A imensidão de Antônio Almeida

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O artista plástico Antônio Almeida. Foto: acervo da família
O artista plástico Antônio Almeida. Foto: acervo da família

Há certos elementos na paisagem urbana a que nos acostumamos a estar tão acostumados (a redundância é intencional) que, por outro lado, às vezes, sequer percebemos ou valorizamos sua existência – ou mais profundamente, sua autoria.

É o caso de diversas obras gigantes do artista plástico Antônio Almeida (27/5/1922-2/1/2009), cujo centenário se celebra em 2022, um dos mais versáteis já surgidos por estas plagas: pintor, escultor, muralista, gravador, ilustrador, ceramista e entalhador.

A exposição “Olhares de Almeida”, com 27 estudos de diversas obras suas, algumas bastante conhecidas de ludovicenses e turistas que frequentam a capital maranhense, será aberta nesta quinta-feira (1º. de dezembro), às 16h, no Museu Histórico e Artístico do Maranhão (MHAM, Rua do Sol, 302, Centro). O conjunto exposto terá ainda peças do acervo pessoal do artista, como medalhas e condecorações recebidas, além da exibição dos documentários “Antônio Almeida 100 anos” (36 minutos, direção: Augusto Nicácio e Geyse Nicácio), lançado em maio passado, na data exata do centenário do artista homenageado, realizado com recursos da Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural, e o homônimo “Olhares de Almeida” (10 minutos, direção: Amélia Cunha), realizado pela equipe do MHAM.

Entre as grandes (no tamanho, inclusive) obras de Antônio Almeida estão os murais da antiga Secretaria Municipal de Fazenda (Semfaz, na Avenida Kennedy), do Parque do Bom Menino, da sede do jornal O Estado do Maranhão (Av. Ana Jansen, São Francisco), da antiga Mardisa (na avenida dos Franceses, na Alemanha), da Fundação da Criança e do Adolescente (Funac, Rua das Crioulas, Centro), da Associação Comercial do Estado do Maranhão (ACM, Praça Benedito Leite, Centro, antigo Hotel Central), o obelisco “Populário” no bairro da Alemanha (hoje em um posto de gasolina, onde funcionou a chamada “rodoviária velha”, antes de o terminal de passageiros mudar para o bairro do Santo Antônio, na mesma Avenida dos Franceses), e as mais conhecidas: o enorme mural da antiga sede do Banco do Estado do Maranhão (BEM), na Rua do Egito (para onde, por acaso, se transferiu recentemente a sede da Semfaz), e o logotipo da Companhia de Saneamento Ambiental do Estado do Maranhão (ex-Companhia de Águas e Esgotos do Maranhão, Caema), em que, antes do advento de computadores e tecnologias digitais, se vale da junção poética de águas e rãs, inspirado pelas memórias da infância, da descendência sertaneja e das cheias do Rio Corda, que também foram tema de algumas de suas obras.

Dom Quixote. Escultura em chapa de ferro. Antônio Almeida, 1957
Dom Quixote. Escultura em chapa de ferro. Antônio Almeida, 1957
Maranhão. Tapeçaria. Antônio Almeida, 1971
Maranhão. Tapeçaria. Antônio Almeida, 1971
Rua Jacinto Maia. Óleo sobre tela. Antônio Almeida, 1952
Rua Jacinto Maia. Óleo sobre tela. Antônio Almeida, 1952

Fora as citadas grandes obras que compõem essa espécie de “museu a céu aberto” – como bem diz sua filha, a pedagoga Holândia Almeida –, entre acervos públicos e particulares, há obras de Antônio Almeida na Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão (o entalhe em cedro “Bequimão”), na Academia Maranhense de Letras (o “Cristo crucificado”, escultura em madeira), de que foi o primeiro imortal artista plástico, tendo ingressado na instituição em 1986 – no fim da vida, após, ironia do destino, ficar completamente cego, dedicou-se à poesia, tendo publicado dois livros –, no Museu de Artes Visuais (a escultura em chapa de ferro “Dom Quixote” e a escultura em cerâmica “Cadela”, feita com a filha, Linda Almeida), no Palácio dos Leões (a tapeçaria “Maranhão”, que retrata a festa do Divino, o bumba meu boi e o dia a dia a dia de trabalhadores, confeccionada a pedido da então primeira-dama do Estado, a senhora Eney Santana, esposa do governador Pedro Neiva de Santana) além das coleções de Eliezer Moreira Filho (o óleo sobre tela “Rua Jacinto Maia”), da folclorista Zelinda Lima (a xilogravura “Bumba meu boi”) e do médico Carlos Henrique Moreira Lima (o óleo sobre tela “Autorretrato”), entre outros.

É curioso que Antônio Almeida e a Semana de Arte Moderna, movimento que, controvérsias à parte, redefiniu os rumos da cultura brasileira em suas mais diversas linguagens e expressões artísticas, celebrem o centenário no mesmo ano – o artista maranhense foi nome fundamental do modernismo no Maranhão.

Sem parentes importantes e vindo do interior (nasceu em Barra do Corda e chegou à São Luís aos 22 anos após breve passagem por Pedreiras), Almeida foi autodidata, não tendo frequentado aulas formais de belas artes. Desde a infância, o filho de lavradores – de pai cearense e mãe piauiense –, que também chegou a trabalhar na roça, sempre demonstrou pendor para o desenho. Já em 1950 frequentou a Movelaria Guanabara, estabelecimento comercial do pintor Pedro Paiva Filho, na Rua do Sol (Centro de São Luís), onde se reuniam intelectuais ligados sobretudo à literatura e à pintura, responsáveis pela introdução das ideias modernistas nas artes locais.

Em 1952 ficou em segundo lugar no Salão de Artes Plásticas do Ceará, com seu “Autorretrato”. Em 1969, Antônio Almeida fez o desenho de capa e as ilustrações de “Norte das águas”, volume de contos do ex-presidente da República e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) José Sarney, o que lhe valeu uma amizade que durou até o fim da vida.

No entanto, “de temperamento tímido, nunca admitiu sair de São Luís, recusando vários convites para expor fora do estado, inclusive uma bolsa de viagem de estudos na França, oferecida pelo compadre e amigo José Sarney, quando governador do Maranhão”, conforme salienta o verbete a ele dedicado em “Arte do Maranhão 1940-1990” (1994), espécie de dicionário das artes plásticas maranhenses no período, em edição bilíngue, distribuída à época pelo BEM, hoje disputada a tapas e a peso de ouro em sebos.

O mesmo volume coleta o que escreveu o poeta Nauro Machado (1935-2015) sobre Antônio Almeida, enaltecendo as qualidades que o colocaram à frente de seu tempo, na edição de 28 de junho de 1987 do Jornal de Hoje: “A ruptura entre o velho e o novo, no momento em que era preciso coragem para fazê-lo, loucura para intuir genialmente novas formas a nascerem mesmo de velhos temas maranhenses ainda virgens e inapreendidos em sua brutal força atávica e, no entanto, à disposição de quem os pudesse arrancar e pintá-los com novos olhos e sensibilidade, o caráter do artista que não quer trair sua visão das coisas e dos seres, a ponto de marginalizar-se e sofrer a própria injúria e inglória dos incompreendidos, pelo retardamento cultural do meio, são alguns dos fatos ou ingredientes com que poderíamos condimentar essa história feita de dor e renúncia, de ódio e sofrimento, de paixão e de fé”.

“A Secretaria Municipal de Fazenda, na Kennedy, se mudou de lá, e o trabalho está lá totalmente abandonado. A gente não sabe o que vai ser daquele mural. Esses murais precisam ser protegidos, precisam ser cuidados. Então a gente não vê o interesse por parte do poder público. Tem o da antiga Mardisa, na [proximidade da antiga] rodoviária, que está abandonado também, o prédio está à venda e o mural está lá, coberto de mato. Tem o da Funac também, que precisa passar por uma restauração. São obras que estão aí, que precisam ser vistas. É preciso tombar e proteger essas obras”, reivindica Holândia Almeida.

Convite para a abertura da exposição Olhares de Almeida. Divulgação
Convite para a abertura da exposição Olhares de Almeida. Divulgação

Serviço: “Olhares de Almeida”, exposição alusiva aos 100 anos de Antônio Almeida (1922-2022). Abertura: dia 1º. de dezembro (quinta-feira), às 16h, no Museu Histórico e Artístico do Maranhão (MHAM, Rua do Sol, 302, Centro). Em cartaz até 30 de maio de 2023. Entrada gratuita.

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1 COMENTÁRIO

  1. Belíssimo resgate da vida e Obra decAlmeida! Uma valiosa contribuição para quem quer conhecer um pouco da vida desse artista popular, que, em vida, só pintou sua amada sao luis.

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