Ancine
Logotipo da Agência Nacional de Cinema (Ancine)

Nos últimos seis anos, a Agência Nacional de Cinema (Ancine) amoleceu brutalmente na sua obrigação de fiscalizar as cotas de conteúdo brasileiro nos canais de TV pagos do País, obrigação definida pela lei 12.485/2011. Em seis anos, caíram em 83% as autuações de operadoras – em 2016, a Ancine aplicara 305 multas por descumprimento da lei; esse número foi caindo progressivamente e, em 2021, foram aplicadas apenas 52 multas.

A lei foi um marco no mercado audiovisual brasileiro, fomentando inúmeras novas produções independentes e o surgimento de novas produtoras. A cota legal exige que os canais exibam três horas e meia semanais de conteúdo brasileiro (além de estipular que, a cada 3 canais de um mesmo grupo, um seja nacional, e 1/3 dos canais seja operado por programadora brasileira). O “corpo mole” da Ancine, que, desde a assunção da dobradinha Michel Temer-Jair Bolsonaro, se repete em diversos outros mecanismos de regulamentação e fiscalização do mercado, atende a diversos interesses, especialmente o do capital internacional, os lobbies do Congresso e outros menos cristalinos – vide o comportamento de sua diretoria em relação ao anúncio de que será extinta a Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Audiovisual Brasileira).

A Ancine joga contra si mesma. Participou, por exemplo, de grupo de estudos que propôs a quase total isenção tributária das empresas internacionais de streaming. Desde 2020, a agência vem fazendo sucessivas revisões na Instrução Normativa 100 (que regula a Lei 12.485/11, do Serviço de Acesso Condicionado, SeAC, ou seja, que trata das cotas de conteúdo nacional na TV paga). Essas mudanças vêm sempre com o discurso de “simplificar”, mas na verdade trata-se de desregulamentação pura e simples. A Ancine extinguiu o envio da maioria dos relatórios que costumavam ser obrigatórios e serviam para fiscalizar o cumprimento das cotas alegando desburocratização. Isso, somado à extinção do MP-SeAC (o sistema de fiscalização), praticamente inviabilizou a fiscalização do cumprimento das cotas. Na prática, hoje, cumpre a cota de TV paga quem quiser, já que a Ancine já não tem mais como fiscalizar (nem tem interesse).

ALISTE-SE (PARA TRABALHAR DE GRAÇA)

Outro fato de destaque na atuação recente da Agência Nacional de Cinema (Ancine) era subterrâneo até hoje. A Ancine tem feito contato telefônico com diversas associações de profissionais do audiovisual pedindo indicação de voluntários para trabalhar de graça como pareceristas externos nos editais do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) recentemente lançados. O fato escandalizou o meio audiovisual brasileiro por diversos motivos. Primeiro, porque é inédito na história do FSA, uma vez que o próprio Fundo prevê recursos (12 milhões de reais) para despesas com a contratação dos pareceristas externos; segundo, porque a Ancine não revela as condições de tal trabalho, a disponibilidade, os prazos, a quantidade de pareceres que intenta recolher. Terceiro, porque remunerar pareceristas é algo que faz parte das políticas públicas de geração de emprego e renda do Estado – seria contraditório pedir voluntários.

Outra decorrência é a seguinte: mesmo voluntários, os profissionais que porventura aceitarem respondem civil e criminalmente por eventuais atos de improbidade administrativa que cometerem na função, já que se trata de um serviço público. A Ancine parece não ter atentado para esse detalhe.

Nesta quarta-feira, a Associação dos Servidores Públicos da Ancine (Aspac) protocolou um ofício questionando o diretor presidente da Ancine, Alex Braga Muniz, sobre a iniciativa, que até agora é “secreta”, não assumida pela agência. “A Aspac tem recebido denúncias de diversas entidades de profissionais do setor audiovisual relatando que gestores da Ancine têm feito contatos telefônicos informais solicitando a indicação de voluntários para trabalhar gratuitamente, mas se recusam a colocar estas informações por escrito, e não têm respondido os emails com os questionamentos das entidades”, diz a Aspac no ofício.

A associação de servidores revela ainda que diversas entidades relataram se sentirem intimidadas, pois os gestores da Ancine têm colocado a indicação de voluntários como condição para o andamento dos editais. “A insatisfação com este novo procedimento da Ancine parece ser generalizada entre os profissionais do setor audiovisual, mas ao mesmo tempo não sabem como reagir, já que a agência não responde seus e-mails, e temem possíveis represálias”, informou a Aspac.

 

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