Médico, artista e antifascista: conheça João Nas Nuvens

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"Manhãs de Vento". Single. Capa. Reprodução
"Manhãs de Vento". Single. Capa. Reprodução

João Nas Nuvens tem os pés no chão. Médico de formação e artista por vocação, ele lança hoje (28) o single “Manhãs de Vento”, uma canção esperançosa composta pelo cardiologista catarinense João Alberto Lajús – seu nome de batismo – enquanto atuava na linha de frente das UTIs durante o período mais trágico da pandemia de covid-19.

“Manhãs de Vento” é delicada ao abordar um tempo de negacionismo e perversidade, agudizado por um governo de viés autoritário. A canção, ao mesmo tempo em que relembra este período conturbado, aponta para uma perspectiva de quando estas feridas ficarão completamente no passado. A música sucede “Utopia” e “Sobre a Gravidade” e os três singles antecipam o EP “O que você vê nas nuvens?”, que o artista lança em julho.

Em “Manhãs de Vento”, o cantor compositor e violonista é acompanhado por Jakson Kreuz (teclados) e Douglas Muller (baixo). A produção é de Tiago Flores e a mixagem e masterização de Fernando Nicknich. O single tem capa de Rafael Panegalli.

João Nas Nuvens conversou com exclusividade com FAROFAFÁ.

O médico e artista João Nas Nuvens. Foto: divulgação
O médico e artista João Nas Nuvens. Foto: divulgação

TRÊS PERGUNTAS PARA JOÃO NAS NUVENS

ZEMA RIBEIRO: O Brasil viveu simultaneamente a crise sanitária de covid-19, que atraiu as preocupações de todo o planeta, e um governo autoritário de viés neofascista. Você, como médico e artista, transita entre dois campos muito atacados pela gestão Bolsonaro: a ciência/saúde e a cultura. A seu ver, os efeitos nocivos da atuação do ex-presidente com relação a estas pautas ainda perdurarão por muito tempo?
JOÃO NAS NUVENS: Acredito que os efeitos nocivos da gestão desastrosa do ex-presidente demorarão um bom tempo para se dissiparem, sim. Em primeiro lugar porque ele deu voz e validou todo o retrocesso que já estava enraizado em uma parcela da população, porém que não encontrava eco com tanta amplitude. Essa validação do ex-presidente a toda gama de posturas retrógradas, e com relação a estas pautas específicas eu citaria inicialmente o negacionismo, o posicionamento anticiência e o descaso com o incentivo à produção de cultura, hoje está refletido em uma redução inaceitável da cobertura vacinal, a propagação inconsequente de profissionais de saúde que vendem terapias milagrosas sem comprovação científica, além do corte irresponsável dos editais e programas de incentivo à produção cultural. Em segundo lugar, pelo estrago direto que ele causou: todos os seus ministeriáveis pareciam trabalhar contra a pasta que representavam – os efeitos e consequências dessa gestão desastrosa se farão sentir ainda por um bom tempo, infelizmente. Parece-me que antes que possamos pensar em avançar, teremos que voltar para onde estávamos antes de todo esse retrocesso.

ZR: “Manhãs de Vento” toca em temas que traduzem a brutalidade deste período recente vivido pelo país em um arranjo delicado. Esse contraste foi intencional?
JNN: Foram tantas as violências que sofremos neste período, muitas que ainda nem conseguimos mensurar as dimensões. Realidade dura. Com o tempo a cura, mas não tínhamos tempo. Então contrastar a brutalidade, contrapor a incivilidade, foram uma possível saída no país da delicadeza perdida.

ZR: Santa Catarina, sua terra natal, é um dos estados em que Bolsonaro foi mais votado nas duas vezes em que se candidatou à presidência da República; era também o candidato preferido da maioria absoluta dos inscritos nos conselhos regionais de medicina. Você é catarinense, médico e artista. O que é mais difícil em ser você?
JNN: Acreditei cegamente que após as dificuldades extremas que vivenciamos na pandemia de covid-19, sobretudo com o agravamento da mesma pela postura negacionista e anticiência do governo, a classe médica iria refutar Bolsonaro, em sua quase totalidade. Me enganei redondamente. Me surpreendeu muito que o antipetismo tenha conseguido ser maior que todas as barbáries que o ex-presidente cometeu. Infelizmente a falsa polarização entre os dois principais candidatos à presidência contribuiu para essa postura. O Conselho Federal de Medicina também tem sua parcela de responsabilidade, não tendo se posicionado de modo mais firme em questões cruciais como o uso de medicações sem eficácia comprovada, por exemplo. Quanto a gestão do Ministério da Saúde nos momentos mais severos da pandemia, fica difícil até tecer qualquer comentário. Sinto uma tristeza muito profunda ao recapitular tudo o que aconteceu, principalmente devido a inaptidão dos setores responsáveis. Quanto ao estado de Santa Catarina, parece-me que o conservadorismo histórico está começando a se diluir. Temos ainda um longo caminho pela frente (o que fica evidenciado com as expressivas votações do ex-presidente), mas há esperança em dias melhores. Reparo que as universidades estão abrindo oportunidades e trazendo muita gente para cá, tanto na docência quando na discência, o que muito tem contribuído com a circulação e discussão de novas ideias. Com relação à parte artística, principalmente na cena independente, acredito que as dificuldades sejam as mesmas encontradas nas demais regiões do país. Infelizmente o incentivo à cultura e a arte nivelou-se muito por baixo nos últimos anos, fazendo com que os desafios sejam enormes em todos os locais. Mas a arte sempre resiste. E nos salva.

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Ouça “Manhãs de Vento”:

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