Desde 1952, a cada década, a publicação Sight and Sound, editada pelo British Film Institute, faz uma lista dos maiores filmes de todos os tempos. Cada nova lista traz atrás de si um rastro quente de controvérsia e debate, e neste momento, o ranking de 2022 é o centro do burburinho. Foram recolhidas as listas de 1.639 críticos de cinema, programadores de festivais, curadores, arquivistas e acadêmicos. Na última seleção, o campeão tinha sido Um corpo que cai (Vertigo, 1958), de Alfred Hitchcock. Agora, o filme de Hitchcock perdeu a ponta para Jeanne Dielman (Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles, de 1975), filme dirigido pela belga Chantal Akerman (1950-2015). É a primeira vez que um longa de uma mulher fica no topo da lista (passando do 35º lugar em 2012 para o 1º este ano).
Evidentemente, toda lista é feita de exclusões e inclusões circunstanciais, o que inflama o debate. Há diversas ausências sentidas no ranking, como o polonês Andrzej Wajda, o finlandês Kaurismaki e o espanhol Luis Buñuel (como já apontou o crítico brasileiro Luiz Zanin Oricchio). Mas certamente as mais sintomáticas ausências serão aquelas associadas a diferentes tipos de “cancelamento”, como as do norte-americano Woody Allen (objeto de um veto sub-reptício há alguns anos), do dinamarquês Lars Von Triers e do norte-americano Quentin Tarantino. Mais do que um exame da qualidade da obra, a lista sugere que prevaleceu também um critério de adequação ética que se insere no debate contemporâneo. E tem sempre a inflexão etnocêntrica: não há nada do brasileiro Glauber Rocha nem há filmes argentinos na lista (caberia ao menos um Campanella).
O cinema mais moderno tem Spike Lee (Faça a Coisa Certa) representando na lista. Akira Kurosawa tem Rashomon e Os Sete Samurais na lista, mas caberia perfeitamente Ran.
Outra questão periférica é o gosto particular de cada cinéfilo: eu, por exemplo, colocaria uns três Sergio Leone ali (foi incluído Era uma vez no Oeste), começando por Três Homens em Conflito. Blade Runner subiria para o Top 10 tranquilamente. Quanto aos dois Fellini escolhidos, La Dolce Vita ficaria num posto acima de 8 1/2, na minha opinião. Por uma questão de impacto cultural, no lugar de Barry Lyndon, de Stanley Kubrick, eu colocaria Laranja Mecânica.
A nova líder do ranking é uma personagem em si. Chantal Akerman tinha apenas 25 anos quando dirigiu Jeanne Dielman, um petardo feminista que pouquíssimos viram (não estreou comercialmente no Brasil no tempo de seu lançamento). A diretora se suicidou em 2015.
Conheça a lista dos filmes escolhidos aqui:
https://www.bfi.org.uk/sight-and-sound/greatest-films-all-time