A atriz Rosana Maris estreou hoje (23), no Instituto Itaú Cultural (Av. Paulista, 149, próximo à estação Brigadeiro do metrô), em São Paulo, o solo “Dolores – Minha Composição”, um mergulho no universo da cantora e compositora Dolores Duran (1930-1959).
Adiléia Silva da Rocha, nome de batismo da homenageada, foi uma mulher à frente de seu tempo. Pobre, negra e artista, viveu intensamente a vida breve que teve, vitimada por um ataque cardíaco aos 29 anos. Deixou uma obra embora relativamente pequena, fundamental, tendo sido parceira de Tom Jobim (1927-1994) – em “Estrada do Sol”, “Se é Por Falta de Adeus” e “Por Causa de Você” – e enfrentado o machismo vigente em sua época – e até hoje, o que ajuda a tornar sua obra atemporal.
No palco, Maris está acompanhada por Rodrigo Sanches (bateria), Pedro Macedo (baixo) e Marcelo Farias (piano), com direção geral de Luiz Fernando Marques, o Lubi.
“Dolores – Minha Composição” fica em cartaz até 16 de abril – sempre de quinta-feira a domingo (de quinta a sábado às 20h e aos domingos e feriados às 19h). Os ingressos são gratuitos, devendo ser reservados pela plataforma Inti (acessível pelo site do Itaú Cultural). A Sala Itaú Cultural (térreo) tem 224 lugares e o espetáculo tem duração de 90 minutos.
A atriz, produtora cultural, dubladora e locutora Rosana Maris tem 20 anos de trajetória no teatro, somando atuações em 10 espetáculos e tendo trabalhado com diretores como Barbara Bruno, Ênio Gonçalves (1943-2013), Ewerton de Castro, Flavia Pucci, Gabriela Rabelo, Inês Aranha e Lauro César Muniz. Desde 2017 dedica-se também ao audiovisual, onde já soma 13 produções, incluindo a série “Cidade Invisível” (Netflix), de Carlos Saldanha.
Rosana Maris conversou com exclusividade com FAROFAFÁ.
ZEMA RIBEIRO: Quando começa o seu interesse pela vida e obra de Dolores Duran, imaginando que isso tenha início como ouvinte de suas canções, bem antes mesmo de pensar em qualquer espetáculo sobre a artista?
ROSANA MARIS: Eu me interessei por Dolores Duran em 2012. Na época eu estava fazendo uma pesquisa sobre as cantoras brasileiras, eu queria muito ler biografias, saber um pouco mais da música e da participação das mulheres, e aí eu dei de cara com o nome dela, fui pesquisar, encontrei obviamente um número grande de canções e de mulheres incríveis, artistas incríveis que gravaram Dolores e a partir dali ela foi me instigando a conhecer cada vez mais, a querer saber cada vez mais um pouco dela e são mais de 10 anos que eu virei uma fã, pesquisadora, e agora feliz de fazer essa homenagem pra ela. As músicas são lindas e conforme você vai conhecendo Dolores você vai vendo a capacidade dela não só de trabalhar como compositora, mas também de ser crooner, de ter sido crooner, de cantar tudo e de cantar sempre muito bem. Então foi dessa maneira. Antes de pensar no espetáculo eu já era fã e aí fui ficando cada vez mais, e pensei: essa mulher precisa que alguém fale sobre ela. Eu vou falar [risos].
ZR: A peça entrecruza diálogos entre você e Dolores Duran. Como se deu essa construção e o que foi mais fácil e difícil ao longo do processo?
RM: Na verdade, esse diálogo que se dá entre a atriz, que sou eu, e a Dolores, ele é mais no terreno simbólico, sabe? Não existe nenhuma cena em que eu dialogue com ela e faça as duas personagens. No sentido simbólico, sim. É como se eu tentasse achar respostas para perguntas que ela possa ter tido, é como se ela desse respostas para perguntas que eu tenho. É uma coisa muito mais no terreno do subjetivo. A construção foi intensa, apaixonante e também… [interrompe-se] Olha, é difícil, porque você resumir a vida de uma pessoa, embora ela tenha vivido muito pouco, só 29 anos, mas você resumir uma vida tão intensa como a dela, tentando segurar ali os assuntos que você julga serem talvez os mais, eu não diria os mais importantes, mas os mais pertinentes ali para uma homenagem a ela e tal, não é tarefa fácil. A gente teve que fazer uma pesquisa muito grande para depois, sim, dessa pesquisa você ir escolhendo, bom, eu acho que eu quero falar sobre isso, eu acho que eu quero falar sobre isso, enfim, e aí depois, quando você junta com toda uma equipe você vai trocando e descobrindo também novas coisas. Ah, o mais fácil é sempre essa primeira paixão que a gente tem pelo tema, isso é o mais gostoso. Pesquisar, ir atrás, ouvir as entrevistas, falar com as pessoas que conheceram, essa é a parte mais fácil e mais gostosa. E o mais difícil eu acho que está em termos de produção mesmo, da gente levantar um espetáculo, ficar em cartaz numa cidade como São Paulo, que é uma cidade grande, com tanta demanda de espetáculos e com todas as dificuldades que a gente voltou aí no pós-pandemia para fazer cultura, para fazer arte. Eu acho que o mais difícil é sempre erguer, erguer a coisa toda, fazer a produção toda. Mas chegamos, o espetáculo está pronto e agora acho que vai ficar a parte fácil e gostosa, que é a gente se divertir bastante.
ZR: Dolores Duran, talvez mesmo sem saber e sem querer, e até hoje não tendo o reconhecimento por isso, furou uma bolha machista, algo que ainda perdura, em certa medida, na música brasileira. Quero te ouvir sobre esse aspecto e saber da inspiração que ela representa também por isto, para além da música.
RM: Ah, sem dúvida nenhuma ela furou uma bolha machista, porque a Dolores se lança como cantora nos anos 1940 e aí atinge o auge da carreira dela nos anos 1950, que é uma época que tinha muito pouco lugar para as mulheres. E ela, também, além de mulher, era negra, o que também trazia outras tantas dificuldades. Então, sim, eu acho que ela furou uma bolha e foi importantíssima. Quando a gente faz a pesquisa sobre ela, a gente percebe sempre as mesas cheias de compositores e uma mulher, que normalmente é ela, compositora, ou duas mulheres, elas eram muito poucas nessa época. Esse material que a Dolores deixou, de 35 músicas, 35 letras e algumas músicas, porque ela era letrista e eventualmente também fazia música, esse arsenal que ela deixou, arsenal no sentido de falar de coisas muito positivas que serviram aí durante tantos anos pra tanta gente gravar, é muito poderoso, porque ela colocava os sentimentos dela num papel, ela conseguia falar de um lugar muito feminino, de um lugar muito íntimo e tudo o que ela falou naquela época perdura até hoje, a gente ainda em 2023 luta contra muitas questões. Sem dúvida a Dolores furou uma bolha lá atrás e acho que continua até hoje. Tem uma parte da peça em que eu falo, como Dolores, que embora não tenha conhecido tantas compositoras, eu sonhava com o dia em que nós seríamos muitas, é um texto da peça. Porque hoje a gente tem muito mais mulheres escrevendo sobre tudo, de certa forma isso se ampliou e também é positivo, mas há sempre ainda um terreno a entrar, a desbravar, e ela também é uma inspiração nesse sentido, sem dúvida nenhuma, porque uma mulher naquela época pagava um preço muito alto pra se colocar no mercado, pra se colocar no ambiente de trabalho, nos little clubs, nas boates, enfim, nos bailes, trabalhando de madrugada, abrindo mão de uma vida pessoal mais de cara com a época, para poder viver essa vida noturna. Então, sem dúvida nenhuma é uma inspiração, assim, alguém que sabia o que queria, era à frente do tempo, foi lá e fez, e fazer o espetáculo com ela agora era uma ideia que eu tinha também, de trazer o nome dela para essas plateias de hoje, porque eu acho que a Dolores é uma mulher desse tempo, embora ela tenha sido há muitos anos, ela é uma mulher que dialoga perfeitamente com esse tempo, por todas essas questões, o que inclui obviamente a mulher na música e os machismos das estruturas que se dão na sociedade, na arte, em todo lugar.
ZR: Fale um pouco sobre o time que está contigo no palco, entre músicos, direção e produção, colaborando para colocar esse bloco na rua.
RM: O time que está comigo é um time que me enche de orgulho, de verdade. Eu tenho pessoas que, além de muito talentosas, além de eu ser fã do trabalho de cada uma delas, são pessoas que estão muito vinculadas ao tema, a Dolores, à vontade de fazer teatro, à vontade de, através da arte tentar transformar um pouquinho, tentar fazer com que o público saia do espetáculo feliz e satisfeito e tendo tido um bom dia de espetáculo, então é um orgulho muito grande. O Lubi eu conhecia um pouco de trabalho, assim, eu não conhecia como pessoa, como amizade, mas conhecia como referências de trabalho, é um cara que vem do teatro de grupo e que nessa produção, que pra mim é uma produção independente, a gente teve muita troca. Pra mim foi fundamental entender também esse lado de quem trabalha com os coletivos e enxerga teatro também sob uma perspectiva. Foi um parceiro pra esse trabalho, junto com a Gabi Costa, que é assistente de direção, que também veio somar com a gente, isso foi muito importante. A Denise Weinberg, que fez a minha preparação como atriz, que é uma atriz excepcional, uma diretora incrível, e uma pessoa muito querida e eu fiquei imensamente feliz de ter podido ter essa troca com ela, porque a Denise sabe muito, ela sabe muito de tudo, então era sempre um alento poder encontrar com ela e a gente poder trabalhar junto e ela dar aquelas dicas e ter aquele cuidado que você fala, olha, só uma grande atriz consegue explicar para uma outra atriz como é que se faz isso ou aquilo, como é que se chega numa outra emoção. E a Fernanda Maia, que é uma grande diretora musical, uma amiga do meu coração, uma pessoa muito querida, que encampou esse lugar de ser alguém que lá atrás olhou para mim e para o projeto e falou “vai lá fazer, porque você dá conta de fazer”. Eu sou uma atriz, eu não sou cantora, eu sou uma atriz que trabalho o canto, que estudo o canto, e ter a mão da Fernanda organizando essa parte musical me deixa mais tranquila no sentido de que eu estou bem amparada para um terreno que para mim ainda é novo, esse terreno da canção, mas eu sinto que eu estou bem amparada porque ela sabe muito. Além de todo mundo, direção de produção do Daniel Palmeira, que é um cara que tem muita experiência em teatro, um gentleman, uma pessoa que me ajudou a erguer tudo com muito carinho, Wagner Pinto, que é iluminador, que eu sou fã, eu estou muito feliz de ele estar com a gente, a Yakini Rodrigues, que está fazendo figurino para teatro, começando a fazer figurino para teatro, que é muito delicado, é muito querida, o Gilberto Chaves, meu preparador vocal, que também é um cara sensacional, e que assim, salvou a vida [risos]. Eu tenho uma ficha técnica muito incrível mesmo, eu com certeza aqui esqueci algum nome, peço perdão, mas eu tenho imenso orgulho de todos eles, acho que a gente chegou num trabalho bem bonito porque tem a mão de todo mundo lá. Isso é sempre muito, muito, muito importante quando você quer fazer arte, quando se quer trabalhar com teatro. E os músicos, maravilhosos, eu tenho na bateria o Rodrigo Sanches, no baixo o Pedro Macedo e no piano o Marcelo Farias, três músicos muito competentes, muito luxuosos, assim, que entendem tudo, e que estão sendo uma parceria inacreditável. Como eu disse, eu tenho muito pouca experiência com canto, com banda, essas coisas, e eles foram incríveis, eles chegaram e me abraçaram e a gente está fazendo um trabalho muito bonito juntos. Três músicos assim que estão chiques, chiques e muito carinhosos e presentes ali no processo.
ZR: Quais as expectativas para esta temporada no Itaú Cultural? E quais as perspectivas de uma circulação por outras cidades brasileiras?
RM: A expectativa é a melhor possível, o Itaú fica muito bem localizado, Avenida Paulista, muito próximo de metrô, é um lugar que oferece uma agenda cultural riquíssima, tem um público que frequenta bastante. Isso é muito legal pra gente, porque você abre a possibilidade de todas as pessoas poderem ter acesso, é um espetáculo que fica em cartaz de forma gratuita para o público. A expectativa é que a gente consiga ter sempre aquele teatro cheio e que as pessoas saiam de lá felizes e querendo saber mais sobre Dolores. Eu acho que facilita bastante a gente ter esse espaço que é numa das principais avenidas de São Paulo, e vai ser uma delícia estar lá, eu tenho certeza que vai ser um sucesso, tudo que eu vejo no Itaú é sempre muito bacana e tenho certeza que essa parceria vai ser muito incrível. A perspectiva de ir para outras cidades é grande pra gente, a gente gostaria muito de circular com esse espetáculo. Não é um espetáculo assim dificílimo para circular, uma vez que ele é um solo, um solo com três músicos que são também maravilhosos, então ele até dá para circular, mas tem todas as questões acerca de uma produção que a gente tenha que fazer local, mas a vontade existe e é muito grande, com certeza.