Carlos Careqa, um estrangeiro na MPB

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O cantor e compositor Carlos Careqa. Retratos: P. H. Camargo. Divulgação
O cantor e compositor Carlos Careqa. Retratos: P. H. Camargo. Divulgação

Um dos mais inquietos, instigantes, inventivos e incompreendidos artistas brasileiros, Carlos Careqa disponibilizou hoje (17), nas plataformas de streaming, seu novo álbum, “Somos Todos Estrangeiros”.

Somos Todos Estrangeiros. Capa. Reprodução
Somos Todos Estrangeiros. Capa. Reprodução

Ele próprio um estrangeiro, nascido em Santa Catarina, criado no Paraná, com passagens por Nova York e Berlim, radicado em São Paulo desde os anos 1990 – em 1993 estreou em disco, com “Os homens são todos iguais”.

No Paraná, estudou música e teatro, tendo atuado em peças e filmes – o mais recente, “Canção de Baal” (2007), de Helena Ignez. Desde 1986 atua também no mercado publicitário, já tendo colaborado com mais de 80 comerciais.

Além dos adjetivos com que abro o texto, Careqa é também um dos mais profícuos artistas da música brasileira: “Somos todos estrangeiros” é seu 20º. álbum e o quarto desde 2020, ano que marcou o início da pandemia de covid-19.

O novo álbum sai por seu selo Barbearia Espiritual Discos, com distribuição da Tratore, e “não recebeu nenhum incentivo fiscal, ou seja, foi feito às próprias custas!”, como salienta Careqa no encarte do – provavelmente – último disco que ele lança no formato físico: apenas 300 cópias para fãs e colecionadores.

Por um aplicativo de mensagens, Carlos Careqa conversou com exclusividade com FAROFAFÁ. Ao fim da entrevista, ele mandou um obrigado à reportagem, “pela sua escuta e atenção” e “beijos a todos do Farofa fa fa fa”.

ENTREVISTA: CARLOS CAREQA

ZEMA RIBEIRO: São 30 anos desde teu disco de estreia, “Os homens são todos iguais” (1993). Em que medida “Somos todos estrangeiros” (2023) é uma celebração da efeméride?
CARLOS CAREQA: Não pensei nisto. Venho fazendo discos de acordo com a minha produção. Eu pensei que no 20º. disco eu iria parar de gravar. Mas vou continuar gravando. Só não vou lançar ele físico, pois ninguém mais quer ter cd em casa. Este eu fiz 300 cópias para os fãs e colecionadores. Só acho que amadureci muito desde o primeiro disco.

ZR: Em “Vincent”, bela homenagem ao pintor Vincent Van Gogh [1853-1890], você repete a prosódia de “Não dê pipoca ao turista”. Como falei em efeméride, houve intenção ou foi acaso?
CC: Eu andei lendo e escutando muito sobre a vida do Van Gogh. Talvez o artista que mais gosto. Teve uma vida muito sofrida. Não teve reconhecimento em vida. Seu sucesso aconteceu por acaso. Se não fosse sua cunhada ele não teria sido descoberto. Sei lá… Quis homenagear o Van Gogh… Quis me colocar no lugar dele. Tentando entender a vida dura que ele levou. Ele até chegou a se consultar com o Freud [1856-1939]. Uma questão é sobre sua saúde mental. Mas acho que sua genialidade supera tudo isto. Não foi a loucura que produziu aquilo tudo. Foi o seu talento e dedicação. Todos os dias ele pintava.

ZR: Pouco mais de 25 anos depois, o novo disco marca também teu reencontro com Rita Benneditto, que gravou, ainda com o nome artístico Rita Ribeiro, “Cortei o dedo”, de sua autoria (em parceria com Raul Cruz), em seu disco de estreia, de 1997. Como se deu esse reencontro e o que ele significa para você?
CC: Significa muito. Rita foi a primeira a reconhecer a canção “Cortei o Dedo” como uma canção bem feita. Foi a primeira a gravar. Estava no lançamento do primeiro disco dela. Chorei baixinho na plateia. Agradeci meu parceiro único Raul Cruz pelo presente. Nada é por acaso. No começo da produção ainda não tinha pensado em chamar Rita. Mas a coisa foi vindo. Um dia fiz uma música chamada “Bendito” aqui em casa e uma coisa foi se ligando a outra. Rita, assim como eu, amadureceu. Hoje ela é uma cantora formidável, com um trabalho muito específico, porém muito popular. Fico feliz em pensar nesta ligação com o Maranhão. Para mim tão distante e tão perto pelas amizades que tenho com ela e com o Zeca Baleiro.

ZR: De modo sutil você aborda o governo neofascista de Jair Bolsonaro e a questão das imigrações, afinal de contas, mote deste novo álbum, que traz também a inscrição, já clássica em teus trabalhos, de que foi feito às próprias custas, sem incentivo fiscal. Qual a sua avaliação dos últimos quatro anos de Brasil e quais as suas expectativas para os próximos quatro anos?
CC: Caramba! Eu fiquei muito mal nestes quatro anos. Ainda estou. O disco começou a ser gerado em 2018. Não posso nem falar o nome deste sujeito. Asco. “Quem governa não pode assanhar” é uma frase do disco [verso de “Conservador Revolucionário”]. Jogaram o Brasil no lixo durante quatro anos. Sobrevivemos porque sabemos que a arte e a cultura são maiores do que qualquer governo. Eu sempre acreditei que poderia ser consumido pelo mercado da música. Por isso sempre financiei os meus discos. Ledo engano. Dependo de tudo. Sesc, projetos, governos, etc, etc. A arte, assim como tudo, precisa do Estado. O Estado não pode se eximir de proporcionar cultura para todos. No Brasil tudo é subsidiado. Tudo. Mas pouca gente sabe disso. Vamos reconstruir estas pontes que foram destruídas. Vamos mostrar para o povo que sem cultura não se vive. Tudo que se consome em termos de arte tem que ser subvencionado pelo Estado, pois este é um dos lados positivos de se ter uma pátria. Não somos apenas um time de futebol. Somos uma nação. E penso que este novo governo também pensa assim além deste ou daquele presidente. Se sentir parte desta nação é importante para mim.

ZR: Já falamos em Rita Benneditto. Quero te ouvir também sobre Simone Spoladore e Laura Catarina, as outras participações, além de Márcio Nigro e Thadeu Romano, os instrumentistas que te acompanham.
CC: Marcio Nigro é o produtor deste disco. Trabalho com ele há 10 anos. É um cara muito talentoso. Generoso. Ele topa qualquer parada que eu mandar para ele. Eu pré-produzo aqui em casa e mando e ele transforma numa coisa super luxuosa. Simone Spoladore é uma atriz que admiro muito. Conheço ela de Curitiba. Já trabalhamos juntos no filme de Helena Ignez, “Canção de Baal”. Também falamos a mesma língua. Generosa. Afetuosa. Atenciosa com os amigos. Sempre foi assim. Laura Catarina conheci pela internet quando ela cantava “Cortei o Dedo”. Depois fiquei sabendo que era filha do Vander Lee. Eu aprendi a amar o Vander Lee. E cada vez que ouço amo ainda mais. Que talento! Que voz! Que sensibilidade em chegar perto do povo. Uma pena sua partida tão cedo. Fizemos um show em Curitiba juntos. Ele foi de uma generosidade ímpar comigo. Thadeu Romano é um músico extraordinário. Arranjador, sanfoneiro e toca bandoneón. Instrumentos que eu amo desde sempre. Já conhecia o trabalho dele, pois ele tocou com o Alexandre Nero. Os outros instrumentistas se chamam Marcio Nigro. Por isso amo o Marcio Nigro.

ZR: Em “Minha amada, meu amado” você musica trechos do “Cântico dos Cânticos”, com um resultado interessante. A gente tem visto, sobretudo ao longo destes anos mais recentes, leituras bastante equivocadas da Bíblia, bem como seu mau uso político-eleitoreiro. A seu ver, qual a explicação para isso?
CC: As pessoas esquecem que a Bíblia foi escrita por homens. Contando suas histórias. Resultado de convivência. Histórias edificantes. Todos os livros sagrados têm histórias semelhantes. Todos convergem para um mesmo resultado ou conceito. Pessoas que se apoderam da Bíblia ou de outros livros achando que com isto podem dominar os outros estão enganados. Ninguém pode usar palavras para dominar ninguém. Nem eu, nem você, nem um jornal ou televisão. Este voto de cabresto utilizado pelos pastores não passa de uma charlatanice. Mas o julgamento não será meu. O sol e a verdade demoram, mas sempre aparecem.

ZR: É o seu quarto disco ao longo da pandemia, considerando que ela ainda não acabou. Mergulhar no trabalho foi uma forma de atravessar e superar este momento trágico?
CC: Sim. Mergulhei tão fundo que ainda estou tentando sair. Precisei existir de alguma forma aqui no meu estúdio onde realizo minhas pré-produções. Não posso dizer que foi uma boa coisa. Preciso descansar. Estou exausto com tudo. Pandemia, política, mercado, agenda, etc.

ZR: Falo com você às vésperas do carnaval, o primeiro com festas públicas desde o início da pandemia. O que significa o carnaval para você?
CC: Já brinquei muito no carnaval. Em Curitiba a parada era em clubes. E às vezes um bloco ou outro. Eu e o Helio Leites [poeta, performer e bottom-maker] fizemos uma escola de samba, uma mini escola, Unidos do Botão. Ele continuou com o projeto depois que eu vim para São Paulo. Na Eco 92 [a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento] fizemos um lindo samba-enredo para o desfile que o Helio fez. Com seus minicarros alegóricos. Mas hoje em dia eu não curto mais o carnaval.

ZR: Na próxima quinta-feira (23), imediatamente logo após o carnaval, o Sesc Pompeia recebe o show de lançamento de “Somos todos estrangeiros”. Quem estará contigo no palco? O que o público pode esperar? E como está a agenda de lançamento do novo álbum? Já há novas datas e locais fechados?
CC: Sem datas por enquanto. Mas quero muito fazer shows deste novo disco. No palco a banda que estará comigo será: Marcio Nigro (guitarra e violão), Mário Manga (guitarra e cello), Silvio Mazzcua (contrabaixo), Thadeu Romano (acordeom) e Emilio Martins (bateria e percussão). Eu vou cantar quatro novas do novo CD e vou cantar as canções que o público já conhece, como “Acho” e “Língua de Babel”.

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Ouça “Somos todos estrangeiros”:

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