Alessandra Leão e Ana do Coco, no episódio que estreia amanhã (11). Foto: Luan Cardoso
Alessandra Leão e Ana do Coco, no episódio que estreia amanhã (11). Foto: Luan Cardoso

Websérie de 15 episódios registra encontros da cantora e compositora Alessandra Leão com mestres e mestras da cultura popular; processo é parte da pesquisa da artista para seu novo disco

“Enquanto eu canto, meus males eu tou espantando”, diz a cirandeira Odete de Pilar a Alessandra Leão no primeiro episódio da websérie “Acesa”, em que durante caminhadas a artista pernambucana conduz entrevistas com mestres da cultura popular.

O primeiro episódio foi disponibilizado na internet na última quarta-feira (4) e a cada quarta-feira, outros 14 farão um mapeamento de gênios menos conhecidos do que deveriam, oriundos da Paraíba, Pernambuco e São Paulo.

Estão contemplados gêneros como candomblé, ciranda, coco, jurema, maracatu de baque solto e umbanda. O registro dos encontros integra o processo de pesquisa empreendido por Alessandra Leão para seu novo disco, que também se chamará “Acesa” e tem previsão de lançamento para 2020.

No site da cantora, interessados/as poderão encontrar maiores informações sobre vida e obra dos artistas a que cada episódio é dedicado (veja lista completa, com datas, ao final da entrevista). A realização de “Acesa” foi contemplada em edital do programa Rumos Itaú Cultural.

Por e-mail, Alessandra Leão conversou com exclusividade com Farofafá.

Zema Ribeiro – Música, transe, poesia e cidade. Como foi chegar a essa equação para a websérie “Acesa”?
Alessandra Leão – Esses são temas que fazem parte da minha busca artística há muito tempo e que, de várias maneiras, são naturais da música de onde venho. Tocar, dançar, cantar, fazer verso, um transe pela arte, pelo som e movimento. O transe como algo que está em trânsito, que se desloca. Algo impermanente, que ocupa o espaço, a vida cotidiana, a cidade. Para a websérie, quero saber como é isso pra esses artistas que tanto me inspiram. A ideia é se deslocar juntos, se colocar em deriva, pra se perder e ouvir profundamente, saber como esses lugares se dão em cada uma e cada um.

Como foi definido o leque de artistas com quem você dialoga nos 15 episódios da série?
Inicialmente, pelo projeto, estavam definidas cinco entrevistas apenas. Quando fomos começar, nos reunimos eu, Caçapa, Vânia Medeiros e Luan Cardoso (que assinam a direção da série junto comigo) e levei uma lista de uns 20 nomes. Acabamos percebendo que seria muito bom aproveitar essa oportunidade pra gravar com o máximo de convidados possível. E acabamos nos esticando pra transformar cinco em 15 episódios. Os nomes vieram de maneira natural, estão nessa temporada artistas e líderes religiosos que eu já conheço e tenho uma relação de amizade, admiração e que muito me inspiram e ensinam há algum tempo – apenas Ana do Quilombo do Ipiranga é que não conhecia pessoalmente, mas já conhecia algumas gravações de lá.

Sua música é impregnada de referências religiosas e da cultura popular, que se cruzam nos terreiros de religiões de matriz africana, onde o que em outras religiões é tratado como profano, também é visto como sagrado, o tocar e o dançar, principalmente. De algum modo a série é uma forma de você, digamos, devolver a estes mestres o que aprendeu com eles?
Sempre falo da música e da arte de onde venho, dessa escola que me forma artisticamente. Sempre que posso, dou um jeito de mostrar a música, vídeos, sons, mas há alguns anos venho com vontade de encontrar uma maneira de que mais e mais pessoas conheçam esses artistas. Que os vejam sem preconceitos, sem idealizações, sem achá-los pitorescos ou “fofinhos”, mas que os vejam inteiros, potentes, mestras e mestres, líderes, criadores, artistas que são, com toda sua complexidade, profundidade, beleza e conhecimento. Nesse sentido, “Acesa” é justamente esse convite a uma escuta mais profunda, um convite a abrir os olhos e deixar que a luz de cada um acenda um pouco das nossas almas.

Infelizmente a maioria dos mestres e mestras retratada por você na websérie é menos conhecida do que deveria. O Brasil ainda não conhece o Brasil?
O Brasil nunca conheceu o Brasil de verdade. Ainda penso que estamos longe disso acontecer de fato. Temos muito trabalho a fazer, cada um de nós individualmente e, sobretudo, coletivamente. Temos muito a estudar, muitos preconceitos estruturais para desconstruir. E pra isso, a arte sempre me parece um bom caminho. A arte e a educação de maneira ampla e profunda. Esse me parece o único caminho para que a gente consiga se olhar, se reconhecer e para verdadeiramente entender a potência do que temos, somos e fazemos aqui nessas terras.

“Acesa” foi selecionado pelo edital Rumos Itaú Cultural. Qual a importância de iniciativas desta natureza numa época de desmonte da política cultural promovida pelo governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro?
Editais como o Rumos Itaú Cultural têm uma importância estrutural para a produção cultural e artística no Brasil nas últimas décadas. Era algo que vinha evoluindo, buscando sempre se ajustar, melhorar, avançar. Sobretudo desde o golpe e no último ano agravado pelo absurdo governo atual, há um desmonte sistemático de toda essa estrutura, tanto institucional quanto financeira. Há um plano de emburrecimento de várias maneiras acontecendo. O de tratar a arte e a educação como ameaça e “doutrinação ideológica” é um deles. Portanto, nesse momento, as instituições e empresas (pequenas, grandes e médias) que conseguirem manter seus institutos, fomentos e ações nessas áreas são mais do que bem vindas e fundamentais para manter ao máximo uma parte da produção cultural e artística no Brasil. Essa é uma fundamental maneira de combater essa sombra de estupidez e violência.

Não data de hoje teu interesse por mestres da cultura popular. Graças a você e Caçapa temos o registro, por exemplo, do único disco solo de Biu Roque, infelizmente finalizado apenas após seu falecimento. “Acesa” revela a ponta de um iceberg, mas há muito mais por mostrar, não é?
“Acesa” é um pequeno recorte de uma parte pequena do Nordeste e de São Paulo. Ao mesmo tempo é uma luz de vela que ilumina longe. Tenho muita vontade e esperança de conseguirmos fazer outras temporadas. De seguir caminhando e ouvindo tanta gente que admiro. Mas tenho proposto a cada um que faça isso com quem está ao seu lado. Convide alguém pra caminhar sem destino determinado, faça perguntas que nunca havia feito. Se permita ouvir. Se desloque de si e encontre a beleza no outro. Descubram a potência que existe em cada uma, em cada um. Nem precisa ser artista. Encontre a beleza no encontro. Como acendemos juntos? Essa é uma pergunta que tenho me feito. Cada pessoa que caminhou conosco nessa temporada, acendeu um pouco da minha alma. É a pontinha de um iceberg imenso, mas já é uma luz que precisamos agora.

Além da websérie, “Acesa” prevê também a gravação de um disco. Podes falar um pouco do trabalho? Será um trabalho de releituras da obra desses mestres com participações especiais deles? Qual a previsão de lançamento do álbum? Em formato físico, plataformas digitais ou ambos?
O disco está previsto pro segundo semestre e ainda está numa fase bem inicial pra falar mais sobre ele. Ainda estou muito focada no ciclo do “Macumbas e Catimbós”, que lancei ano passado e que tem feito um caminho muito bonito, que inclui a indicação ao Grammy Latino e tantos shows e encontros lindos. O que consigo adiantar do “Acesa”, o disco, é que vou produzi-lo junto com Caçapa e Caê Rolfsen (que produziu o “Macumbas e Catimbós” comigo) e que ele está previsto pro segundo semestre.

Em seu disco mais recente, “Batalhão de rosas” [2018], a cantora maranhense Lena Machado regravou sua “Bom dia”. Você ouviu? O que achou?
Vi sim! Sempre fico muito feliz quando outros artistas gravam músicas minhas. Cada música tem um caminho tão pessoal pra mim como compositora e fico feliz quando elas ganham outros sentidos em novas versões. Essa versão de Lena é dessas que me deixam muito, muito honradas.

Confira a seguir as datas e personagens dos próximos episódios da websérie “Acesa”:
11 de março: Ana do Coco
18 de março: Mestre Galo Preto
25 de março: Pai Cacau
1º. de abril: Paulinho Carrapeta
8 de abril: Alexandre L´omi L´òdo
15 de abril: Mãe Beth D´Oxum
22 de abril: Nilton Jr
29 de abril: Guitinho
6 de maio: Babalorixá Ivo de Oxum
13 de maio: Mestre Barachinha
20 de maio: Nega Duda
27 de maio: Pai Luiz Soliano
3 de junho: Mãe Marilda Soliano
10 de junho: Derivas
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