A quantidade de filmes brasileiros com mais de 500 mil espectadores caiu de sete para zero nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro. O público total de filmes brasileiros caiu de 23,8 milhões para 911 mil e, mesmo com a recuperação global do setor a partir de 2021, o mercado brasileiro não conseguiu reagir.  Num exame do market share dos filmes brasileiros, vê-se que o público das produções nacionais em relação ao público total em salas de cinema caiu de 14,78% em 2018 para 1,74% em 2021. Já o percentual da renda dos filmes brasileiros em relação à renda total, no mesmo período, caiu de 11,69% para 1,72%.

Esses apontamentos emergem de um estudo entregue por um grupo de servidores da Ancine à equipe de transição para a cultura do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva, e mostra o tamanho do problema que se tornou a Agência Nacional de Cinema (Ancine), instrumentalizada como arma de guerra ideológica pelo governo bolsonarista. O audiovisual brasileiro, até 2017, empregava cerca de 400 mil pessoas direta ou indiretamente.

Conforme o estudo, a participação brasileira em festivais internacionais também desabou nesses quatro anos. Em 2019, por exemplo, ainda como efeito das políticas audiovisuais anteriores, o Brasil tinha sido o quarto país com maior número de obras exibidas no Festival de Cannes, com dois filmes disputando as principais competições e saindo premiados. Em 2022, o Brasil, pela primeira vez em décadas, não teve nenhuma obra selecionada para Cannes. No Festival de Berlim, a participação brasileira caiu de 12 produções em 2019 para 6 em 2022 (Marighella, de Wagner Moura, perseguido diligentemente pelo ex-secretário Mario Frias e pela direção da Ancine, disputou a competição principal). Nenhum dos 6 representantes estava na mostra principal.

O setor de exibição também foi severamente atingido pela falta de políticas para o setor. O total de salas de exibição no Brasil caiu de 3.507 em 2019 para 3.249 em 2021. A pandemia explica a queda de 7,4%, mas os números totais escondem, pondera o texto, uma mudança preocupante do perfil e distribuição das salas de cinema.Neste mesmo período, a quantidade de salas localizadas em shopping centers caiu 4,7%, enquanto a queda nas salas localizadas em cinemas de rua foi de 22,8%, fazendo com que atualmente mais de 90% das salas de cinema em funcionamento no país estejam localizadas em shopping centers.

 “Além da redução drástica dos editais do Fundo Setorial do Audiovisual (FSP), esta piora brasileira no desempenho internacional pode ser explicada também pela política de censura ideológica promovida pela atual gestão da agência, sempre sob argumentos pseudo-técnicos”, diz documento. A censura será outro legado deixado pelo governo Bolsonaro. Marighella só chegou aos cinemas dois anos após seu lançamento internacional, perseguido pela burocracia estatal. Já A vida invisível, de Karim Aïnouz, assim como “Babenco: Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer Parou”, de Barbara Paz, tiveram negado o apoio para participação na disputa ao Oscar pela agência. A Ancine também proibiu a exibição de A Vida Invisível em uma atividade de capacitação dos servidores da agência. Além disso, após denúncias de censura a filmes brasileiros com temática LGBT em festivais em Portugal, a Ancine encerrou o Programa de Apoio a Apoio à Participação Brasileira em Festivais Internacionais. A principal marca da participação brasileira em festivais internacionais nos últimos anos passou a ser justamente os protestos contra a censura.

“Como se vê, a crise no audiovisual brasileiro não é crise, é projeto, é consequência direta da política bolsonarista implementada pela atual gestão da Ancine”, pontua o texto. De 2018 a 2021 (dados mais recentes), a quantidade de filmes brasileiros lançados em salas de cinema caiu de 182 para 129.

A principal desculpa do governo Bolsonaro para a inação da Ancine durante esse período foi a necessidade de atender recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU), que, em 2019, apontara falhas na metodologia de prestação de contas da agência, que possuía um passivo de mais de 4 mil prestações de contas para análise. Ao longo destes anos, os diretores da agência usaram o acórdão do TCU como “muleta” para criar uma força-tarefa dedicada exclusivamente às contas e paralisar o FSA. Por conta dessa insistência, o Ministério Público Federal (MPF) processou a diretoria da época (que já contava com os diretores Alex Braga Muniz e Vinicius Clay) por improbidade administrativa, denúncia que foi acolhida pela Justiça. O resultado daquela ação da Ancine, se sabe hoje, foi inócuo: o passivo da prestação de contas caiu apenas de 4.163 para 4.089, uma diminuição de 1,7%. Uma ação ineficiente e que foi usada politicamente para fustigar adversários ideológicos da agência, como o veterano cineasta Cacá Diegues.

Apesar de toda essa ação daninha e contrária ao interesse público que se repetiu em duas gestões da direção da Ancine, há um esforço coordenado em anistiar os principais responsáveis por essa tragédia e recolocá-los na nova estrutura que o governo eleito pretende instalar.

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