Mario Frias e André Porciuncula: discurso sobre irregularidades no histórico da Lei Rouanet não bate com a realidade, segundo o TCU

O secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do governo Bolsonaro, André Porciúncula, disse na terça-feira, 9, que a portaria na qual o governo restringiu a aprovação de projetos da Lei Rouanet a atividades presenciais já coleciona três ações populares contra sua implementação, uma delas encaminhada pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP). Valente também pediu o afastamento do secretário do seu cargo. Além das ações, há diversos mandados de segurança e três decretos legislativos protocolados contra a portaria de Porciúncula, revelada pelo Farofafá na sexta-feira, 5 de março.

A portaria 124, ao privilegiar propostas culturais que envolvam prioritariamente a interação com o público, automaticamente segrega todos os projetos de desenvolvimento normal e interrompe o fluxo de incentivo para o setor, acarretando prejuízo grave. O texto foi objeto de repúdio unânime de artistas e produtores – em nota, a Associação dos Produtores de Teatro (APTR) lembrou que é um golpe fatal no setor, já que, entre as fases de admissibilidade, homologação, publicação e autorização para captação de recursos de um projeto, transcorrem no mínimo 90 dias.

As deputadas Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Áurea Carolina (PSOL-MG) e o deputado Alexandre Padilha (PT-SP) entraram com Projetos de Decreto Legislativo (PDL) sustando os efeitos da portaria. “Se prosperar, tal medida também atrasará ainda mais a apreciação e publicação de projetos culturais, em sua maioria, com execução futura, uma vez que é facultado ao empreendedor cultural a adaptação no cronograma da realização do projeto”, diz o texto de Áurea Carolina. Diversos escritórios de advocacia apontaram problemas na portaria. O advogado Evandro Grili, do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia, concluiu que ela é inconstitucional e ilegal. Danilo Prudente, do escritório Mauro Menezes & Advogados, afirmou que a legislação não admite a suspensão de análises dos projetos culturais submetidos ao órgão, “salvo se houver pendências ou irregularidades pretéritas”, assinalou. “O que se nota é uma franca medida de ineficiência”, afirmou Prudente.

Curioso é que, ao se analisar a rotina de aprovações de projetos da Lei Rouanet pelo Diário Oficial da União, nota-se que a portaria de André Porciúncula não está sendo seguida à risca pelo próprio secretário de Fomento em seus despachos. Por exemplo: foi aprovada a captação de recursos para a 35ª edição da Feira do Livro de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. A feira será realizada em outubro e de forma totalmente online, por conta da pandemia. O texto dizia que “só serão analisadas e publicadas no Diário Oficial” as atividades que envolvam interação presencial em local sem restrições de circulação de público. Certamente o secretário, sabendo das sanções que poderá sofrer por conspurcar a lei, está seguindo os trâmites normais.

Chama a atenção a falta de preparo dos atuais gestores públicos de cultura no governo federal, além do conhecimento básico sobre os temas que tratam. Em intervenções na rede social Twitter, tanto o secretário de Fomento, André Porciúncula, quanto seu superior hierárquico, Mário Frias, demonstram assustadora ignorância das leis. “TODO dinheiro da lei (Rouanet) é depositado numa conta vinculada a (sic) Secretaria Especial da Cultura, a quem cabe avaliar se autoriza ou não a movimentação desse valor”, escreveu Frias a respeito dos recursos da Lei Rouanet. Não existe tal conta, quem direciona os recursos para os produtores são empresas e pessoas físicas (que, dessa forma, ganham a possibilidade de abater os valores investidos em seu imposto de renda, no final do exercício fiscal). Os recursos são da arrecadação presumida – o Orçamento da União determina apenas o valor que será admitido para a renúncia fiscal de cada setor. O pior veio a seguir: o secretário de Fomento ratificou as declarações do chefe.

Por coincidência, o Diário Oficial da União de hoje traz a nomeação de um nome alternativo para o cargo de secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura. Sérgio Ricardo da Cruz Duarte, um servidor de carreira com formação adequada e currículo na área, foi nomeado como secretário substituto de Fomento. Porciúncula, um ex-capitão da PM da Bahia, é um militante olavista de extrema-direita sem qualquer formação no setor cultural.

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2 COMENTÁRIOS

  1. As contas são sim abertas pela Secretaria. Uma conta captação, onde o patrocinador deposita o recurso, e outra conta movimento, para o produtor movimentar os recursos. Quem transfere o valor da conta bloqueio para a conta movimento é sim (infelizmente) a secretaria, após a análise e homologação dos projetos. E é exatamente isso que eles não estão fazendo. Muitos proponentes com dinheiro parado na conta bloqueio sem conseguir executar os projetos. E isso é anterior a esta portaria. A Sefic parou em novembro de 2020.

  2. O que não existe, Fabiana, é o que eles dizem existir: uma conta com o total de recursos do incentivo, R$ 1,4 bilhão, para distribuição pela secretaria.

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