Vid(amor)te

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A morte habita à noite. Frame. Reprodução
A morte habita à noite. Frame. Reprodução

Um corpo que cai hitchcockianamente de um andar acima de onde jantam, bebem vinho e trocam carícias Raul (Roney Villela) e Lígia (Mariana Nunes) chama a atenção. Ouvem-se gritos assustados da vizinhança e o burburinho da metrópole se modifica por uns instantes até tudo voltar ao normal. Ele convida a namorada a continuarem o jantar, mas ela está mais abalada do que ele com o suicídio do vizinho.

Raul é um escritor cinquentão, desempregado e alcoólatra, que gosta de se gabar da beleza de suas próprias pernas. Transita pelo Recife como se não houvesse amanhã embora tenha que se submeter a bicos de peixeiro no Mercado São José e ajudante em uma oficina mecânica para garantir o próximo trago, o próximo cigarro, a diária da pensão para onde tem que se mudar após ser abandonado pela mulher que ama.

“A morte habita à noite”, de Eduardo Morotó (o roteirista e diretor estreia na direção de longa-metragem), “inspirado na lírica de Charles Bukowski”, como lemos nos créditos, é um filme denso, soturno, poético, onírico. A morte espreita o protagonista, que foi desprezado e parece se fechar a um novo amor. “Quem eu quero não me quer”, como diz o velho bolero de Raul Sampaio.

É um filme coalhado de referências, com momentos de pura delicadeza, como o em que Raul e Cássia (ou Sandra, a personagem de Endi Vasconcelos usa dois nomes) dançam em uma ponte, talvez evocando o François Truffaut da clássica cena de “Jules e Jim”, enquanto cantam “Sandra”, de Gilberto Gil, enquanto, embriagados, tentam entender e explicar a letra.

Mesmo sem cena de sexo, há homenagem sutil até a chanchada brasileira e a cumplicidade entre Raul e seu chefe na oficina mecânica (Everaldo Pontes) além de evocar uma época, nos põe a refletir sobre outra, antes de a intolerância religiosa tornar impossível o diálogo entre pessoas com pensamentos divergentes.

A bela fotografia (Marcelo Martins Santiago) expõe as vísceras da degradação urbana e humana: Raul e a cidade se confundem, sem perder a beleza, apesar da miséria e decadência.

No limiar entre sonho e realidade, vida e morte, Inês (Rita Carelli) parece ser a última estação de Raul rumo a qualquer redenção ou compreensão acerca de si mesmo ou de qualquer sentido que a vida – e a morte – possa ter, embora possa ser tarde demais.

A morte habita à noite. Cartaz. Reprodução
A morte habita à noite. Cartaz. Reprodução

Serviço: A morte habita à noite. Drama/ficção, Brasil, 2022. Direção: Eduardo Morotó. Estreia nesta quinta-feira (15) nos cinemas brasileiros.

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Veja o trailer:

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