Protesto na Ancine
Protesto na Ancine contra retirada de cartazes de filmes nacionais da sede da agência, em 2020

Em junho de 2022, Jair Bolsonaro indicou, para exercer o cargo de Ouvidor-Geral da Agência Nacional de Cinema (Ancine), João Paulo Machado Gonçalves, que tinha sido braço direito do general Walter Braga Netto no Ministério da Casa Civil. Gonçalves ocupou o cargo de Diretor de Governança, Inovação e Conformidade da Secretaria-Executiva da Casa Civil. Tanto Braga Netto quanto Bolsonaro foram tornados inelegíveis pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e são alvos da Operação Tempus Veritatis, que investiga, entre outras coisas, a formação de um grupo que atuou para tentar viabilizar e legitimar um golpe militar no País, segundo a Polícia Federal.

A Ancine ainda mantém em seus quadros um outro nomeado pelo bolsonarismo, o capitão de Mar e Guerra da Marinha Eduardo Cavalcanti Albuquerque, que ocupa a função de Superintendente de Prestação de Contas da agência. Além disso, houve um aparelhamento ideológico progressivo da agência de fomento ao audiovisual durante os anos do antigo governo, com a nomeação até de policiais rodoviários federais para ocupar funções técnicas na instituição e de egressos do Centrão para acomodar aliados daquela gestão federal. Essa situação permanece inalterada desde a mudança de governo, o que provavelmente se deve ao fato de que a maioria da diretoria colegiada da agência foi reconduzida ao controle do órgão pelo governo Bolsonaro.

Em reunião gravada em vídeo, divulgada na semana passada em toda a imprensa do País (o vídeo é uma das bases de acusação contra o grupo golpista que ocupou o poder), há uma declaração do general Augusto Heleno, então ministro chefe do GSI, defendendo a infiltração de agentes no aparato de Estado para monitorar adversários ou críticos do regime. Após a saída de João Paulo Machado Gonçalves da Comissão de Ética, quem foi nomeado para substitui-lo foi seu pai, Ivan Cavalcanti Gonçalves, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República e do Ministério da Defesa. Ivan Gonçalves é um expert em questões de inteligência militar, estratégia e defesa.

A Ancine, responsável pela saúde do setor audiovisual brasileiro, é uma posição estratégica para a produção, distribuição e definição de conteúdos audiovisuais produzidos pelo País. Além de ter como funções expandir a oferta e demanda por conteúdos, fortalecendo produtoras nacionais e incentivando o investimento privado, apóia coproduções com o mercado externo e estimula a participação do País em eventos internacionais. A Ancine fiscaliza e acompanha os projetos audiovisuais e o processo de realização e exibição dos conteúdos. Coordena editais de seleção pública feitos com sua própria receita, oriunda da arrecadação do tributo Condecine, e atua no apoio técnico aos editais diretos da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura.

As primeiras providências do governo de extrema direita de Bolsonaro, ao assumir, em 2018, foram no sentido de promover uma atrofia no sistema de financiamento de filmes por intermédio dos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Depois, instalou-se uma política de censura ideológica e de costumes e perseguição (sob disfarces burocráticos), para inibir a produção. Com a derrota do bolsonarismo, vê-se agora o contrário: uma hipertrofia do volume de produções e de recursos disponíveis (cerca de 2 bilhões de reais), ao mesmo tempo que não se procedeu uma readequação da capacidade de acompanhamento e fiscalização da Ancine (e, principalmente, de modernização tecnológica). O quadro é complicado, porque quem está chefiando a agência é o mesmo grupo que a conduziu nos governos Temer e Bolsonaro.

No currículo que enviou ao Senado, o atual Ouvidor-Geral da Ancine não mencionou que foi o representante da Casa Civil no Grupo de Trabalho para a Consolidação das Estragégias em Resposta aos Impactos Relacionados ao Coronavírus – entre os muitos desastres abrigados sob o guarda-chuva desse grupo, está a falta de provisão de respiradores artificiais para Manaus, Amazonas, que levou o Estado a um dos maiores índices de vítimas fatais da Covid-19 (2.195 pessoas somente em Manaus em janeiro de 2021).

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