O poeta Fernando Abreu. Foto: Eduardo Júlio. Divulgação
O poeta Fernando Abreu. Foto: Eduardo Júlio. Divulgação

“Vamos fazer poesia, os fascistas detestam poesia”. Tal qual o clássico cartum é o novo livro de Fernando Abreu, “Esses são os dias” [7Letras, 74 p., R$ 44,00], um exercício de esgrima (zen) em que o poeta “luta e pensa como se buscasse ser uma pessoa melhor e a poesia fosse o único meio de resistir à maldade do mundo”, como crava o poeta Celso Borges, colega de travessia da Akademia dos Párias, na orelha do volume (de onde roubo também o título deste texto).

A trajetória de Fernando Abreu – que estreou em livro há quase 25 anos, com “Relatos do escambau” (Exodus, 1998) – nada tem de acomodada: se na estreia era um poeta conciso, influenciado pela agilidade de Paulo Leminski e das experiências com os Párias, da revista Uns e outros, ele passou a poemas dylanescos, em “Aliado involuntário” (Exodus, 2011), até chegar ao status atual, em que sua poesia pode se confundir com prosa poética, embora seja outra coisa.

Esses são os dias. Capa. Reprodução
Esses são os dias. Capa. Reprodução

Luís Inácio Oliveira, no prefácio, anota já no título de seu texto: “a mobilização poética do prosaico”. Fernando Abreu é um observador da cidade, do noticiário, da vida, e de suas importâncias e desimportâncias, às vezes diante da velocidade vertiginosa das imagens e informações que não param de nos chegar, não raro contra a nossa própria vontade. Uma pena o prosaico estar tão contaminado, pela violência, estupidez, insensibilidade, fascismo, elogios a este triste estado de coisas, enfim, a antipoesia, além dessa velocidade, tão sensivelmente captada na foto de capa (e quarta capa), de Márcio Vasconcelos.

O poema que inspirou a fotografia, cujos “borrões” de luzes têm a ver com esta tal velocidade, além da paisagem ludovicense (“Se você estiver um dia/ dirigindo pela avenida Carlos Cunha/ em direção ao centro da cidade/ no final da tarde/ mais ou menos na altura do shopping/ lembre de evitar a faixa da direita/ por causa dos ônibus, das motos e/ principalmente dos carros que estão/ saindo do hospital”), é, em si, um reflexão acerca do cotidiano, suas preocupações (“pessoas voltando para casa/ cansadas a fim de um banho mesmo frio/ preocupadas com ameaça de demissão/ ou preocupadas com a doença de parentes,/ ou com o resultado de seus próprios exames,/ que só ficarão prontos na próxima semana”), e ao mesmo tempo, sobre o fazer poético (“e você tem o som do carro ligado/ e um jovem cantor está lhe fazendo um pedido/ bem sentimental, “se você passar um dia por tal lugar/ onde vive uma garota, etc, etc…”/ fazendo você desejar escrever um poema/ que começasse como um “se”/ e que fizesse você pensar naquelas pessoas/ nos abrigos nos ônibus e nos carros/ com um pouco de intimidade/ como se pudesse dividir por um instante/ com elas essa canção ou/ a ideia de um poema”).

“Uma canção ou ideia de um poema” é o nome de uma das cinco seções em que “Esses são os dias” é dividido, o que demonstra o nível de rigor e organização do poeta, sempre atento a seu redor. Também estão lá referências caras ao autor, o que sempre fez questão de mostrar desde o livro de estreia. Pelas páginas circulam desde o contista e poeta norte-americano Raymond Carver (1938-1988), a xamã mexicana María Sabina (1894-1985), o poeta paraibano Augusto dos Anjos (1884-1914), de quem Fernando Abreu toma emprestadas as epígrafes, o escritor americano nascido na Alemanha Charles Bukowski (1920-1994), a poeta norte-americana Maya Angelou (1928-2014) e o poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867)

Ao galã (ex-galã? Anti-galã?) global Mario Gomes, Fernando Abreu “Para Mario Gomes”, inspirado por notícias veiculadas há cerca de cinco anos, que davam conta que, após mais de 30 novelas (incluindo clássicos como “Gabriela”, “Guerra dos sexos” e “Vereda tropical”), o ator sobrevivia vendendo lanche na praia. Apoiador do candidato à reeleição à presidência da República Jair Bolsonaro (PL), ele foi recentemente condenado a indenizar o deputado federal Marcelo Freixo (PSB), candidato ao governo do Rio de Janeiro, por propagação de notícias falsas em que acusava o parlamentar pelas mortes por covid-19 no Amazonas.

“Dizem que você se ferrou/ entrou para a lista/ dos ex-famosos que agora/ precisam trabalhar para viver/ vendendo água de coco na praia/ sanduíche natural no Leblon/ ou transportando velhinhas em uma van/ não sei em qual dessas atividades/ você foi flagrado como um criminoso,/ nu, como um bandido de toga/ pouco importou dizer/ que está vivendo mais tranquilo agora/ com seu trabalho ao ar livre/ desapegado dos flashes da fama”, começa o poema, que bem ilustra, para além do título do livro, “Esses nossos dias”, ao expor mais uma vez a velocidade com que as coisas acontecem e as contradições que movem nossos tristes tempos e trópicos.

“Um homem do povo escrevendo poesia para ser lida por qualquer um. E poesia de ótima qualidade, cabe acrescentar”. “Aos que o acusam de ser um poeta ensimesmado, digo que eles têm razão. Mas eles também sabem, no fundo de suas almas, que todo ensimesmamento em poesia é ambivalente, especialmente quando se trata de um grande poeta”. As aspas deste último parágrafo são de Fernando Abreu, no texto em prosa “Charles Bukowski, nota de aniversário”, um dos últimos do volume. Mas tomo-as emprestadas aqui, para falar do próprio autor de “Esses são os dias”, que terá tarde de autógrafos de lançamento com recital hoje (15), às 17h, na Praça dos Poetas (ao lado da Rua da Montanha Russa, Centro).

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Conversei com o poeta Fernando Abreu (e com o cantor, compositor e pianista João Donato) no Balaio Cultural do último dia 3 de setembro, na Rádio Timbira AM. Ouça:

Serviço: lançamento de “Esses são os dias”, livro de Fernando Abreu. Hoje (15), às 17h, na Praça dos Poetas (Centro Histórico de São Luís).
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