O cantor e compositor Lô Borges. Retrato: João Diniz. Divulgação
O cantor e compositor Lô Borges. Retrato: João Diniz. Divulgação

O cantor e compositor Lô Borges lançou, nos últimos cinco anos, cinco discos de inéditas, com diferentes letristas parceiros: “Rio da lua” (2019), com letras de Nelson Angelo; “Dínamo” (2020), com Makely Ka; “Muito além do fim” (2021), com o irmão Márcio Borges; e “Chama viva” (2022), com Patrícia Maês.

A soma é completada com o recém-lançado “Não me espere na estação” [Deck, 2023], com 10 canções autorais que ganharam letras do cantor e compositor César Maurício – que integrou as lendárias Virna Lisi e Radar Tantã –, parceiro que já havia comparecido a fichas técnicas de discos anteriores de Lô Borges – “Um dia e meio” (2003) e “Bhanda” (2009).

Não me espere na estação. Capa. Reprodução
Não me espere na estação. Capa. Reprodução

“Não me espere na estação” tem sonoridade roqueira. No álbum, Lô Borges (voz e guitarra) é acompanhado por Henrique Matheus (guitarras), Thiago Corrêa (contrabaixo, teclado e percussão) e Robinson Matos (bateria).

“Teve uma época que eu ia em São Luís todo ano, quase uma vez por ano. Eu tinha um público fiel em São Luís, os contratantes chamavam, eu ia fazer shows, sempre gostei muito de tocar em São Luís. Tem tantos anos que eu não vou à São Luís, a última vez que eu estive em São Luís foi participando de uma turnê do Milton Nascimento, chamada “Uma travessia” [2013; em 2018 o artista se apresentou em Barreirinhas, no Lençóis Jazz e Blues Festival], eu fiz uma participação com seis músicas, uma coisa assim. O público de São Luís sempre foi muito legal comigo, eu tenho saudade de tocar nessa terra aí, velho!”, entusiasma-se Lô Borges, ao saber de onde fala a reportagem.

O novo álbum traz mais um lote de 10 canções compostas com um único parceiro letrista. Este tem sido um exercício constante para Lô Borges, como ele revela em entrevista exclusiva, por telefone, ao Farofafá. A conversa vai do início da carreira com o “Clube da Esquina” [1972], sempre presente às listas de melhores discos da música brasileira em todos os tempos, até esta fase atual, cuja agilidade para compor ele admite ter ganhado com o disco do tênis [o álbum leva apenas o nome de “Lô Borges” por título, mas ganhou este apelido carinhoso dos fãs, por causa da fotografia da capa, um par de tênis surrados então usados pelo artista], lançado no mesmo ano do álbum que dividiu com Milton Nascimento e toda a turma que emprestou nome ao disco e ao movimento, e passa ainda pelas duras que tomava da polícia durante a ditadura militar, elogios à banda que o acompanha e o anúncio de um novo álbum, já pronto, novamente composto em parceria com o irmão Márcio Borges.

Retrato: João Diniz. Divulgação
Retrato: João Diniz. Divulgação

ENTREVISTA: LÔ BORGES

ZEMA RIBEIRO – 2022 foi um ano marcado pelos 50 anos do “Clube da Esquina”, do disco do tênis e também por “A última sessão de música”, turnê de despedida de Milton Nascimento de que você participou. O que significam para você estas cinco décadas e o encerramento deste ciclo?
LÔ BORGES – Eu acho que foram cinco décadas de produção, de grande e intensa produção. Eu comecei minha carreira, gravei o “Clube da Esquina”, eu tinha 19 anos, quando ele foi lançado eu tinha 20, e foi um disco absolutamente importante pra mim, foi meu início como um cara que entra no mundo do disco, e a gravadora, que inicialmente não queria que o Milton dividisse o álbum com um ilustre desconhecido chamado Lô Borges [risos], acabou me oferecendo um contrato para eu fazer um disco. Só que eu era um compositor iniciante, então eu tinha gasto toda minha munição no álbum “Clube da Esquina”, e me ofereceram um contrato porque eles gostaram das minhas músicas que eles viram no “Clube da Esquina”: [Um] “Girassol” [da cor do seu cabelo, parceria com Márcio Borges], [O] “Trem azul” [com Ronaldo Bastos], “Tudo que você podia ser” [com Márcio Borges], “Nuvem cigana” [com Ronaldo Bastos], “Trem de doido” [com Márcio Borges], então eles gostaram, me ofereceram um contrato, só que queriam lançar o disco no mesmo ano do “Clube da Esquina”, então pra mim foi um sufoco, eu fiz o disco do tênis, fazia a música de manhã, meu irmão fazia a letra à tarde e à noite ia pro estúdio, gravando, já valendo. Ou seja: no disco do tênis, o que a gente gravava à noite não existia de manhã [risos]. Foi muito assim. Eu acho legal marcar esse começo da minha carreira porque foi um começo assim, no começo o “Clube da Esquina” foi relaxado, eu tive todo o tempo do mundo para compor, mas o disco do tênis foi no sufoco, porque foi assim, ter que fazer música de manhã, letra à tarde, gravando, valendo à noite. Mas o quê que aconteceu com esse disco? Esse disco me deu agilidade para compor, aprendi a compor com rapidez, com agilidade, então é fundamental, tanto o “Clube da Esquina” quanto o tênis, pra mim. Agora esses 50 anos do “Clube da Esquina”, quando o “Clube da Esquina” fez 10 anos as pessoas comemoraram. Na época não teve grande repercussão, inclusive. Mas, assim, as pessoas comemoraram, aí começaram a celebrar, de década em década, 10, 20, 30, 40 e agora 50. Acho que tem todos os sinais que pode comemorar os 60 também. É um álbum que a gente fez despojadamente, a gente não fez para fazer sucesso, para ser o hit do verão, nenhuma música, não era nada disso. A gente fez assim porque a gente era apaixonado por música, a gente queria fazer música. Eu era muito jovem, nem eu, mesmo os que não eram tão jovens quanto eu, eu era o caçula da história, tinham dimensão de que o “Clube da Esquina” ia ser celebrado 50 anos depois. A gente não tinha essa noção. O disco do tênis ficou mais lado b, ficou uma coisa meio hermética, meio obscura, é uma catarse de um compositor que vivia num mundo inóspito, numa ditadura militar, tomando prensa da polícia porque era cabeludo. Porque pra gente fazer o “Clube da Esquina” a gente se isolou numa praia, o disco do tênis eu tive que ir para a cidade do Rio de Janeiro, onde eu tomava prensa da polícia, era só eu sair na rua que a polícia me abordava, porque eu tinha um cara de drogado [risos], era muito cabeludo e aquele tênis velho que eu botei na capa, eu usava ele o tempo todo, velho e sujo, mas esse disco do tênis me deu agilidade para compor, coisa que eu uso até os dias de hoje. E aí passaram-se 50 anos, você comentou, 50 anos do “Clube da Esquina”, 50 anos do tênis, o tênis ele só foi realmente lançado e teve um certo reconhecimento mais expressivo 40 anos depois do lançamento. A primeira turnê do disco do tênis eu fiz 40 anos depois do lançamento, [corrige-se:] 45 anos depois. E foi um barato, eu peguei uns músicos jovens aqui de Belo Horizonte, botei com o Pablo Castro, que é um compositor muito bom, e a especialidade dele era reconstituir discos dos Beatles, ele tinha bandas de Beatles que participavam de festivais em Liverpool, em Londres, e um dia ele esteve aqui em casa, tocou todas as músicas do tênis pra mim, e eu falei “cara, você sabe tocar todas as músicas do tênis”, e ele falou “se você quiser eu reconstituo tudo isso com uma banda”, e eu falei “pô, vamos fazer então os 45 anos do disco do tênis”, e a gente fez uma turnê. Primeiro eu deixei eles ensaiando pra ver se eu aprovava, porque eu acho que tinha que ser muito igual, tinha que ser arranjos originais. Depois do décimo ensaio deles, eu fui no 11º. com a minha guitarra e na hora que eu ouvi a primeira música eu falei “tá idêntico”, até o solo que eu faço de guitarra, na hora que eu errei a nota, o cara erra a nota igual eu errei, de tão fidedigno que tava.

ZR – A gente percebe nessa tua trajetória mais recente que você não é um artista que vive do passado. São cinco discos de inéditas em cinco anos, com diferentes parceiros. Esse disco novo foi todo composto com César Maurício…
LB – [interrompendo] Virna Lisi e Radar Tantã, aquelas bandas meio punk rock de Belo Horizonte, e eu sempre fui fã do César Maurício, ele canta bem pra caramba. No Virna Lisi ele era vocalista, percussionista e letrista. Eu compus com o César Maurício também no começo do século XXI, em 2003 eu fiz um disco chamado “Um dia e meio”, que tem duas ou três parcerias com ele [“Tudo em cores pra você”, “Qualquer lugar”, e “Olá, como vai”]. Agora essa fase minha de fazer, nos últimos cinco anos, sempre escolher um letrista para fazer as 10 letras do álbum, isso é uma novidade pra mim. Então, eu e César dobramos a nossa produção esse ano agora, porque a gente tinha músicas esparsadas, agora nós fizemos 10.

ZR – Como tem se dado essa escolha dos parceiros e como tem sido esse exercício de criação? Tem algum método, algum ritual?
LB – Na verdade eu lancei o quinto disco em cinco anos, mas eu tenho seis, porque eu tenho mais um pronto, que eu vou lançar só ano que vem, mas está pronto já. A escolha dos parceiros é muito curiosa. Na primeira música que eu componho, o ano passado, por exemplo, eu compus no órgão, o disco “Chama viva”, eu compus no teclado, aqui na minha casa, que tem o registro órgão, eu peguei o órgão, fiz uma música, eu estou com uma mania, nos últimos cinco anos, de fazer músicas de 10 em 10. Eu não faço uma música, eu faço um projeto. E a escolha do parceiro normalmente se dá na primeira música. Na primeira música que eu componho, e componho muito rápido, em um mês eu fiz as músicas desses discos todos, esses últimos cinco, em um mês eu fiz todas as músicas. É muito rápido! É como se o disco do tênis estivesse voltando em minha cabeça [risos], aquela coisa, vamos compor, vamos compor. Mas eu não tenho nenhuma aflição para compor, eu não tenho obrigação de compor, acho que eu não faço mais do que minha obrigação, eu sou compositor. Eu vejo algumas pessoas falando, eu até me identifico, a música para mim é meu hobby e é meu trabalho também, minha profissão. Eu me divirto muito compondo. Por exemplo, ano passado, a escolha do parceiro é sempre na primeira música, eu já penso num parceiro e já convido ele, e digo “olha, eu vou fazer mais nove e queria que você topasse fazer isso comigo”. Tem sido assim, tanto com a Patrícia Maês, com Márcio Borges, com Makely Ka, com Nelson Angelo e agora com o César Maurício, sempre na primeira música eu já penso num parceiro que vai fazer as 10 comigo. Acho que eu tenho sido feliz nas escolhas porque as músicas têm a ver com os parceiros que eu tenho escolhido. Cada trabalho é um pouco diferente um do outro. Essa palavra trabalho eu tenho uma coisa assim, meio que me incomoda. Pra mim é mais diversão do que trabalho. Eu acho melhor falar profissão do que trabalho.

ZR – Quem é o parceiro do próximo disco?
LB – Vai ser o Márcio Borges, que fez comigo o disco de 2020, o “Muito além do fim”, eu fiz com ele. Esse disco é curioso porque eu peguei uma viola caipira que eu tenho aqui em casa, que eu nunca toquei, eu ganhei de presente numa homenagem que teve ao Clube da Esquina na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, aqui em Belo Horizonte, eu e o Milton, cada um ganhou uma viola caipira. Aí um dia desses, ano passado, talvez, eu peguei a viola e dei um “bráuuuun” [imitando o som das cordas da viola], passei a mão direita na viola sem nenhum acorde. Falei “pô, tem um som bonito”, na afinação de viola caipira, falei “vou compor alguma coisa”, eu tinha acabado de sair de um disco. Aí quando eu peguei a viola caipira, e dei um acorde, resolvi tocar nela, achei muito duro pra minha mão esquerda, que a mão direita ainda usa palheta, mas a mão esquerda eu achei muito duro. Sabe o que eu fiz? Eu peguei um violão nylon que eu tenho, super macio, e transformei ele numa afinação de viola caipira. Cada disco meu, que eu faço, é um portal que se abre, em algum momento se abre um portal. Quando eu fiz o “Chama viva” com a Patrícia, eu nunca tinha tocado no órgão da minha casa, eu toquei no órgão, foi um portal, falei “dá para fazer várias com esse som”. Eu já fui um pouco letrista na minha vida, principalmente no tênis, mas, assim, eu faço tanta música que eu não tenho tempo de fazer letra. Fazer música pra mim, fazer discos pra mim, eu costumo falar isso, eu não estou fazendo mais música, eu estou fazendo discos, eu estou fazendo de 10 em 10. Para você ter uma ideia, esse que eu vou fazer com o Márcio ano que vem, eu compus em um mês; dois meses depois eu compus esse com o César Maurício. O César Maurício era para sair depois do disco com o Márcio; o disco com o Márcio tem até nome já, “A estrada”.

ZR –A que se deveu essa inversão?
LB – O Márcio teve alguns problemas, alguns contratempos, e não me entregou as letras a tempo. E o Cesar me entregou as letras todas. Mas a distância de um disco para o outro, na minha composição, eu passei o mês de março, por isso eu até pensei no Márcio, as marcianas, passei o mês inteiro de março tocando, compondo para essas músicas com afinação de viola caipira. Ah, detalhe: eu componho e vou para o estúdio gravar. Eu não fico com música guardada em casa. Eu fico vendo compositores que falam “ah, eu tenho um baú de canções na minha casa”. Eu não tenho baú de canção nenhuma na minha casa. Eu deposito tudo no estúdio, eu materializo minhas canções, assim que elas ficam prontas eu já marco estúdio, já vou, gravo, e deixo à disposição da banda para discutir depois quais são os arranjos a serem criados. Esse negócio de baú, eu não gosto de guardar música em casa, eu não gosto de guardar nada, eu não sou colecionador de nada. Canções, nem as que eu componho eu guardo na minha cabeça. Eu só lembro das músicas e das letras quando eu vou me apresentar nos shows. Agora, os shows estão virando quase que um problema, porque eu estou com cinco discos de inéditas em cinco anos, aliás, agora já são seis, chega nos shows eu quero tocar pelo menos uma de cada um, entendeu? E o pessoal, o público quer ouvir as canções do “Clube da Esquina”, as canções do [A] “Via-láctea” [1979], do “Nuvem cigana” [1982], o público gosta e eu gosto de tocar essas músicas que eu fiz no século XX, do início da minha carreira, eu gosto, eu não abro mão de tocar essas músicas no show. Então, para fazer o set list do show atual meu, eu tenho que fazer uma certa engenharia, assim, de tocar, de fazer um painel pela minha composição. As mais expressivas, que são as mais conhecidas mesmo, descaradamente, são as do “Clube da Esquina”, eu toco todas nos meus shows. Aí quando chega nessa última produção de 2019 pra cá, que eu fiz cinco discos na sequência, eu toco uma de cada um. Aí quando eu estou lançando um disco, por exemplo, ano passado eu toquei três do “Chama viva”, que é o disco de 2022. Aí esse ano eu vou tocar três ou quatro do “Não me espere na estação”, que é o disco atual. Então, é uma engenharia fazer um set list para quem faz tanta música, e decorar todos os acordes e principalmente decorar todas as letras. É uma coisa de muita dedicação, de muita entrega. Eu até falei que não gostava muito dessa palavra, trabalho, que é meu hobby, minha diversão e minha profissão. Talvez a composição, pra mim, seja uma coisa, que eu sou muito dedicado. Quando eu faço um álbum eu escuto ele muitas vezes. Os álbuns dos anos 1970, 80, 90, século XX, eu não escuto nada, eu só escuto quando eu vou para um ensaio, fazer os shows, aí eu vou ensaiar, toco lá “O trem azul”, eu gosto sempre de tocar em arranjos originais, acho bacana tocar nos arranjos originais. Porque tem aquela coisa, passa uma década, muda o estilo de música no mundo, aí você começa a querer adaptar suas canções para música do mundo atual. Eu não tenho muito essa história, não, eu gosto dos arranjos originais e vou seguindo com os arranjos originais. Agora, disco, eu não sei quando é que vai parar. Tem hora que eu vejo um pouco de loucura nisso também. Eu não sabia que eu com 68 anos de idade, hoje eu estou com 71, que eu fosse fazer cinco, seis discos de inéditas, um atrás do outro, eu não previ isso pra mim. Isso aconteceu. Porque a música é a minha forma de expressão, minha forma de lidar com o mundo, minha forma de lidar com a minha vida, minha forma de celebrar a vida, de dar as minhas impressões do mundo que eu vivo. Mesmo eu não fazendo as letras, porque eu não tenho tempo, eu acho até que faço letras que eu gosto, mas eu não tenho tido tempo de fazer letra. A música pra mim é um negócio fundamental, é igual tomar banho, almoçar, dormir, é um negócio que está incorporado ao meu cotidiano, a música é muito incorporada a meu cotidiano, a meu dia-a-dia. Então, faz parte das minhas 24 horas diárias, a composição faz parte.

ZR –Ao lado de teus pares de Clube da Esquina, você influenciou gerações e, particularmente você chegou a dividir um disco com Samuel Rosa, que é um dos artistas assumidamente influenciados por você e por todo o Clube da Esquina.
LB – [interrompendo] É, eu dividi com ele um disco, uma turnê e um dvd.

ZR – Sim. Nesse novo álbum, “Não me espere na estação”, a gente percebe ecos de um som mais roqueiro, em que poderíamos citar nomes como o próprio Skank e Cazuza. Na tua opinião, essa influência é recíproca? No seguinte sentido: você, ao mesmo tempo que influencia, é também influenciado, numa troca saudável de quem está aberto, disposto e atento às novidades? Você falou, por exemplo, que era fã do César Maurício, do Virna Lisi, do Radar Tantã, e agora aprofunda uma parceria que já foi iniciada há 20 anos.
LB – A influência do rock inglês, do [cantor, compositor e guitarrista Jimi] Hendrix [1942-1970] americano e de outros artistas, artistas brasileiros mesmo, a minha cabeça, as minhas influências são uma miscelânea: bossa nova, Jackson do Pandeiro [1919-1982], Luiz Gonzaga [1912-1989], Jimi Hendrix, Jimmy Page, Led Zeppelin, então, assim, eu fui influenciado, porque depois de uma certa idade eu não me influencio mais pela música de ninguém. Eu simplesmente me sinto bem. Eu escutei uma artista, que é filha de um amigo meu, uma artista nascida em Roterdã, ela se define como mineira nascida em Roterdã, ela é espetacular, ela chama Jasmin Godoy, depois se você tiver curiosidade escuta no spotify. A menina é um monstro, é foda pra caralho, mas eu nunca vou fazer uma música igual a que ela faz, porque a música está em constante evolução, inclusive a minha. Agora essa coisa de ter sotaque rock na minha vida, eu não fui influenciado por Skank, eu fui influenciado por Jimi Hendrix. O Skank eu admiro, é outra coisa, eu tenho admiração pelo Skank. Porque na época que o Skank apareceu eu já estava muito consolidado dentro de mim como compositor. Então eu não estava muito afeito a influências, porque qualquer coisa que eu faço tem a minha assinatura, se eu faço um baião, pode não ser um Luiz Gonzaga, pode não ser o Jackson do Pandeiro, mas está ali um pouco do Lô Borges mesmo, a minha assinatura está nas minhas composições. Eu vejo assim, as minhas composições têm uma assinatura, independente do gênero que eu trafegue. E eu já trafeguei muito rock, eu comecei, eu tinha 10 anos eu tinha banda cover dos Beatles. Então essa coisa pra mim não é novidade, ter rock, é porque eu entrei num segmento da música brasileira que é considerado MPB, catalogava MPB, mas eu tenho influência rock. No “Clube da Esquina” o “Trem de doido” é quase um rock, no disco do tênis é cheio de rock, eu tinha 19 anos. Se o Samuel, se o Skank se influencia, ou outra geração posterior à minha se influencia por alguma coisa que eu faço, eu fico orgulhoso, feliz e bato bola com os caras. O próprio César Maurício, que é bem mais jovem que eu. Eu me procuro nas canções, eu procuro a minha identidade nas canções e eu escuto muita música que não é minha, eu não sou voltado pro meu umbigo. Eu tenho uma certa disciplina, eu gosto de compor mais de manhã, na parte da manhã, mas à tarde eu escuto muita coisa de música brasileira, tanto que eu citei Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Tom Jobim [1927-1994], até Ivon Cury [1928-1995] eu escuto, para você ter uma ideia. Eu sou um apaixonado pela música brasileira. Eu sou um compositor brasileiro, eu sou um músico brasileiro, mas que fui muito influenciado, na minha gênese, pelos Beatles, e essa influência não aparece na minha música. Aparece na música do Beto Guedes com mais evidência, mas eu não consigo identificar nada beatle na minha música. Mesmo no “Clube da Esquina” eu não vejo, não acho “O trem azul” uma canção beatle; tanto que o Tom Jobim gravou “O trem azul” numa versão balada, de um jeito ali que é a assinatura dele. Eu acho que a música é um negócio muito infinito, você pode trocar figurinhas. Mas de repente eu estou falando besteira, estou falando que não me influencia, que nada mais me influencia, e pode influenciar, eu não consigo é perceber na minha música alguma coisa diferente do que seja a minha assinatura, o meu DNA.

ZR – “Não me espere na estação” tem essa sonoridade bem urbana, bem roqueira, e isso se deve ao trio que te acompanha. Quero te ouvir sobre esses nomes.
LB – Ah, o trio que me acompanha é imbatível. Esses caras estão comigo, dois deles na estrada há quase 15 anos, o Henrique Matheus, guitarrista, e o Robinson Matos, baterista. E o contrabaixista, que faz teclados e percussão no disco também, o Thiago Corrêa, eu só trabalho com ele no estúdio. Ele está há cinco discos consecutivos, ano após ano comigo, é um cara que não está comigo na estrada, porque ele tem outras estradas, ele é dono de um estúdio. Mas esses caras, pra mim, eles me desafiam. Cada conjunto de 10 músicas que eu chego e apresento pra eles, eles me apresentam versões de arranjos pra eu escolher tão incríveis, tão malucas, que eu falo “pô, esse pessoal está entendendo cada vez mais minhas músicas, esse pessoal está entendendo a minha linguagem”, então, é um pessoal com quem eu sou muito afinado, eu quero fazer muitos discos com esse pessoal. Eu tenho material para mais discos ainda, porque teve um negócio chamado pandemia aí, que eu fiquei em casa, eu fiquei em casa compondo, compus pra caramba, compus 80 músicas, mas esse trio, é um trio assim, eles estão comigo, dois na estrada e um está só no estúdio, nos meus discos. É um pessoal que cada vez que eu apresento pra eles é um desafio e cada vez que eles apresentam um arranjo, uma coisa, uma leitura deles da minha música, eu falo assim “no próximo eu quero ver”, aí eu fico fazendo surpresas pra eles, porque cada disco meu teve uma cara diferente, atualmente. E eles encaram meu lado coringa, de apresentar cada disco com uma leitura diferente, com uma linguagem diferente, sei lá como eles pensam. Eu sei que eles são muito talentosos, são muito afinados com a minha música, eu corrijo pouca coisa dos arranjos que eles criam entre eles lá, eu corrijo pouquíssima coisa, algumas coisas eu falo assim “isso aqui pode ser mais assim, pode ser mais assado”. Eu acho que eu tenho a sorte de escolher bem quem toca comigo e quem faz as letras das minhas músicas, acho que aprendi a escolher legal.

ZR – Como está a agenda de shows e esse trabalho todo que envolve o lançamento de um novo álbum?
LB – Isso é uma lógica que existe mesmo, em quem lança um disco ter uma agenda de shows. Eu tenho uma agenda já configurada, que normalmente a gente fica ali meio no triângulo das bermudas: Minas, Rio e São Paulo, que são os lugares em que eu mais toquei na minha vida. Porque naquela época que eu ia tocar em São Luís, que eu ia tocar em Recife, que eu ia tocar em vários outros lugares, no Sul, parece que, porque os discos que eu faço, como eu não sou um cara da mídia, aliás, é uma coisa que eu não abro mão, não ser da mídia [risos], eu não gosto de me expor muito, eu gosto de fazer show, eu gosto de público, eu não gosto de programas, eu nunca fiz jabá das minhas músicas para tocar no rádio, essa lógica de fazer um disco e sair peregrinando nos lugares para fazer a divulgação, eu não tenho muito essa história, eu faço um disco, eu estou pensando no próximo. Não que eu abomine a mídia, eu estou dizendo que eu não sou da mídia. Você não me vê nas principais televisões do Brasil muitas vezes, você me vê pouquíssimas vezes. Minhas músicas não são tão executadas nas rádios, quando são são as músicas do século XX, são as músicas do “Clube da Esquina”, do [A] “Via-Láctea”, do “Nuvem cigana”. Então, como o disco do tênis só bateu 45 anos depois, essas músicas que eu estou fazendo, quando baterem, eu já não estou mais aqui nesse planeta.

ZR – Para fechar, você falou que não coleciona nada, quando você falou do baú de músicas, que não tem música guardada. Esse novo álbum já está disponível nas plataformas de streaming. Vai ter edição física também, em cd ou vinil? E você, como consumidor de música, tem preferência por formato na hora de ouvir?
LB – Até o ano passado, “Chama viva” foi um disco que eu fiz com cd físico. Mas como a minha parceria com a gravadora que eu lanço, a parte dela, a minha parte, aliás, eu sou um idealista, porque eu faço esses discos não é porque eu sou queridinho de gravadora que está pagando tudo. Eu pago os meus discos, eu banco os meus discos e não sou rico [risos], eu banco os meus discos com meus direitos autorais. Então, em vez de eu ter uma mansão não sei aonde, eu tenho cinco discos em cinco anos. Eu tenho uma parceria com a gravadora, a gravadora faz as coisas dela, então o cd físico sai do meu bolso, o custo disso, e eu comecei a achar que eu estava gastando dinheiro demais com cd físico, que é um nicho cada vez menor, das pessoas quererem cd físico. Então eu escuto muita música em plataformas digitais. Eu tenho um toca-cd aqui em casa que eu nem sei se ele funciona mais, vinil eu não tenho aqui na minha casa. Eu gosto de escutar música de fone, e plataforma digital é um cardápio infinito, você escolhe 500 coisas ao mesmo tempo.

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Ouça “Não me espere na estação”:

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