“Gestar, parir e cuidar de um ser é estar diante da experiência mais transformadora que já vivi”, comenta a cantora e compositora Flaira Ferro, traduzindo o mote de Afeto radical, quarto álbum solo de sua carreira – ela lançou ainda Áua (2023), com Clara Coelho –, que chega às plataformas de streaming na próxima sexta-feira (28) – faça aqui o pré-save.
O novo álbum é coerente com a estrada percorrida até aqui: evoca toda a multiplicidade da artista, mescla elementos da cultura popular de Pernambuco com pitadas de pop, rock, eletrônica e algum experimentalismo, traz reflexões sobre temas atuais e urgentes – a maternidade é apenas o primeiro deles –, levando o ouvinte a pensar ao mesmo tempo em que convida-o para a pista.
“O que melhor define você: atriz, cantora ou bailarina?” foi a primeira pergunta, um tanto ingênua, que lhe fiz, quando entrevistei-a pela primeira vez, em 2015, por ocasião do lançamento de Cordões umbilicais (2015), motivado pela faixa “Atriz, cantora ou dançarina?”, que já trazia em si resposta à minha questão.
O fato é que, passados 10 anos desde sua estreia no mercado fonográfico, Flaira Ferro está cada vez mais ao largo de rótulos, enquadramentos, classificações. Aos títulos da pergunta-canção some-se o de mãe, que ela orgulhosamente exibe nas redes sociais, não por narcisismo, mas procurando empoderar outras mulheres, que não raro têm que escolher entre ser mãe ou ser qualquer outra coisa.
“Irrelevar” (Flaira Ferro, PC Silva e Isabela Moraes) aborda a questão: “faz com que eu não caiba dentro da caixinha”, reza a letra, instigante, sábio conselho nestes tempos em que influencers e algoritmos são o centro das atenções.
“Um quê de permissão pra ser o que der na telha/ um quê de permissão pro afeto radical”, sintetiza na faixa-título (Flaira Ferro e Lucas Dan), que abre o álbum, cantada em dueto com o conterrâneo Lenine – single lançado em fevereiro, antecipando o álbum, produzido pelo baterista e percussionista Guilherme Kastrup – exceto a faixa “A alma” (Isabela Moraes e Roseana Murray), produzida por Henrique Albino. Elba Ramalho participa de “Os ânimos” (Flaira Ferro e Isabelly Moreira).
Na capa (de Matheus Melo) Flaira Ferro nos encara, séria como o recado que tem a dar – brincadeira é coisa séria, festa é coisa séria, “como a força da criança/ que me habita, que te habita/ não se esqueça: entusiasmo é manutenção”, canta em “Dança da estrela” (Flaira Ferro). Aparece vestindo uma roupa que parece que parou de esvoaçar naquele instante, da pose para o clique, segurando uma sombrinha da qual sobraram apenas uns poucos enfeites e as talas, como quem acabou de dançar um frevo em meio ao furacão.
O furacão é ela própria: pela dança ou pelo pensamento, ninguém sai ileso de um álbum de Flaira Ferro, uma artista necessária.
*
Veja o videoclipe da faixa-título: