Cineastas e produtores pedem intervenção urgente de Lula na política audiovisual do MinC

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A ministra da Cultura, Margareth Menezes

Cinco das mais importantes associações do cinema brasileiro, representando centenas de produtores, roteiristas, animadores, desenvolvedores de games e cineastas, enviaram uma carta aberta nesta sexta-feira, 15, ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, pedindo uma mudança urgente na condução das políticas audiovisuais do governo brasileiro. Essas políticas estão a cargo do Ministério da Cultura.

As entidades pedem o empenho do governo na regulação do ambiente digital, especialmente do streaming, com uma legislação que parta do interesse maior do audiovisual brasileiro; a atualização das atividades econômicas do setor e a regulamentação do marco legal dos games (Lei 14.852/2024, sancionada por Lula em maio e ainda sem regras); e acusam morosidade, inação e ausência de articulação política dos responsáveis pelo setor no governo, o que provoca problemas como a falta de transparência na tramitação da renovação da Lei do Audiovisual.

Os cineastas também chamam a atenção do presidente para o uso anômalo do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), em cujos recursos estão apoiados a quase totalidade das políticas e “cujo comitê é comandado pelo Ministério da Cultura, com a maioria dos votos”, “desconfigurado”, e que “regrediu na organização e no planejamento do fomento”, com confusão de critérios, má gestão e gerando “um ciclo que não nos leva a lugar algum”, afirma o documento.

Não é uma iniciativa isolada. Segundo a colunista Monica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo, um grupo de cineastas, empresários e produtores brasileiros já tinha se reunido na última segunda-feira, 11, com o ex-ministro e ex-presidente do PT Ricardo Berzoini. Os produtores alertaram para o momento difícil por que passa o setor audiovisual, declararam sua insatisfação com a atual gestão e disseram que buscariam uma interlocução direta com Lula para tratar do tema. Entre os cineastas presentes à reunião, estavam os diretores Tata Amaral e Helder Queiroga e os produtores Mariza Leão, Débora Ivanov e Pedro Buarque de Holanda.

Abaixo, FAROFAFÁ publica a íntegra do documento que as associações de cineastas enviaram para o presidente Lula, com o diagnóstico dos problemas que estão emperrando o setor:

CARTA ABERTA DO CINEMA E DO AUDIOVISUAL BRASILEIRO

15 de Novembro de 2024
Excelentíssimo Senhor Presidente da República Federativa do Brasil
Luiz Inácio Lula da Silva

Subscrevem esta carta,
ABRA – Associação Brasileira dos Autores Roteiristas
ABRACI – Associação Brasileira de Cineastas
APACI – Associação Paulista de Cineastas
ABRANIMA – Associação Brasileira de Animação
ABRAGAMES – Associação Brasileira de Empresas Desenvolvedoras de Jogos Digitais
SINDICINE – Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual dos
Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito
Federal.
STIC – Sindicato Interestadual dos Trabalhadores da Industria Cinematográfica e Audiovisual

Senhor Presidente,

Gostaríamos de saudá-lo pelo renovado sentimento de esperança que sua gestão traz para o
nosso país. É inspirador ter na presidência alguém que historicamente luta por um Brasil mais
inclusivo e comprometido com o nosso desenvolvimento econômico e social.
Escrevemos, aqui, empresários, trabalhadores, cineastas e técnicos em nome da indústria
brasileira de cinema e audiovisual para compartilhar nossas crescentes preocupações com a
ausência de uma política pública robusta e estratégica para o setor. A ausência de ações
governamentais de apoio e regulação específicas nos coloca diante uma desindustrialização
iminente, ameaçando nossa cadeia produtiva que, até recentemente, gerava milhares de
empregos, impulsionava o PIB.
A ausência de uma política que reconheça o setor audiovisual como uma atividade industrial
estratégica está colocando as empresas do setor em uma situação de desvantagem no mercado
global, e afetando os trabalhadores, técnicos talentos criativos, roteiristas. Encontramos hoje

dificuldade para desenvolver novos conteúdos, o que afeta diretamente o nosso
desenvolvimento econômico, nosso potencial de gerar conteúdos diversos e competitivos e
consequentemente nossa presença em todos os mercados.
A falta de regulação do ambiente digital agrava esse cenário. As plataformas de streaming que
hoje dominam a distribuição e fruição audiovisual, operam em um cenário de total assimetria
regulatória. Isso significa que grandes conglomerados estrangeiros usufruem do nosso mercado
— o 2o maior no mundo — sem recolher impostos e taxas proporcionais à sua operação aqui,
sem distribuir os direitos autorais de forma justa e equilibrada, gerando uma concorrência desleal
e provocando uma perda expressiva de receitas para o governo. Em contraste, a União Europeia
já implantou regulamentações rigorosas para garantir a preservação de suas indústrias locais.
Todas as regiões do Brasil produzem audiovisual, somos um Brasil só, rico e plural. Mas a falta de
critério e organização da política pública por parte do governo desorganiza os polos consolidados
em todas as partes. Estamos unidos pela luta maior que é a defesa de nosso mercado nacional,
hoje ocupado pelo produto estrangeiro. A necessidade urgente da regulação do streaming, a
partir do interesse maior do audiovisual brasileiro, une a todos nós.
Outro exemplo é a crescente demanda pela atualização das atividades econômicas do setor e a
urgência em regulamentar novos CNAEs e ocupações, visto como exigido na lei 14.852/2024, o
chamado “marco legal dos games”, sancionado pelo senhor em maio último. Sem uma resposta
condizente ao tempo da indústria criativa digital, ficamos à mercê de enfrentar concorrência
desleal de polos produtivos internacionais e continuar sendo baixo nosso poder de
competitividade nacional em cenários como do crescimento da indústria de games em nosso país
e no mundo. A falta de transparência na tramitação da renovação da Lei do Audiovisual preocupa
extremamente.
Somos um segmento dos que mais emprega mão de obra jovem. Com políticas adequadas,
consolidaremos a posição do Brasil como um hub de produção audiovisual global, atraindo
investimentos, gerando renda e expandindo nossa presença cultural no mundo
Senhor Presidente, sabemos dos muitos desafios que o senhor e sua equipe enfrentam para
reconstruir o país. Mas estamos confiantes de que, ao tomar conhecimento da situação descrita,
o senhor compreenderá a importância de agir com urgência em defesa da nossa indústria.
Incentivar o setor audiovisual significa não apenas proteger e gerar empregos e fortalecer a
economia, mas impulsionar a cultura brasileira fortalecendo nossa identidade e soberania.
Nos colocamos à disposição e reiteramos nossa admiração ao Senhor, nosso Presidente.
A seguir elencamos parte dos problemas que nos impedem de alcançar patamares significativos
na conquista de um caminho sólido e perene para a nossa atividade:

PLATAFORMAS DE STREAMING SEM REGULAÇÃO
O Brasil continua sendo um dos poucos países que ainda não possui uma regulação para o
streaming. O conjunto da Economia Criativa já ultrapassou a Indústria Automobilística no que diz
respeito ao PIB. É injustificável que continuemos sangrando os cofres da nação e enfraquecendo
nossas empresas por estarmos praticando uma lógica subalterna e extrativista em relação a esses
players.
Treze anos depois da entrada da Netflix no Brasil, ela e outras plataformas de streaming, como
Amazon Prime, Apple, etc., seguem atuando sem regulação ou transparência, em um negócio de
dezenas de bilhões de reais, sem pagar os mesmos impostos e a taxa da CONDECINE (CIDE) que
são pagos pelas redes nacionais de TV e pelas TVs por assinatura. Além disso, não cumprem
qualquer cota de produção e exibição do produto brasileiro, como é exigido da TV paga.
O projeto de lei sobre o tema, atualmente aprovado no Senado e encaminhado à Câmara Federal,
caso não seja barrado, terá um impacto devastador na economia do setor. A falta de
protagonismo por parte do governo impede o recolhimento de tributos aplicáveis, a criação de
cotas de conteúdo brasileiro para exibição nas plataformas estrangeiras, o que prejudica o
investimento em produção e licenciamento de filmes e séries de propriedade intelectual de
empresas brasileiras produtoras e criadoras de nossos conteúdos. O Brasil (e suas empresas
produtoras) fica relegado a ser um mero prestador de serviços para as plataformas
internacionais, ocupando uma posição subalterna na economia global. Não podemos abrir mão
de nosso protagonismo; temos como bom exemplo o patamar atingido pela Coreia do Sul.
O Brasil está ficando para trás, e na Era Digital, qualquer atraso significa dezenas de anos.


INVESTIMENTO SEM DIAGNÓSTICO E CRITÉRIO
O Fundo Setorial do Audiovisual, cujo comitê é comandado pelo Ministério da Cultura, com a
maioria dos votos, está desconfigurado e, nesta gestão, regrediu na organização e no
planejamento do fomento. Estão sendo investidos recursos sem a preocupação com uma lógica
sistêmica; não há periodicidade fixa das reuniões e são criados novos critérios que, em sua
maioria, são mal estimados. Sem uma visão analítica de todo o ecossistema do setor produtivo,
torna-se impossível estabelecer uma estratégia que contemple a performance e o histórico das
empresas, ao mesmo tempo em que garanta aos setores emergentes um apoio consistente para
que se fortaleçam e cresçam de forma qualificada, estabelecendo, assim, um ciclo que não nos
leva a lugar algum.
Os editais não garantem, por si só, o caminho para a sustentabilidade e uma perspectiva
estruturante para as nossas empresas. Eles são um importante instrumento, devem continuar a
existir, porém não podem ser feitos a esmo, ao bel prazer de quem ocupa a cadeira da vez. A distribuição de recursos descolada de uma política pública responsável cria uma corrida
desenfreada, não programada, que serve meramente à sobrevivência casual do segmento
produtivo.
Os polos consolidados do audiovisual, que acumularam grande experiência em governos
anteriores de Vossa Excelência, são hoje sufocados e desestimulados, em todas as regiões.
Faz-se necessária a identificação e aplicação de critérios que visem à eficácia, objetivando a
realização de editais criteriosos, consequentes, que alavanquem na proporção devida polos
consolidados, crescentes e nascentes, buscando o crescimento sólido e saudável em todas as
escalas. Não se pode tratar de forma igual CNPJs de idades e volumes de produção diferentes,
como ocorre no presente momento.
Faltam linhas de financiamento que alimentem de forma orgânica a atividade, como as etapas
de desenvolvimento de roteiro, ausência de foco em filmes e séries de animação, infantojuvenis,
documentários, games, citados aqui como exemplos parcos de uma gama de lacunas que os
investimentos atuais apresentam. São linhas de investimento que precisam ser contempladas de
forma sistêmica.


TELEVISÃO FORA DO FOCO
É importante o fortalecimento das linhas que fomentam a produção brasileira para as TVs, não
somente para aquelas que veiculam produtos nacionais, mas também para as demais no
segmento de TV paga que exibem nossos produtos.

ROTEIRO
Os roteiristas são talentos essenciais da nossa indústria. A falta de regulação do VOD e a ausência
de uma política para o desenvolvimento de roteiro estão precarizando o trabalho criativo, o que
tem um impacto significativo na qualidade e no alcance da nossa produção nos mercados interno
e externo.

ANIMAÇÃO
A animação, que nos deu a alegria de uma indicação ao Oscar e é um pilar da indústria
audiovisual, segue sem uma política estruturante. Com a proibição da publicidade infantil, os
conteúdos infantis ficaram cada vez mais escassos e hoje nossas crianças estão sendo educadas
com conteúdo estrangeiro. A animação, que deu um salto em seu governo, hoje enfrenta vários
desafios para acessar todos os tipos de política pública, que não entende as especificidades do
setor. O setor é um dos que mais gera renda, emprego e tem reconhecimento internacional,
mesmo sendo um dos menos apoiados.

DISTRIBUIÇÃO, EXIBIÇÃO E FORMAÇÃO DE PÚBLICO
No momento em que temos centenas de filmes produzidos com dificuldade para chegar às telas,
a distribuição e a exibição devem ser vistas como pilares estratégicos da política audiovisual.
Além disso, investir na formação de público e na capacitação de profissionais, em diálogo com o
Ministério da Educação e outros órgãos, é essencial. As escolas, universidades e centros de
formação deveriam ser uma via de acesso ao produto brasileiro. Não podemos deixar que só os
filmes Harry Potter povoem a cabeça de nossas crianças.

FESTIVAIS E EXPORTAÇÃO
Nosso cinema tem demonstrado presença expressiva, com prêmios e menções, nos principais
festivais de cinema do mundo. Faz-se necessária uma política eficaz para que nossas presenças
sejam alavancadas profissionalmente e não de forma empírica, baseada sobretudo no esforço
dos produtores e realizadores dos filmes.
Por outro lado, constatamos que não há qualquer investimento no fortalecimento do
ecossistema de festivais de cinema, televisão ou games – iniciativas que garantem selo de
qualidade à produção nacional e levam o audiovisual brasileiro a localidades diversas,
promovendo intercâmbios, formação e acesso.
Citamos aqui parte de um painel de tópicos que devem ser aprofundados e discutidos; temas
como exportação, por exemplo, e estímulos à presença de consumidores nas salas, etc.

GAMES COMO VETOR DE TRANSFORMAÇÃO DIGITAL E EMPREGABILIDADE JOVEM
Vemos o crescente consumo dos videogames como parte integrante do cotidiano de consumo
audiovisual em nosso país. O Brasil é o expoente da América Latina, hoje o maior mercado em
números de gamers, fazendo frente ao público norte-americano. A demanda está travada pela
Lei no 14.600, de 19 de junho de 2023, e pela subsequente desatualização do Decreto no
3.500/2000, que congelou as atividades do CONCLA, sistema de busca do IBGE vital para nossa
indústria. A criação e atualização de CNAEs para a economia brasileira se faz necessária. A
inclusão do setor de jogos eletrônicos, inclusive defendida pelo Ministério da Cultura em
oportunidades anteriores, sequer foi debatida na atualização da Lei do Audiovisual, em sua
tramitação pela Ancine, antes mesmo de ir ao Poder Legislativo. A inação da Agência Nacional do
Cinema sobre o tema é preocupante; a falta de transparência e atualização são urgentes. A
Ancine precisa fazer o estudo de impacto do setor de games no país e para a referida lei, já que
é competência da agência e foi a motivação para o veto do artigo 19 no Marco Legal dos Games,
que incluía os jogos no instrumento. Games são audiovisual e tecnologia, produção condizente e
expoente da neoindustrialização, e mesmo assim ainda são afetados.


AUDIOVISUAL PODE CONTRIBUIR COM UM PROJETO INCLUSIVO DE BRASIL

Uma política de expansão industrial que mire pluralidade, desenvolvimento de novos mercados
nacionais e internacionais e inserção de novos atores precisa vir acompanhada de incremento e
diversificação de fontes de investimento. É premente a ampliação do investimento público,
público-privado, incentivos fiscais, crédito subsidiado e outras fontes que evitem fragilidades
como a que vivemos hoje, onde quase a totalidade da política audiovisual e suas ambições de
crescimento e fortalecimento estão amparadas em uma única fonte, o Fundo Setorial do
Audiovisual.

Num momento em que o governo está alcançando êxitos consideráveis no combate à fome e à
miséria, mais do que nunca temos que assegurar os empregos do nosso setor produtivo,
aumentá-los, pois assim estaremos incrementando nossa parcela de presença no PIB, levando o
imaginário brasileiro para dentro e fora do país e fortalecendo essa importante indústria
grandiosa, potente e diversa como o Brasil.

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