Your Arms“).

Sergio Mendes & Brasil ’66, Stillness (A&M, 1970) – Um LP rememorativo gravado em abril de 1970 no Japão, Live at Expo ’70 (A&M) indicava o esgarçamento da fase mais vistosa de Sergio Mendes & Brasil ’66. No meio da produção de Stilness, Lani Hall deixou o Brasil ’66 para seguir carreira solo e se casar com Herb Alpert – será substituída por Gracinha Leporace, daqui por diante casada pessoal e musicalmente com Sergio Mendes. Os tropicalistas Gilberto Gil (“Viramundo”, 1965) e Caetano Veloso (“Lost in Paradise”, 1969) comandam o lado brasileiro, ao lado de releituras dos canadenses/estadunidenses Buffalo Springfield (“For What It’s Worth“) e Joni Mitchell (“Chelsea Morning“, 1969).

Sergio Mendes & Brasil ’77, País Tropical (A&M, 1971) – Como o ano de 1966 vai ficando longe demais, Sergio rebatiza sua banda de Brasil ’77 (mantendo, veja bem, o gesto mínimo, mas eloquente de chamar o Brazil de Brasil perante o mundo), sem modificar substancialmente a natureza e a sonoridade de seu projeto – isso está expresso na capa florestal-colorida e na canção-título de País Tropical, mas uma vez recorrendo a Jorge Ben no afã de internacionalizar a brasilidade e abrasileirar o mundo. “País Tropical” (1969) ganha o subtítulo de “Tropical Sound”, enquanto o Brasil ferve na caldeira do período Médici. Luiz Gonzaga (“Asa Branca”, 1947), Edu Lobo (“Zanzibar”), Milton Nascimento (“Morro Velho“, 1967) e Toquinho & Vinicius de Moraes (“A Tonga da Mironga do Kabuletê”, lançada por Simonal em 1970) convivem com um blues-rock de J.J. Cale (“After Midnight“, 1966) e temas menos expressivos do soft-rocker estadunidense Paul Willliams.

Sergio Mendes & Brasil ’77, Primal Roots (A&M, 1972) – Acondicionado em linda capa semi-abstrata (e rebatizado de Raízes na edição nacional), Primal Roots contém alguns dos momentos altos da história musical de Sergio Mendes, em especial o tema que inicia e conclui espetacularmente o LP, “Promise of a Fisherman”, na verdade a glória nacional “Promessa de Pescador” (1939), do baiano Dorival Caymmi. Dispostas ao lado das giras tradicionais afro-religiosas “Pomba Gira” e “Canto de Ubiratan“, as preciosas “Promessa de Pescador”, “Iemanjá” (1966), de Baden Powell, e “Jogo de Roda” (1966, numa suíte de mais de 18 minutos traduzida como “The Circle Game“), de Edu Lobo, parecem compor, de fato, nossas raízes mais profundas e primais, embaladas para consumo norte-americano e mundial. Pela primeira vez, não há nem uma canção não-brasileira num álbum de Sergio Mendes e seu Brasil ‘XX. Mui simbolicamente, o radical Primal Roots, ou Raízes, fecha a fábrica da A&M de Herb Alpert para Sergio Mendes.

Mutantes, “Cantor de Mambo” (1972) – Numa gozação velada com o exilado Sergio Mendes, os paulistanos Mutantes compõem e gravam “Cantor de Mambo” no álbum Mutantes e Seus Cometas no País do Bauretz (o último com Rita Lee), numa atmosfera musical que lembra o guitarrista mexicano-estadunidense Carlos Santana: “Eu não volto mais pra cá, não/ hoje eu sou cantor de mambo/ hoje eu vivo aqui na América/ ganho bem cantando mambo”. A ambiguidade reina na “homenagem”: os garotos manifestam seu preconceito contra a música latino-americana imitando sonoridades latino-americanas.

Em In Concert (A&M, 1973), “Viramundo”, de Gil, uma amostra de potência ao vivo
Num “Carnival Medley”, em “Canto de Ubiratan”, Sergio introduz “the most sexy sound that ever came from South America, Brazil, from Praia de Ramas: it’s called the cuíca”

Sergio Mendes & Brasil ’77, Love Music (Bell, 1973) – Um segundo LP ao vivo, o forte In Concert, sela o final do casamento Sergio Mendes/A&M. Fora da gravadora que o alçou ao estrelato mundial, Sergio Mendes deixa de lado os autores brasileiros (o mineiro Nelson Angelo, autor de “Hey Look at the Sun“, é escondido no nome simples e genérico Angelo) e estreita laços com a soul music norte-americana, sob vocais exclusivamente femininos, como mostram “Killing Me Softly with His Song” e “Where Is the Love”, baladas soul lançadas em 1972 por Roberta Flack, ou “I Won’t Last a Day without You“, do repertório de Diana Ross. Mesmo o country “Don’t Let Me Be Lonely Tonight”, de James Taylor, e o reggae “I Can See Clearly”, de Johnny Nash, adquirem conotação mais soul e funk do que country e reggae. Não é propriamente uma novidade, mas a lounge music (e/ou a soul music branca) de Burt Bacharach toma todos os holofotes em Love Music.

“Don’t You Worry ‘Bout a Thing”, de Stevie Wonder, por Sergio Mendes & Brasil ’77

Sergio Mendes and Brasil ’77, Vintage 74 (Bell, 1974) – Sergio Mendes estreita laços com o gênio soul Stevie Wonder, regravando as obras-primas “If You Really Love Me“, “Superstition” (1972) e “Don’t You Worry ‘Bout a Thing” (1973). Em seu Fulfillingness’ First Finale (1974), Stevie mostra que a recíproca é verdadeira, inserindo cuíca, perfume de Brasil ’77 e versos em português macarrônico traduzidos por Sergio (“você coração assim/ tão feliz vai cantar/ carnaval”) em “Bird of Beauty” – nada menos que o nascimento da beleza.

“Superstition”, de Stevie Wonder, por Sergio Mendes & Brasil ’77

Para lá do soul, a salada musical de Vintage 74 vai da enxurrada “The Waters of March (Águas de Março)” (1972), de Tom Jobim, ao samba joia “Você Abusou” (1971), de Antonio Carlos & Jocafi (outra canção brasileira que seduziu Stevie Wonder), passando pelo romantismo kitsch de “This Masquerade” (1972), de Leon Russell, alçada à notoriedade em 1973 pelos irmãos Carpenters. Há mais em Vintage 74: “Double Rainbow”, de Tom Jobim (com letra em inglês) é também “Chovendo na Roseira”, lançada dois anos antes em versão apenas instrumental em álbum antológico de Luiz Eça com o Quinteto Villa-Lobos, e, neste mesmo 1974, em português mateiro, no álbum-encontro Elis & Tom.

“Double Rainbow”, primeira versão em inglês de “Chovendo na Roseira” (Elis e Tom, 1974)
“Ah, você é de ninguém”, canta Elis, depois de campear pelo jardim embaixo de chuva

Sergio Mendes & Brasil ’77, I Believe (Som Livre, 1974) – Primeiro LP lançado originalmente no Brasil desde a partida de Sergio Mendes, o introspectivo I Believe saiu pela gravadora da Globo e seria lançado mundialmente no ano seguinte pela Elektra (com outra capa e sem crédito para o Brasil ’77). Novamente sem canções brasileiras, I Believe agrupa mais hinos soul conhecidos nas vozes de Stevie Wonder – “Lookin’ for Another Pure Love“, “I Believe (When I Fall in Love It Will Be Forever)” (1972), “All in Love Is Fair” (1973) -, Bobby Womack (“Someday We’ll All Be Free“) e The Stylistics (“Let Them Work It Out“, 1973), além de mais uma balada dos Beatles (“Here Comes the Sun“, 1969). 

Sergio Mendes & Brasil ’77, Homecooking (Elektra, 1976) – A música brasileira volta em Homecooking com uma versão desacelerada de “Emoriô” (1975), da parceria viajandona de João Donato e Gilberto Gil, esse último autor também de “Hey People, Hey“, versão funkeadas em inglês (do próprio Gil) para “Ê, Povo, Ê” (1975). “Cut That Out“, escrita por Gil no exílio londrino em 1971, estava inédita até essa gravação. Músico de Stevie Wonder (e autor do futuro hit pop aeróbico “Maniac”, do filme Flashdance, de 1983), Michael Sembello é autor das inéditas “Sunny Day” e “It’s Up to You“. A pressão sobre a veia pop se reafirma em “Where to Now St Peter” (1970), de Elton John.

Sergio Mendes and The New Brasil ’77, Sergio Mendes and The New Brasil ’77 (Elektra, 1977) – Vestidos como jogadores da seleção verde-amarela de futebol, Sergio e a New Brasil ’77 recebem duas canções inéditas de Stevie Wonder (que também toca piano e clavinete no disco), “The Real Thing” e “Love City“. Ligada numa espécie de fusion jazz-rock, a nova big band de Sergio relê temas medianos lançados por Boz Scaggs (“Love Me Tomorrow“, 1976) e pela banda Chicago (o popular baladão “If You Leave Me Now”, 1976). Compositor bissexto, Sergio assina “Peninsula” ao lado de Oscar Castro Neves e, com três parceiros, o funk-jazz futebolístico “Mozambique” (nitidamente aparentado do “Umbabarauma” de Jorge Ben). A febre de bola é sublinhada pela trilha sonora do documentário Pelé (Atlantic, 1977), composta por Sergio, com intervenções do próprio Pelé, autor e cantor (com Gracinha Leporace) do tema principal, “Meu Mundo É uma Bola (My World Is a Ball)”.

Sergio Mendes, Brasil ’88 (Elektra, 1978) – Creditado apenas a Sergio Mendes, o vigoroso LP Brasil ’88 hipertrofia a big band a orquestra, com seções de cordas e de metais, enquanto a capa tropical-noir é monopolizada por Sergio e seus aparelhos de som (que agora tocam discothèque, como demonstra a faixa inédita “One More Lie“). O repertório brasileiro recobra força em “Bridges (Travessia)” (Milton Nascimento, 1967), “Misturada” (de Airto Moreira para o Quarteto Novo, 1967) e na obra-prima jobiniana “Tiro Cruzado” (1972), de Nelson Angelo e Márcio Borges. No departamento estadunidense, a releitura é de “That’s Enough for Me” (1977), da cantora e compositora de jazz Patti Austin.

Gilberto Gil, Nightingale (Elektra, 1979) – Sergio Mendes repete a experiência com Edu Lobo em 1970 e tenta internacionalizar a música de Gilberto Gil, produzindo nos Estados Unidos o hollywoodiano-funkeado Nightingale, em que o artista baiano, secundado por banda binacional, canta versões em inglês para suas “Ela“, “O Rouxinol” (1975), “No Norte da Saudade“, “Aqui e Agora“, “Babá Alapalá” (1977), mais as inéditas “Sarará” (em português e retrabalhada logo a seguir no álbum Realce, como “Sarará Miolo”), “Move Along with Me” e o sambão de turista “Samba de Los Angeles”. Por temperamento do cantor ou por outro motivo, a sergiomendelização de Gil não vai adiante, como não havia ido a de Edu Lobo.

Sergio MendesBrasil ’88, Magic Lady (Elektra, 1979) – Enebriado pela febre da disco music, mas sem chegar a arranhar o pique de Bee Gees ou Donna Summer, Magic Lady reúne material inédito e autoral, composto por Sergio (“Magic Lady”, “Let It Go”, “Summer Dream”) e por diversos parceiros. A faixa-título é uma tentativa de fixar uma subsidiária latina da disco music, por sobre um suporte vocal 100% Brasil ’66 (ou ’77, ou ’88).

Sergio Mendes, Horizonte Aberto (Som Livre, 1979) – Enquanto internacionaliza Gilberto Gil, Sergio Mendes se re-interioriza em Horizonte Aberto, primoroso álbum solo gravado para a Som Livre, a pretexto da confecção da música de abertura da novela global Os Gigantes, a canção passareira lounge-jobiniana “Horizonte Aberto”, assinada por Sergio com Guto Graça Mello e Paulo Sérgio Valle e cantada por Gracinha Leporace: “Um pássaro/ que traça em voo livre o seu caminho/ seguindo o sol/ pra ser feliz/ não vai perder o rumo”. Mais conhecido na voz de Simone, o samba novo em folha “Tô Voltando” alegoriza a anistia “ampla, geral e irrestrita” que arranca algumas telhas do teto da desgastada ditadura civil-militar brasileira. Formado 100% por repertório nacional, Horizonte Aberto vasculha “Milagre” (1977), do baiano veterano Dorival Caymmi (quatro anos antes de João Gilberto também fazê-lo); “Adeus América” (1948), dos cariocas Os Cariocas (sete anos antes do João Gilberto fazê-lo); “Fato Consumado” (1975), do alagoano emergente Djavan, e “Desenredo” (1976), dos cariocas Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro. Horizonte Aberto circulará internacionalmente em 1980 sob o título Alegria – mas não nos Estados Unidos (seria o idioma inglês uma imposição da matriz?). “Não posso mais, ai, que saudade do Brasil, ai, que vontade que eu tenho de voltar/ adeus, América, essa terra é muito boa, mas não posso ficar porque/ o samba mandou me chamar”, canta o coro misto do espirituoso samba “Adeus América”, denotando talvez o humor de anistia do artista ou profetizando um retorno que afinal não se concretizará.

Anos 1980: tecnopop aeróbico, balada e Sarah Vaughan

Sergio Mendes, Sergio Mendes (A&M, 1983) – Em vez de voltar ao Brasil, Sergio volta à A&M após um hiato de cinco anos sem gravar, mas a partir daqui sem nomes como Brasil 66′, 77′ ou 88′. O artista agora solo busca se atualizar vertendo para o inglês o frevo-exaltação “Festa do Interior” (1981), de Moraes Moreira (rebatizada “Carnaval”); beliscando chanson francesa de Serge Gainsbourg (“My Summer Love“), gravando Ivan Lins (“Voo Doo“) e cravando seu maior hit desde “The Look of Love”, o romanticão “Never Gonna Let You Go”, composto pelo casal de hitmakers dream pop Barry Mann & Cynthia Weil (de, por exemplo, “Rock and Roll Lullaby”, 1972) e lançado no ano anterior por Dionne Warwick. Pela primeira vez, uma voz masculina (de Joe Pizzulo) salta ao primeiro plano, o que se tornará corriqueiro daqui por diante. Ainda em 1983, o trio Sergio Mendes-Herb Alpert-Lani Hall se reencontra em “Never Say Never Again”, tema de James Bond composto pelo maestro e pianista francês Michel Legrand, produzido pelos dois primeiros e interpretado por Lani.

Sergio Mendes, Confetti (A&M, 1984) – Apesar do título carnavalesco, predomina em Confetti uma dualidade entre funk-pop aeróbico à la Flashdance (“Say It with Your Body“, “Dance Attack“, “Alibis”) e o entroncamento fossa-bossa, em “Morrer de Amor” (1965), de Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini, e na lacrimosa “Depende de Nós” (gravada com um coral de crianças para a abertura do infantil global Balão Mágico e aqui convertida em “The Sound of One Song“, com o mesmo coro infantil), de Ivan Lins e Vitor Martins. O derramamento grandiloquente “Olympia“, de Barry Mann e Cynthia Weil, foi composto para os Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles, e integra o segmento aeróbico do disco. Em 1985, na esteira do hino “We Are the World”, do projeto benemerente USA for Africa, uma empreitada latino-americana do tipo “depende de nós” foi elaborada sob o título “Cantaré, Cantarás“, reunindo Julio Iglesias, Celia Cruz, Placido Domingo, Lalo Schiffrin, José Feliciano, Lucho Gatica, Miami Sound Machine, Menudo e vários outros – entre eles, os brasileiros Roberto Carlos, Gal Costa, Simone e Sergio Mendes.

Sergio Mendes, Brasil ’86 (A&M, 1986) – Retrocedendo dois anos em relação ao antes futurista Brasil ’88, Brasil ’86 é produzido pelo austríaco Peter Wolf e insiste no pop mela cueca (“What Do We Mean to Each Other“, “Take This Love”, de novo com a voz-guia de Joe Pizzulo), mas traz a primeiro plano a música de Dori Caymmi (e os versos de Paulo César Pinheiro, traduzidos para o inglês), em “Estrela da Terra” (1980, agora “Your Smile“), “Velho Piano” (1982, “No Place to Hide“), “Flor da Bahia” (1985, “Flower of Bahia“) e “Na Ribeira desse Rio” (1985, essa em português apesar do nome “The River“, sobre poema de Fernando Pessoa, na voz límpida de Dori). Em 1987, Sergio aparece como artista convidado em “Quero Mais”, de Michael Sullivan & Paulo Massadas, lançada como faixa de abertura do álbum artístico dos produtores-chefes da música comercial brasileira dos anos 1980.

Sarah Vaughan, Brazilian Romance (CBS, 1987) – Sergio Mendes é o produtor de Brazilian Romance, o último álbum de Sarah Vaughan (que morreria em 1990), com releituras em inglês para brasilidades de Milton Nascimento (“Nada Será Como Antes”, 1972, “Amor e Paixão”, 1986, com Milton no dueto) e Dori Caymmi (“Tati, a Garota”, 1972, “Estrela da Terra”, 1980). Do próprio Sergio Mendes, Sarah apanha “So Many Stars” (1967). Até aqui esquecida no LP Look Around, “So Many Stars” virará uma favorita do jazz, regravada por cantoras como Kathleen Battle, Helen Merrill, Natalie Cole, Jane Monheit, Stacey Kent, Barbra Streisand e a brasileira Zizi Possi (é impressionante como, via de regra, intérpretes brasileiros são arredios às composições de mr. Mendes). Seguindo os passos brasilianistas de Sarah, o cantor texano Johnny Mathis preparou em 1989 The Island, com repertório bem parecido e sob a produção de Sergio Mendes – mas o álbum permaneceu inédito até 2017.

Sergio Mendes, Arara (A&M, 1989) – A Arara do título e da foto de capa sinaliza um esboço de retropicalização de Sergio Mendes, depois de uma década em que suas sonoridades apontaram bem mais para modelos estadunidenses de jazz, funk e pop aeróbico que para bossa ou samba. O repertório é mais uma vez 100% brasileiro, com Gilberto Gil (“Balafon”, 1977, e “Sarará Miolo“), Jorge Ben (a primeira regravação de “Mas Que Nada” por Sergio), Milton Nascimento (“Cravo e Canela“, 1972), Ivan Lins (“Começar de Novo“, 1979) e Djavan (“Açaí”, 1981, “Azul“, 1982). Com exceção de “Mas Que Nada” e “Cravo e Canela”, tudo é vertido para o inglês; “Açaí” vem bilíngue, renomeada “Keep This Heart”.

Anos 1990: a retropicalização

Sergio Mendes, Brasileiro (Elektra, 1992) – Brasileiro consolida o projeto de retropicalização, via samba-reggae, timbalada e axé music. Para isso, ilumina a personalidade musical do ainda pouco conhecido músico afro-baiano Carlinhos Brown, então em transição entre a projeção conferida por Caetano Veloso em 1989 e a explosão do grupo percussivo Timbalada a partir de 1993. Em Brasileiro, Brown aparece como percussionista na maioria das faixas, compositor de cinco inéditas (o canto de abertura e encerramento “Fanfarra“, “Barabare“, “Indiado“, “Magano” e o hit “Magalenha”), arranjador dos três últimos e cantor principal dos quatro últimos.

Com “Magalenha”, Sergio Mendes lança Carlinhos Brown para o mundo

Sergio Mendes é assim o primeiro a conceder a Brown o status de compositor de primeiro plano, lado a lado com Hermeto Pascoal (“Pipoca“), Ivan Lins (“Lua Soberana”, “Sambadouro”, “Kalimba“), a dupla ocasional João BoscoBelchior (“Senhoras do Amazonas”, 1984, cantada por Bosco) e a dupla em desenvolvimento GuingaAldir Blanc (“Esconjuros“, de 1991, e a inédita “Chorado”). Em 1993, 14 anos depois de “Horizonte Aberto” em Os Gigantes, “Lua Soberana”, também comandada pela voz de Gracinha Leporace, torna-se tema de abertura da novela global Renascer. De baiano, Sergio Mendes faz-se japonês quase sem escalas, produzindo o álbum Another Sun (1993), de um par musical do outro lado do mundo, o pianista, tecladista e compositor Yutaka Yokokura.

Sergio Mendes, Oceano (Verve Forecast, 1996) – O projeto latino-tropicalizante segue com o vigoroso Oceano, batizado a partir do hit avassalador de Djavan em 1989, que aparece no CD em inglês misturado com português, como “Puzzle of Hearts”, e como “Un Oceano di Silenzi“, dessa vez cantado pelo roqueiro italiano Zucchero. A Bahia e a tropicália se dizem presentes nas participações especiais de Caetano Veloso (em “Anos Dourados“, 1988, de Tom Jobim e Chico Buarque, em dueto com Gracinha Leporace), Gilberto Gil (no samba de roda do Recôncavo “Holográfico Olodum“, de Roberto Mendes e Jorge Portugal, 1994) e Simone (“Anjo de Mim”, de Ivan Lins e Vitor Martins, 1995). Oceano se espalha ainda por “Trilhos Urbanos” (1979), de Caetano, em calorosa interpretação de Gracinha; “Madalena” (Isidoro, 1961), do repertório antigo e recente de Gil; “Capivara” e “Vale da Ribeira“, de Hermeto Pascoal (que toca teclado e sanfona e faz os arranjos das duas faixas); e as inéditas “Rio de Janeiro”, tema futebolístico de Guinga e Aldir Blanc, e “Maracatudo“, de domínio público, com percussão do Maracatu Nação Pernambuco e rap-embolada do pernambucano Lenine. “Maracatudo” será aproveitada como tema de abertura da novela global A Indomada (1997). A partir daqui, a discografia de Sergio Mendes hibernará por uma década – mas não sua música.

Marcelo D2, “Samba de Primeira” (1998) – Na década de 1990, a geração hip-hop (e não só ela) redescobre e sampleia Sergio Mendes, de gringos como Busta Rhymes ao carioca Marcelo D2. Em meio a samples dos japoneses do Pizzicato Five e dos anglo-franceses do Stereolab, D2 interpola trechos de “Tim Dom Dom” (do primeiro álbum do Brasil ’66) em “Samba de Primeira” (1998).

Anos 2000: rap, samba-rap, bossa-rap…

Sergio Mendes, Timeless (Concord, 2006) – Para lá de um álbum, Timeless é uma confirmação. O processo de transmissão geracional da música de Sergio Mendes se acelera quando will.i.am, líder do grupo de rap Black Eyed Peas, convida Sergio Mendes para tocar piano em “Sexy” (um rap cuja melodia de fundo é “Insensatez”, de Jobim), no álbum Elephunk (2003). A conexão deságua em Timeless, um petardo samba-jazz-pop-funk-rap produzido por will.i.am, com composições inéditas e versões modernas de standards brasileiros executados na companhia de uma galeria extraordinária de convidados especiais de várias gerações (sobretudo) da música negra norte-americana. De voz própria, will.i.am faz colagens de rap em seis faixas.

Bombástico, o carro-chefe de Timeless é uma regravação de “Mas Que Nada” acompanhada pelos Black Eyed Peas (e com sample do hit “Hey Mama”, de Elephunk), que enceta mais uma vez um hit mundial oriundo da junção Jorge Ben Jor-Sergio Mendes. Da cena negra estadunidense, desfilam pelo CD Stevie Wonder (tocando gaita em “Consolação” e “Berimbau”), Q-Tip (no “The Frog” de João Donato), Erykah Badu (na inédita “That Heat”, de will.i.am), Jill Scott (na versão em inglês do afro-samba de Baden e Vinicius “Deixa”, com sample de James Brown em “Funky Drummer”, 1970), John Legend, India.Arie, Jurassic 5, Black Thought (do grupo The Roots), Pharoahe Monch, Chali 2na – e até o astro pop estadunidense Justin Timberlake, em “Yes, Yes Y’All“.

Bossa de Tom Jobim + rap de will.i.am = Sergio Mendes

Timeless reúne, ainda, artistas de Porto Rico, da Jamaica (Mr. Vegas, em “Bananeira”, 1975, de Donato e Gil) e, claro, do Brasil. Nesse departamento, a instrumental “Surfboard” (1965), de Tom Jobim, é inseminada por um rap de will.i.am; o quarteto de violões Maogani participa de “Lamento no Morro” (1956), de Jobim; e Marcelo D2 rima por cima do “Samba da Bênção” (1966) de Baden e Vinicius e de “Fo’-Hop”, novo nome de “Por Trás de Brás de Pina” (1996), de Guinga, com participação do próprio.

Sergio Mendes, Encanto (Concord, 2008) – A fórmula de Timeless se desenrola em Encanto, novamente coalhado de convidados especiais, mas agora com will.i.am na produção de apenas quatro faixas: “The Look of Love“, com Fergie (sua colega nos Black Eyed Peas); “Funky Bahia” (parceria entre will.i.am e Carlinhos Brown), com o próprio produtor e Siedah Garrett; “Acode“, de e com Vanessa da MAta; e “Água de Beber”, de novo com will.i.am. A latino-brasilidade fala mais alto: Carlinhos Brown reaparece em sua “Odo-Ya“; o colombiano Juanes canta “…E Vamos Nós” (2002), de Donato e Joyce Moreno, em espanhol; Jovanotti faz rap em italiano em meio aos versos de “Lugar Comum” (de Gil e Donato, 1975); Gracinha Leporace cuida de “Catavento e Girassol” (1993), de Guinga e Aldir Blanc; Sergio, Herb Alpert e Lani Hall se reúnem em “Dreamer“(“Vivo Sonhando”, 1963), de Tom Jobim. Além de will.i.am, os arranjadores são Carlinhos Brown (“Odo-Ya”), João Donato (“Lugar Comum” e “…Let’s Go”) e Toninho Horta (nas canções de Jobim e em sua “Morning in Rio”). Em 2008, Sergio Mendes produz ainda o álbum Safari, do italiano Jovanotti, no qual eles dividem “Punto”, composta pelo italiano.

Anos 2010-2020: “Rio”, samba e covid

Sergio Mendes, Bom Tempo (Concord, 2010) – Com menos convidados, Bom Tempo segue a saga, desta vez privilegiando elenco brasileiro: Milton Nascimento revisa sua “Caxangá” (1977), lançada por Elis Regina; Seu Jorge canta “Maracatu Atômico” (1974), de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, e “Maracatu, Nação do Amor” (2001), parceria póstuma de Moacir Santos com Nei Lopes; Carlinhos Brown domina “You and I”, “Magalenha” e “Emoriô”. Nessa última, Brown faz farra num rap que rima e chama os nomes (e samples sergiomendeses) de Jorge Ben Jor, João Donato, Tom Jobim e Gilberto Gil.

Em 2011, num pique de Carmen Miranda pós-moderna, Sergio Mendes produz a trilha sonora da animação Rio, na qual ajuda a compor os temas carnavalescos “Real in Rio“, “Balanço Carioca”, “Sapo Cai” e “Forró da Fruta”, grava mais uma versão de “Mas Que Nada” e cria as bossas incidentais malemolentes “Valsa Carioca” e “Copacabana Dreams”. Em 2014 saem Rio 2 e sua trilha sonora, também co-produzida por Sergio Mendes, co-autor do carnaval-tema “Ô Vida“, interpretado por Carlinhos Brown e Nina de Freitas.

“Ô Vida”, sambão orquestrado em Rio 2 (2014)

Sergio Mendes, Magic (Okeh, 2014) – Quarto álbum da, digamos, série Timeless, Magic tende ao sabor sambeiro das trilhas de Rio e traz as participações dos agora também parceiros de composição will.i.am (“My My My My Love”), John Legend (“Don’t Say Goodbye“), Carlinhos Brown (a futebolística-triunfalista-carnavalesca “One Nation”, “Simbora“), Aila Menezes (“Samba de Roda”) e Maria Gadú (“Meu Rio“). Milton Nascimento interpreta sua “Olha a Rua“, inédita; Seu Jorge canta “Sou Eu” (2001), mais uma do maestro Moacir Souza vestida por letra de Nei Lopes; Ana Carolina canta “Avenida Atlântica”, de Guinga e Thiago Amud.

Sergio Mendes, In the Key of Joy (Concord, 2019) – Depois de um single esdrúxulo com Baby do Brasil e Rogério Flausino (o pop-exaltação ao Brasil “Se Ligaê, 2018, composto por Pretinho da Serrinha, Leandro Fab e Rogê), Sergio Mendes chega ao derradeiro álbum, In the Key of Joy, título também de documentário sobre a vida do artista, que seria lançado em 2021. In the Key of Joy apresenta um último pacote de temas inéditos com parceiros como Carlinhos Brown, Pretinho da Serrinha, Gabriel Moura, Rogê, o brasileiro estabelecido em Los Angeles Mikael Mutti e o rapper estadunidense Common (em “Sabor do Rio“), além de composições de João Donato e Ronaldo Bastos (“Muganga“), Hermeto Pascoal (também presente em “This Is It – É Isso“), Guinga (“Tangará“) e o duo colombiano Cali y El Dandee (no reggaeton “La Noche Entera“). “We got the boy from Niterói/ in the key of joy”, celebra o rapper Buddy na faixa-título.

Uma faixa de In the Key of Joy, “Bora Lá”, transmite o espírito do tempo de pandemia, neofascismo e distopia: “Por que tá jururu?/ a sorte solta por aí/ isso aqui tá um mafuá/ mas não vou desistir/ vai tudo melhorar/ bora lá”. Não melhorou: a covid-19 veio calar a voz de Sergio Mendes, primeiro em quarentena, agora definitivamente.

“Bora Lá”, de Sergio Mendes, Gabriel Moura, Pretinho da Serrinha e Rogê

(Leia aqui entrevista de Sergio Mendes em 2010.)

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