O Grupo de Trabalho (GT) criado pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, para elaborar recomendações para a regulação do Video on Demand (VoD) no país concluiu na última quinta-feira seu relatório final, documento que aponta para a regulação urgente do setor no País. O grupo do VoD foi integrado por representantes da Secretaria do Audiovisual do MinC e da Agência Nacional de Cinema (Ancine), que se reuniram entre os meses de junho e agosto para estudar e debater a regulação, a inserção e os impactos do segmento no ecossistema do audiovisual.
Entre as conclusões finais, está a recomendação da adoção de alíquota de Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional) para as plataformas estrangeiras que operam no Brasil. A alíquota sugerida é o porcentual progressivo não inferior a 4% para a última faixa de incidência (cuja base de cálculo esteja acima de R$ 300 mil reais de faturamento anual). O relatório do GT também sugere a implementação do mecanismo de Cota de Catálogo, um instrumento de proteção e de estímulo à participação do conteúdo audiovisual nacional nas plataformas (em percentual não inferior a 20% do total de obras do catálogo ofertado pelo provedor, sendo necessariamente 50% deste percentual conteúdo brasileiro independente).
Com mais de uma década de atraso, o governo federal pode finalmente exercer seu papel de regulamentação, arrecadação e fiscalização do setor. O documento aponta que, no Brasil, sexto maior mercado de streaming do mundo em faturamento, a Netflix ultrapassou todas as operadoras de TV Paga em número de assinantes e estimou-se um faturamento de 6,7 bilhões de reais em 2020 – mais de 50% maior do que a soma da receita de todas as emissoras abertas de televisão, com exceção da Globo. Em 2019 já existia consumo de conteúdos sob demanda em oito a cada dez residências no Brasil, mas, durante o ano de 2020, a pandemia promoveu um aumento ainda maior dos números de consumidores destes serviços. “No entanto, a ausência de dados oficiais sobre os serviços torna difícil ter uma dimensão real do seu alcance e dos seus tamanhos no território nacional, o que joga luz sobre os problemas de assimetria de informação envolvendo o setor e impactam diretamente na regulação e nas dificuldades para formulação de uma política pública”, afirma o relatório.
“A ampliação do conteúdo brasileiro nas plataformas de streaming é importantíssima para viabilizar a valorização e o desenvolvimento da produção audiovisual nacional, familiarizando a sociedade brasileira com sua própria produção simbólica e identitária, desconstruindo estereótipos sobre a qualidade estética da produção nacional e formando novos públicos, com desdobramentos significativos para o setor audiovisual”, prossegue o texto.
Entre 15 países que tiveram as legislações examinadas, apenas dois (Brasil e Colômbia) não taxam o setor, segundo tabela constante no estudo do GT. Sob os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, o Estado brasileiro protelou o quanto pode a adoção de medidas de regulamentação da área – no governo de Bolsonaro, chegou-se até à sugestão de uma isenção total das plataformas, o que já é a realidade – o Brasil é um tipo de paraíso fiscal das empresas de streaming. Um grupo de trabalho concluiu, em maio do ano passado, que deveria ser fixada uma alíquota geral de 1% para operadoras estrangeiras (reduzida para 0,27% em casos que houvesse investimento direto em produções brasileiras), 0,2% (em casos de empresas com faturamento anual de até R$ 200 milhões) e isenção total (0% de incidência) para plataformas integradas a serviços de telecomunicações. Curioso que a mesma gestão da Ancine que se inclinou por aquela proposta agora subscreve essa nova disposição governamental.
O governo Lula tem uma compreensão de que o setor audiovisual é fundamental para o desenvolvimento. Essa visão já contamina outras instituições do Estado brasileiro. O BNDES, por exemplo, realizou um seminário sobre o tema na semana passada, coordenado pelo ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira, no qual anunciou um investimento extraordinário de meio bilhão de reais no setor – cujas inversões de recursos contarão ainda com 2 bilhões de reais da Lei Paulo Gustavo este ano.
“O Brasil tem um potencial imenso de ampliação de sua capacidade de produção, com impactos econômicos e simbólicos. O audiovisual brasileiro gera renda, gera empregos, movimenta outras indústrias de maneira direta e indireta (como o turismo, a indústria têxtil, publicitária, construção civil). E, além disso, a produção audiovisual dá à sociedade a oportunidade de reconhecer sua identidade, valorizar sua cultura, enxergar todo o valor cultural que existe na diversidade do nosso país, mas também de expor as mazelas da sociedade”.