O cantor e compositor pernambucano Tagore acaba de lançar Barra de Jangada, seu quarto álbum, com sonoridade oitentista, que homenageia o lendário Paulo Rafael (1955-2021), ex-Ave Sangria e sideman de Alceu Valença por mais de 40 anos. O título do novo trabalho é o nome do bairro em que Tagore morava com a família, na infância.
O chamado udigrudi pernambucano é referência para o artista, que também bebe na fonte do mangueBit – entre as participações especiais, o novo álbum conta com as presenças de Cássio Cunha e Juba Valença, que tocam com Alceu (o segundo é seu filho), Ju Strassacapa (Francisco, El Hombre) e Clayton Barros (Cordel do Fogo Encantado).
“Paixão Revirada” e a faixa-título já tiveram videoclipes lançados e a estética das velhas fitas VHS, que também marcaram os anos 1980, dão o tom do visual, traduzindo o som em imagens à perfeição. O próprio Tagore chegou a brincar, dizendo que “queria fazer um álbum meio no esquema trilha sonora de Mulheres de Areia”, referindo-se à novela protagonizada por Marcos Frota, que viveu Tonho da Lua, um fenômeno de audiência.
Tagore conversou com exclusividade com FAROFAFÁ.
OITO PERGUNTAS PARA TAGORE
ZEMA RIBEIRO: “Paixão revirada” já abre Barra de Jangada evocando a sonoridade psicodélica do álbum que Alceu Valença lançou com Geraldo Azevedo em 1972, apesar de ambos terem ficado mais conhecidos por músicas mais, digamos, radiofônicas. A seu ver é uma fase que merece reavaliação? Esta homenagem tem essa intenção?
TAGORE: Apesar de “Paixão Revirada” carregar essa atmosfera que remonta à fase psicodélica dos anos 70 de Alceu, ela na verdade foi inspirada por uma faixa chamada “Guerreiro”, do álbum Cinco Sentidos (1981), recorte que permeou todo o álbum como referência máxima na sonoridade.
ZR: O próprio Paulo Rafael, guitarrista que fez fama como sideman de Alceu Valença, tem profundas digitais na chamada psicodelia nordestina, tendo sido integrante do Ave Sangria. O que te motivou a esta homenagem neste álbum?
T: Me tornei amigo de Paulinho em meados dos anos 2010, e nutrimos ao longo dos anos um carinho imenso um pelo outro. Com sua partida precoce, me veio uma vontade visceral de revisitar sua sonoridade marcante e mergulhar de vez em seu legado.
ZR: Paulo Rafael participou de teu disco de estreia, Movido a Vapor, há exatos 10 anos. Olhando em perspectiva, para além da perda, o que mudou de lá para cá?
T: Difícil pontuar algo específico, muita coisa mudou. Mas talvez o que mais me impacte seja a forma como absorvo a obra dele hoje em dia. A maturidade me trouxe um prisma mais detalhado de compreensão do rico universo criado por Paulinho. Recheado de minúcias e assinaturas eternas.
ZR: Quero te ouvir sobre o processo de composição do álbum, desde as ideias iniciais até a percepção de que você tinha um álbum pronto, sessões de gravação, até agora, o lançamento.
T: Algumas dessas músicas foram compostas há muito tempo, e foi por elas que eu comecei todo o trabalho, experimentando colocá-las nessa onda “tropicana” que eu nunca havia surfado. A partir daí foram surgindo outras composições e o mosaico foi fazendo cada vez mais sentido. Para essa organização eu contei com a ajuda fundamental de Pedro Diniz, baixista do Mundo Livre S/A e coprodutor do disco. Depois demos início às sessões de estúdio, gravando as bases instrumentais para depois adicionar as vozes.
ZR: E também sobre a sonoridade do álbum, que evoca as décadas de 1970 e 80 e, nesse sentido, é uma homenagem que consegue evocar o homenageado, sem se limitar à mera cópia. Qual a maior dificuldade em atingir este resultado?
T: Primeiramente compor arranjos que dialogassem com a estética tecida por Paulinho, depois lapidar a sonoridade como um todo de forma a fazer uma gravação digital soar o mais próximo possível das referências analógicas que abraçamos.
ZR: Além de Alceu Valença e Paulo Rafael, e, obviamente, de Lula Côrtes (cuja voz comparece ao álbum), que outros nomes da música pernambucana te influenciam? E entre nomes da atualidade, quais os que te chamam a atenção?
T: O Ave Sangria também foi um norte absoluto desde o início da carreira. Já dos nomes novos destaco a Bule, quinteto pernambucano com uma estética forte e amadurecida, transitando entre Guilherme Arantes e Strokes com originalidade. Três integrantes fazem parte da minha banda de apoio.
ZR: Também ligados a Alceu Valença, Cássio Cunha, baterista, e Juba Valença, filho, participam do álbum, que tem ainda Ju Strassacapa, da banda Francisco, El Hombre, e Clayton Barros, do Cordel do Fogo Encantado. Quero te ouvir um pouco sobre estas escolhas e se o mangueBit é também uma influência.
T: Foram escolhas feitas de forma que fizessem sentido em relação ao conceito do álbum, a exemplo de Cássio, que foi um pilar fundamental na reprodução do pulso característico do “forrock” do bicho maluco beleza. O manguebeat entra pra conta das influências indiretas, com o eterno legado de uma visão macro da arte, onde elementos de diversas culturas podem coexistir de maneira original e poderosa.
ZR: Nos dois singles/videoclipes lançados antecipando o álbum, “Paixão revirada” e a faixa-título, você se vale de imagens em VHS do final da década de 1980, num diálogo entre a sonoridade do álbum e a época evocada. Fale um pouco deste desafio.
T: A ideia era dar um suporte visual para o conceito, evocando elementos que povoassem as memórias afetivas de quem viveu essa era tropical analógica, sem telas atrapalhando o deleite dos “agoras”. Pra isso eu contei com um acervo registrado por japoneses durante a década de 80.
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Ouça Barra de Jangada: