Siron. Tempo sobre tela. Frame. Reprodução
Siron. Tempo sobre tela. Frame. Reprodução

Mais conhecido como poeta, um dos maiores da língua portuguesa em todos os tempos, o próprio Ferreira Gullar, crítico de artes, aparece na tela afirmando ser Siron Franco o maior pintor brasileiro em atividade. Estamos falando de “Siron. Tempo sobre tela”, documentário monumental que acompanha a trajetória do artista.

“Eu me lembro mais das coisas que pintei do que das coisas que vivi”, revela, logo de cara, ao classificar-se como um selvagem, aconselhando a própria filha, que o filma: “ser selvagem é você fazer o que seu coração te pede, não o que a sociedade ou seu pai ou sua mãe te pede”, continua, enquanto revela as expectativas familiares por que ele se tornasse médico. A partir de uma visão, aos nove anos, resolve dedicar a vida às artes.

Trata-se de um mergulho profundo no universo de Siron Franco, de métodos improváveis, visões, sonhos e pesadelos, que acaba se transformando também num retrato do Brasil, que em nome da intolerância religiosa destruiu uma de suas obras mais importantes: o inacabado “Monumento aos povos indígenas” (1992), um conjunto de 500 colunas de cimento de 2,10 metros de altura cada, distribuídas em uma área de 10 mil km2, formando o mapa do Brasil, em Aparecida de Goiânia.

Experiências como o acidente com Césio 137 ocorrido em 1987, em Goiânia, o maior acidente radioativo da história brasileira, e a violência do bairro em que viveu com a família na infância, também lhe serviram de inspiração. O documentário é bem-humorado, a certa altura vemos um leilão em que uma tela do artista é arrematada por 63 mil reais. “Eu faço algo que nem eu mesmo posso comprar”, diz.

O documentário se ancora em farto acervo do próprio artista acerca de seu processo criativo, longe de narcisista. Ele faz e filma seu próprio fazer – nos créditos finais, aparece como câmera adicional –, incluindo a primeira viagem internacional, ao México, com uma bolsa de estudos para uma residência artística.

Seu processo criativo, nada ortodoxo, costuma dar guinadas de tempos em tempos, o que o torna impossível de classificação. Em uma das cenas diz, mais à guisa de blague, ser neorrealista. Classifica também o próprio processo como uma espécie de arqueologia às avessas, “mais da metade da minha tinta vai acabar no chão”, revelando um fazer que inclui apagar, cobrir, repintar. Em várias cenas, vemos o artista em ação ao contrário, como se o vídeo estivesse sendo rebobinado, justamente para dar conta desse processo.

“Eu quero te ensinar a ver”, diz a um assistente em seu ateliê, apontando desenhos no chão e cobrindo-os com um pedaço de giz. “Os animais estão aí”, afirma enquanto desenha a partir de traços no chão. “Eu vivo em Goiânia, mas eu não pinto Goiânia; meu ateliê é minha cabeça” e é nessa cabeça e em seus pensamentos fabulosos que o documentário de André Guerreiro Lopes e Rodrigo Campos nos permite passear por 91 minutos.

Os dois diretores, que assinam também o roteiro, eram estudantes em Londres, no início dos anos 2000, onde o artista vivia e pintava à época. Passaram a filmá-lo obsessivamente e acompanharam a feitura de diversas telas do artista, da gênese à assinatura. É este farto material, aliado às filmagens caseiras realizadas pelo próprio Siron Franco e sua filha, na caprichada montagem de Danilo do Valle, que condensam no filme que é, além de tudo, um belo tributo à vida e arte do retratado.

Daquela visão de menino ao lançamento do documentário – estreia nesta quinta (25), nas plataformas Belas Artes A La Carte, Now, Vivo TV, Sky Play e Looke – Siron Franco, aos 71, segue vivo, inquieto e produtivo, contrariando os que desprezam as artes e a própria vida.

Veja o trailer:

Serviço: “Siron. Tempo sobre tela”, Brasil, 2019, documentário. 91 minutos. Direção: André Guerreiro Lopes e Rodrigo Campos. Estreia nesta quinta-feira (25) nas plataformas Belas Artes A La Carte, Now, Vivo TV, Sky Play e Looke. Distribuição: Pandora Filmes.
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