“Carvão” e a carvoaria Brasil

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Irene (Maeve Jenkings) vem ver o que aconteceu com o Brasil em "Carvão"

Após um ato de extrema brutalidade, Irene (Maeve Jinkings) traz para dentro de casa um intruso, Miguel (o argentino César Bordón). Ele passa a morar com a família de Irene na casa precária anexa a uma carvoaria, em algum canto rural ou semi-rural do município paulista, quase mineiro, de Joanópolis. Irene já foi Miss Lobisomem (Joanópolis é conhecida como “capital do lobisomem“), mas sua vida no presente se resume às entregas de frangos assados e aos cuidados prestados ao pai idoso em estado vegetativo, Firmino (Benedito Alves), ao marido propenso ao alcoolismo, Jairo (Rômulo Braga), e ao filho pequeno, Jean (Jean Almeida da Costa).

O intruso desestabiliza uma vida familiar já bastante frágil e desencadeia transformações, tensões e situações que expõem limites crescentemente difusos entre a dita normalidade e a banalidade do mal que nos ensinaram os fascistas, os nazistas e seus respectivos seguidores. Além de contar uma história com leve propensão ao cinema de horror, “Carvão”, dirigido com maestria por Carolina Markowicz, elabora nessa trama simples uma metáfora potente sobre este Brasil que vem, há uma década, flertando, namorando e por vezes até se casando com o fascismo escancarado. “O que Deus prefere? A gente sofrendo ou morrendo?”, pergunta Irene a certa altura ao padre (Dinho Lima Flor), como a reclamar do esquecimento e do abandono devotados por Deus a Joanópolis (ao Brasil) naquela (nesta) quadra histórica.

"Carvão" (2022), de Carolina Markowicz
Irene (Maeve Jinkings) e Jairo (Rômulo Braga) à sombra da carvoaria

Espetáculo à parte, além da história e de suas entrelinhas, são as atuações das atrizes e atores, em especial Maeve Jinkings, Rômulo Braga, César Bordón, Aline Marta (como Juracy, agente do posto de saúde local), Camila Márdila (a vizinha bisbilhoteira Luciana) e o menino Jean Almeida da Costa, de espontaneidade excepcional. O forasteiro, dado a modos de dono da casa, faz a família claudicar de abuso em abuso e ficar pior do que era. Embora de modo nada literal, é possível, por exemplo, chamar o invasor/sequestrador/usurpador pelo nome de você sabe quem e a família/casa/carvoaria pelo apelido de Brasil. Se o intruso terá o mesmo destino na ficção e na vida real, começaremos a descobrir no próximo domingo, num filme que pode se arrastar por anos ou décadas. Ninguém de nós ficará bem na foto.

"Carvão", de Carolina Markowicz

Carvão. De Carolina Markowicz. Brasil, 2022, 1h48min. Estreia nos cinemas no próximo dia 3.

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