A cantora norte-americana Cat Power em show no Popload Festival, nesta quarta, 12

Na tarde desta quarta-feira, 12, rumamos para o Centro Esportivo Tietê, perto da Praça 14 Bis, perto do Anhembi, não muito longe do antigo Carandiru, bem perto do poluído rio Tamanduateí, perto do Bom Retiro (onde meu irmão Jack ciceroneava a máfia coreana), e quase no cruzamento onde um dia caiu a roda do meu Fiat 147 enquanto eu o dirigia (e o pneu desceu a rua quicando), para o lugar no qual prometiam que Cat Power subiria ao palco para sussurrar mais uma vez suas canções.

Algumas vozes tocam a emoção da gente mais profundamente, todo mundo sabe disso. Uma das vozes que têm essa capacidade, no meu caso, é do dessa moça Chan Marshall, da Georgia, popularmente conhecida como Cat Power. Já a vi cantar em casas de shows extintas, como a Via Funchal. Em salas chiques, como o Auditório Ibirapuera. Num antigo cinema na Liberdade. Em festivais populosos, como o Tim Festival. Em livrarias desaparecidas, como a FNAC de Pinheiros. Desafortunadamente, perdi aquele dia do show que ela fez de surpresa e de graça na Estação Paraíso do Metrô, estava trabalhando.

Ontem de tarde, brinquei com um amigo e disse que se ela viesse aqui para fazer apenas um “Aaaaaaahhhhhh” na praça, eu certamente estaria lá para ouvir. Você pode afirmar que isso me põe numa categoria à qual eu não estou acostumado, a de tiete. Não consigo rebater agora, faltam-me argumentos.

Cat Power é como Bob Dylan, nunca faz o mesmo show duas vezes. Muda os arranjos, muda a cadência, muda a pulsão. Algumas canções eu só soube dizer quais eram por causa de um verso que apreendia no ar (“These vagabond shoes”, inequivocamente, provinha de New York New York). Ela canta as palavras de forma cristalina, mas desde que fez o elétrico Cherokee (2012), há mais ruídos e interferências e distorções incorporadas à sua música de cena, e isso de um jeito sempre muito lírico, sanguíneo. Nesse show, foi em uma canção de Frank Ocean, a cover Bad Religion, na qual sua banda (um quarteto, com a vocalista), pareceu instantaneamente liberada para buscar a distorção em guitarra e teclado.

Caminhando com dois microfones em uma única mão pelo palco (tomado por um cenário vermelho tipo Malevich), franjinha retrô, de vestido preto de mangas compridas e renda nos punhos e na barra, Cat Power abriu com Say, uma música que gravou há 24 anos já, o que dá uma pista do tempo transcorrido, mas não de tempo perdido. Em um set curto, fascinava com seus gestos quase nervosos, acenando para um alguém invisível ali no meio da plateia, ordenando quase furiosamente que a batida da bateria acelerasse. Como que levitando em meio à dispersão geral, ela desnudava uma vez mais as canções, dissecando em público as melodias com sua compreensão sussurrante do mundo, para em seguida revesti-las da essência do blues mais recôndito ou da soul music mais premonitória. Metal Heart, um dos nossos hinos absolutos de todos os tempos, surge quase como uma armadilha, um susto, e vai se impondo aos poucos com sua nova roupagem de soluços & arranhões.

Profundidade. Desejo sem temor. Claridade. Libertação. Autoconfiança. Nobreza. As coisas que a música de Cat Power vão me sugerindo enquanto ela canta têm pouco a ver com o ambiente do festival, no qual me detenho raramente, hipnotizado pelo som – mas quando vejo a profusão de bonés vermelhos do MST, sinto um conforto imediato. Tomo um drinque numa taça verde gigante que não sei precisamente como chegou às minhas mãos enquanto observo Cat Power retirando do chão todos os setlists, a lista com o repertório, depois chamando um produtor e indicando precisamente cada pessoa da plateia a quem ela queria que o rapaz entregasse cada um daqueles papéis.

Alguns minutos depois que Cat Power deixou o palco, após a magnitude da música The Greatest, nós corremos da chuvarada relâmpago que lavou o festival logo depois, e atravessamos a Estação Armênia do metrô molhados, felizes, satisfeitos da disposição que essa mulher demonstra em prosseguir espalhando emoção pelo mundo.

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