Ancine prepara “manual de censura” para punir servidores nas redes sociais

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Reunião da antiga diretoria colegiada da Ancine

A Agência Nacional de Cinema (Ancine) está sendo interpelada pela sua associação de servidores por conta do anúncio de que pretende adotar o que chamou de Manual de Conduta nas Mídias Sociais com o intuito de punir funcionários que porventura se manifestarem publicamente contra retrocessos na instituição. O Manual de Conduta nas Mídias Sociais já tem uma minuta preparada e trata apenas de sanções e obrigações – foi debatido em sessão sigilosa na reunião da diretoria que houve na sexta-feira, 20 de agosto, e segue em pauta.

“É alarmante que a Agência Nacional do Cinema tenha elaborado uma minuta que prevê a ‘responsabilização do servidor que criticar ou ofender a Agência Nacional do Cinema’, o que seria não só ilegal mas inconstitucional. Numa democracia, a crítica deveria não só ser aceita, mas estimulada”, afirma mensagem da Associação dos Servidores Públicos da Ancine (Aspac) à diretoria. A chegada da notícia da adoção de Manual de Conduta nas Redes Sociais na Ancine foi marcada por um momento de coincidências: foi justamente no dia em que o presidente Jair Bolsonaro protocolou o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, no STF, e houve busca e apreensão nas casas de Sérgio Reis e Ottoni de Paula.

O manual está sendo visto como mais uma tentativa de legalizar a perseguição, censurar e retaliar e, somada a outras iniciativas do governo, configura uma “Lei da Mordaça” generalizada que vem sendo adotada na administração pública para coibir a crescente insatisfação com o governo Bolsonaro. Há casos parecidos em outras instituições federais, como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Em maio, a Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema) denunciou ação semelhante em uma nota técnica do Ministério do Meio Ambiente: “Parece interferência na liberdade de manifestação, de pensamento dos servidores. À medida que isso extrapola a legislação existente e toma forma em um Código de Ética, nos parece um abuso que visa amordaçar os servidores”, afirmou a Ascema.

A Associação dos Servidores Públicos da Ancine solicitou que o Manual de Conduta não seja votado enquanto a minuta não for previamente discutida com os servidores, “visando a garantia do direito constitucional de liberdade de expressão”. A Aspac pediu reunião de urgência com a diretoria da agência porque também se mostrou alarmada com um outro item da pauta divulgado na sexta-feira: “Alteração de endereço das instalações do Escritório Sede no Distrito Federal”. É uma ideia antiga especulada pelo presidente da República já no início de sua gestão, mas estudos mostram que, além de dispendiosa, a mudança não traria benefício algum para as atividades da agência. “Solicitamos ainda que nenhuma decisão sobre mudança do escritório-sede da Ancine para Brasília seja tomada sem discussão prévia com os servidores, considerando o potencial impacto desta mudança não só sobre as políticas audiovisuais, mas sobre as vidas profissionais e pessoais dos servidores”, afirmou a mensagem da diretoria da Aspac.

A reunião que tratou desses temas foi presidida pelo diretor-presidente substituto, Mauro Gonçalves de Souza (responsável pela censura ao filme “O Presidente Improvável”, sobre FHC), com a participação dos diretores Vinicius Clay e Tiago Mafra. O diretor Clay chegou a pedir que o termo “criticar” fosse retirado do texto do Manual, mas a maioria resolveu manter. Havia também a participação do secretário da Diretoria Colegiada, Rafael Paiva, do Procurador-Chefe, Fabrício Tanure, e do Ouvidor-Geral Substituto, Otávio Albuquerque Ritter dos Santos.

A estratégia de monitorar manifestações de servidores nas redes sociais, ensejando procedimento disciplinar, é uma clara atitude de cerceamento da liberdade de expressão e encontrou eco em uma norma técnica editada pela Controladoria-Geral da União (CGU). Desde então, começou a ser utilizada como forma de intimidação pela presidência em diversas áreas. Em agosto do ano passado, a Confederação Nacional das Carreiras e Atividades Típicas de Estado (Conacate) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar tal norma técnica. O pedido está com o ministro Dias Toffoli. “As previsões do ato veiculado pela CGU geram efeitos nefastos e podem atingir até mesmo um caráter persecutório no âmbito do serviço público”, escreveu a Conacate. O mais triste é que, no caso dos servidores do audiovisual, tenha partido de um organismo ligado à cultura tal iniciativa, algo que desde a ditadura militar não se tinha notícia.

 

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