A jornalista, pesquisadora e colecionadora Maria Luiza Kfouri. Foto: Acervo IMS
A jornalista, pesquisadora e colecionadora Maria Luiza Kfouri. Foto: Acervo IMS

Antes de qualquer coisa, Maria Luiza Amaral Kfouri (1954-2023) era uma apaixonada por música brasileira. Jornalista de formação e colecionadora de discos desde criança, inventou o site Discos do Brasil, em que compartilhava conhecimento: “uma discografia brasileira”, lemos em sua página inicial, a humildade da proprietária, consciente de não se tratar “da” discografia brasileira definitiva – muito do que ali está compilado conta com elementos afetivos e preferências pessoais da pesquisadora.

Irmã do também jornalista Juca, Kfouri faleceu hoje (3), aos 69 anos, vítima de câncer no pâncreas. “Elis Regina [1945-1982] perde fã tão ardorosa a ponto de certo dia, depois de ver Mana [como pais e irmãos chamavam-na] pela décima vez em show seu, perguntar se ela não tinha mais nada o que fazer – e decretar que, daí em diante, não pagaria mais ingresso”, escreve o irmão em texto em homenagem.

Seu citado site reunia preciosas e minuciosas informações de discos de música brasileira colecionados por ela ao longo de mais de seis décadas. Fichas técnicas completas estão ali reunidas: títulos, nomes de artistas, anos de lançamento, compositores, instrumentistas, produtores. Informação não valorizada pela maioria dos consumidores de música de hoje em dia, reféns das plataformas digitais que, colocando o lucro acima de tudo, não disponibilizam as mesmas informações que Kfouri nos fornecia gratuita e quixotescamente.

Obviamente a desinformação não é privilégio das plataformas de streaming e o trabalho de Kfouri é tão importante que mesmo quem tinha os discos físicos consultava seu site. Às vezes vinis e cds físicos não traziam as informações e ela ia além. Um caso exemplar é “Transa” (1972), de Caetano Veloso: as edições físicas do álbum gravado em Londres não creditam nomes fundamentais como o baterista Tutty Moreno e do violonista e arranjador Jards Macalé, omissão reparada por Kfouri.

Muitas vezes consultei seu site para escrever textos e roteiros de programas de rádio. O site foi lançado em 2005 e pouco depois, após uma gentil troca de e-mails, ela chegou a me enviar, pelo correio, cópias de dois cds por que manifestei especial interesse, entre os mais de 7.000 títulos de seu acervo: um de Nelson Cavaquinho (1911-1986) e uma raridade de Tom Zé e Gereba. Tenho-os até hoje.

Discos do Brasil é fácil de usar e permite buscas por diversas categorias. Uma maravilha! Mas o site não foi a única coisa que a jornalista e musicóloga fez na vida: Kfouri era coordenadora musical da Gazeta FM paulista em 1988, quando a emissora recebeu o prêmio de melhor programação musical da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA); foi também diretora da Rádio Cultura AM de São Paulo (onde trabalhava desde 1984) entre 1989 e 1995.

Em 2002 Kfouri doou sua hemeroteca ao Instituto Moreira Salles (IMS), responsável pela guarda de sua coleção completa das revistas Áudio News e Música, releases de artistas, scripts de programas de rádio e cerca de 25 mil artigos de jornais e revistas sobre música brasileira, colecionados entre 1968 e 2001. O acervo está completamente digitalizado e disponível para consulta no site da instituição. O acervo que a própria Kfouri catalogou em Discos do Brasil foi doado para o Centro de Memória da Música Popular (Cemupop) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), criado para a finalidade por ela e a cantora, compositora e musicóloga Regina Machado, como esta conta em uma postagem em uma rede social, lamentando a perda da amiga.

Maria Luiza Kfouri deixa um legado inestimável para a cultura brasileira.

PUBLICIDADE

1 COMENTÁRIO

  1. Excelente espaço de divulgação para nossa tão combalida cultura nacional.

    Sucesso nessa semeadura, certamente haverá bons frutos para colher em um breve futuro.

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome