Cena do filme
Cena do filme "The Fabelmans", em cartaz nos cinemas - Foto: Divulgação

The Fabelmans é um Steven Spielberg diferente de tudo o que já vimos de sua obra. É um filme autoral, quase autobiográfico, sentimental sem ser piegas e nostálgico como ama Hollywood. É também uma homenagem aos tantos mestres do cinema que o precederam e ergueram uma poderosa indústria de entretenimento, da qual ele próprio vem ajudando a construir. Nessa crônica do sempre traumático amadurecimento, podemos ver com os olhos de Spielberg, ou, na verdade, aquilo que ele permite que vejamos.

Nos 150 minutos do longa The Fabelmans, o premiado cineasta, produtor cinematográfico, roteirista e empresário nascido em Cincinnati, Ohio, revela um pouco de como sua infância e sua adolescência moldaram o Spielberg que está por trás das câmeras. O espectador acompanha a vida de Sammy (Gabriel Labelle), filho de Burt (Paul Dano), um pacato engenheiro tido como gênio da eletrônica, e da dona de casa e pianista Mitzi (Michelle Williams). A família judia se completa com mais três meninas, Reggie (Julia Butters), Natalie (Keeley Karsten) e Lisa (Sophia Kopera). Eles são os Fabelmans, e não os Spielbergs, uma história semi-ficcionalizada que mostra como um menino que descobre a paixão pelo cinema, enquanto sua família se desmorona lentamente.

Numa das primeiras cenas, Sammy (interpretado nessa fase por Mateo Zoryan) vai ao cinema pela primeira vez, acompanhado dos pais, e sai traumatizado depois de ver O Maior Espetáculo da Terra (1952), filme de Cecil B. DeMille. Para superar esse episódio, a mãe Mitzi, artista por vocação, sugere que o garoto use a câmera – um bem de luxo que situa os Fabelmans, digo, os Spielbergs num patamar confortável na escala social – para filmar com o trem de brinquedo as mesmas imagens que impactaram o filho na tela grande. Foi o primeiro de seus filmes caseiros.

Aos 13 anos, mais exatamente em 1959, Spielberg apresenta o primeiro curta, The Last Gun. Nesse e nas produções seguintes, retratadas no longa, o adolescente consegue reunir amigos e colegas para filmar de forma artesanal e criativa curtas que eram claramente inspirado em faroestes de John Ford, um personagem que voltará de forma singular e importante no final de The Fabelmans, numa interpretação divertida de David Lynch. Outras referências, mais ou menos visíveis, serão facilmente captadas pelos cinéfilos. Dica: tente encontrar a homenagem a Blow-Up, de Michelangelo Antonioni.

Promovido a cineasta da família, Sammy é aconselhado pelo pai que aquilo se tratava de um hobby, e não uma profissão. Todos sabemos que não era um hobby, e Spielberg tinha mesmo o dom para enxergar aquilo que quase ninguém vê. É nessa pequena chave que eclode um conflito que perseguirá Sammy, e também à sua família. É editando filmagens familiares que o adolescente descobre um segredo de sua mãe, que envolve o “tio” Benny (Seth Rogen), amigo do pai. Como um escritor que fala com as palavras escritas, Sammy prefere dizer o que pensa por meio de seus filmes.

Arte e família

A inesperada visita do tio Boris (Judd Hirsch), após a morte da avó de Sammy, é divisora de águas na história de Spielberg, cujo roteiro é co-assinado por Tony Kushner. Boris é um artista circense, e sem papas na língua dá um conselho que mudará a vida do jovem e futuro cineasta. Muitas vezes, é preciso separar arte e família. Isso significa que ele terá de optar entre o cinema, muito mais ligado à mãe a quem começa a se opor, e a família, que remete ao pai sempre generoso e até ingênuo que faz de tudo para manter todos unidos debaixo do mesmo teto.

Sammy vai para o colégio, onde amadurece sempre ao lado de uma câmera. É por meio dela que consegue superar o trauma da depressão, do bullying que sofre na escola, do anti-semitismo e dos conflitos familiares. Nenhuma dessas situações em The Fabelmans é exposto de forma complexa. É como se para todos os problemas da vida sempre houvesse a fuga pelo cinema, pelas imagens em movimento, pela possibilidade de sempre poder se inventar um novo desfecho para a história.

The Fabelmans não explica as obras de Steven Spielberg, nem dá pistas de como ele conseguiu ter em seu extenso portfólio blockbusters do porte Os Caçadores da Arca Perdida (1981), ET (1982), A Cor Púrpura (1985), A Lista de Schindler (1993), O Resgate do Soldado Ryan (1998) ou The Post (2017). A quase autobiográfica obra, que venceu o prêmio de Melhor Filme do Globo de Ouro, concorre em diversas outras premiações importantes, inclusive o Oscar, é a oportunidade de ver o mundo como Spielberg vê, e isso já é bastante inspirador.

The Fabelmans. De Steven Spielberg. Estados Unidos, 2023, 150 mins.
PUBLICIDADE

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome