Quinteto Violado apresenta projeto “Sertão” nesta quarta (15), em São Luís

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O Quinteto Violado, com Marcelo Melo (com o violão) e o reforço de Waleson Queiros (à direita) - foto: reprodução
O Quinteto Violado, com Marcelo Melo (com o violão) e o reforço de Waleson Queiros (à direita) - foto: reprodução

Após passar por Vitória/ES, São Paulo/SP, Mariana/MG, Itabira/MG, Brasília/DF e Campina Grande/PB, o Quinteto Violado apresenta nesta quarta-feira (15), em São Luís/MA, o espetáculo “Sertão”, que celebra a cultura nordestina do Brasil, unindo música, teatro e literatura de cordel, conforme o material de divulgação.

A apresentação acontece às 19h30, no Teatro Sesc Napoleão Ewerton (Condomínio Fecomércio/ Sesc/ Senac – Edifício Francisco Guimarães e Souza, Jardim Renascença, São Luís/MA), com entrada franca. Os ingressos podem ser retirados na bilheteria do teatro uma hora antes do início do espetáculo.

Atualmente formado por Marcelo Melo (voz e violão), Roberto Medeiros (voz e bateria), Dudu Alves (voz e teclado), Sandro Lins (baixo) e Deri Santana (flauta), o grupo vira um sexteto nessa turnê, com a participação especial de Waleson Queiros (viola).

Após São Luís, “Sertão” passa ainda por Maceió/AL (no próximo dia 24) e Recife/PE (dias 30 e 31). Ao fim da turnê, o espetáculo será gravado e vai se tornar o próximo álbum do grupo pernambucano, um dos mais longevos em atividade da história da música popular brasileira.

A circulação de “Sertão” tem patrocínio do Instituto Cultural Vale, através da Lei Rouanet. Marcelo Melo, único remanescente da formação original do Quinteto Violado, conversou com exclusividade com FAROFAFÁ. O cantor, compositor e violonista falou sobre a importância de nomes como Luiz Gonzaga (1912-1989), Geraldo Vandré, Gilberto Gil e o Quarteto Novo para o grupo, suas relações com o Maranhão e a valorização da cultura nordestina e o legado do Quinteto Violado, entre outros assuntos.

10 PERGUNTAS PARA MARCELO MELO

ZEMA RIBEIRO: O Quinteto Violado tem mais de 50 anos de trajetória e já passou por diversas formações. É uma verdadeira instituição da música nordestina. A que você atribui a longevidade e relevância do grupo?
MARCELO MELO: Eu sou um dos fundadores do Quinteto, eu sou o único remanescente que permanece com o grupo; todos os outros já foram chegando depois. Da formação inicial só tem eu como o sênior, o cara que iniciou tudo. O Toinho Alves [cantor, compositor, violonista e contrabaixista, 1943-2008], pai do Dudu [Alves] começou o Quinteto comigo. Realmente é uma instituição da música nordestina, o Quinteto Violado é uma representação que tornou-se assim um marco da música nordestina, todos os artistas, e os compositores e músicos que seguiram-se depois do Quinteto Violado têm o Quinteto Violado como um escola, pela forma de tratar a música nordestina, a forma como a gente elaborou os arranjos, e eu digo sempre que Luiz Gonzaga foi para nós uma estrela guia, porque foi tratando a obra de Gonzaga que a gente, eu digo sempre, definiu a sonoridade do quinteto, com vários arranjos, de “Asa branca” (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira), “Vozes da seca” (Luiz Gonzaga e Zé Dantas), “Acauã” (Zé Dantas), “Baião da garoa” (Luiz Gonzaga e Hervê Cordovil), “Algodão” (Luiz Gonzaga e Zé Dantas), isso trouxe um formato diferenciado de trabalhar a música nordestina, que o Quarteto Novo tinha começado com Hermeto [Pascoal, 1936-2025], com Airto Moreira, com Théo [de Barros, 1943-2023] e com Heraldo do Monte, então a gente seguiu naquele caminho. Tanto que o [Gilberto] Gil quando ouviu o Quinteto pela primeira vez, ele disse: “olha, vocês fazem o free nordestino”; aí eu perguntei “por que free nordestino?”, ele estava voltando do exílio, na Inglaterra, e disse: “Marcelo, é porque vocês buscam na música dos folguedos populares, os temas tradicionais da música de raiz, elementos também da música erudita, vocês têm momentos em que a flauta trabalha como se fosse um Vivaldi [1678-1741], um Debussy [1862-1918], e vocês trazem isso também do canto gregoriano, dos cantos de trabalho, do aboio, e vocês trazem uma influência jazzística também, tem determinados momentos em que a gente ouve o Quinteto e parece que a gente está ouvindo um grupo de jazz ou um grupo de rock, mas tudo isso agregando um valor à música nordestina, que eu prezo muito, que eu admiro demais e digo ao mundo que vocês fazem o free nordestino”, foi essa a definição que ele nos deu. E a gente se mantém esse tempo todo porque sempre nós tivemos uma disciplina de trabalho muito séria, nós não começamos como os meninos que fazem música dentro de garagem, dentro de casa, eu já era formado e pós-graduado, Toinho era formado também no curso superior de Química, então ele trabalhava, ele tinha uma disciplina e nós determinamos isso na formação do grupo e as pessoas foram respeitando isso e conseguimos montar um grupo no início que tinha essa disciplina e esse respeito mútuo. A gente tinha uma capacidade, eu sempre tive a capacidade de trabalhar em grupo e aprendi isso porque eu tive formação em desenvolvimento comunitário e trabalhei muito essa coisa de trabalhar em grupo. Então a gente não perdia o controle das coisas, claro que a gente engole sapos, a gente tem arengas, tem disputas, mas havia o respeito e com isso a gente manteve a disciplina necessária para manter o grupo tanto tempo.

ZR: Uma das músicas mais marcantes do grupo é “Palavra acesa”, que já foi trilha de novela e marca a relação de vocês com o Maranhão: é um poema de José Chagas [1924-2014] musicado por Fernando Filizola [1947-2023]. Fale um pouco dessa relação com o Maranhão.
MM: Uma das músicas mais marcantes foi, sem dúvida, “Palavra acesa”. Essa “Palavra acesa”, nós colocamos numa novela, “Renascer” (1993). Nos anos 1979, 78, a gente tinha feito um trabalho chamado “Até a Amazônia” (1978) . Todos os anos o Quinteto fazia um projeto para trabalhar. Foi “A feira” (1974), foi a “Missa do vaqueiro” (1976), foi “Folguedo” (1975), foi “Berra boi” (1973), e nesse ano a gente fez “Até a Amazônia”, e a gente resolveu analisar e avaliar a migração nordestina pro Norte, que a gente sempre sabia que o pau de arara vai para o Sul, para buscar melhores condições, fugindo da seca, mas dessa vez nós encontramos um poeta fantástico, que era um poeta de Monteiro, um poeta famoso, que ele integrou o exército da borracha e foi para o Norte, então ele contou a saga dele, nessa aventura, voltou mais fodido do que foi, mas de qualquer maneira a gente foi buscar esses elementos da região Norte, a poesia, os temas, as levadas, e também as superstições, os mitos, as lendas da floresta, e fizemos ali um trabalho junto com João de Jesus Paes Loureiro, que era um grande poeta da Amazônia, lá de Belém do Pará [Abaetetuba/PA], e a gente encontrou nessa passagem aí, no Maranhão, com o José Chagas. E Fernando teve contato com ele, e ele passou esse poema para Fernando, Fernando Filizola, que já também não está mais conosco, e ele fez essa música, “Palavra acesa”, que tantos anos depois, agora no ano passado, foi feito um remake dessa novela, e mantiveram o mesmo fonograma que caracterizava o personagem Tião Galinha. Então isso foi muito importante porque nós retomamos com o mesmo fonograma, com a mesma sonoridade, essa música do José Chagas. Eu fiquei sabendo depois que o José Chagas é paraibano, mas que instalou-se no Maranhão e tornou-se praticamente um cidadão de lá e fez amizade com meu parceiro Nosly, com o Zeca Baleiro, todos amigos dele, frequentavam a casa dele. Agora, tem outras músicas que foram também marcantes dentro da história do Quinteto, como “Vaquejada”, que é uma música minha com Toinho e Luciano [Pimentel], tem o “Cavalo marinho” [folclore adaptado por Luciano Pimentel e Fernando Filizola], que é um tema que também ficou muito marcado, que é uma adaptação da gente de uma das jornadas do cavalo marinho, do bumba meu boi nordestino, tem a “Marcha nativa dos índios Quiriris” [Toinho Alves e Marcelo Melo], tem a ciranda “Quero mais” [Toinho Alves, Marcelo Melo e Ednaldo Queiróz], enfim, tem muitas músicas que foram bem determinadas. O Quinteto sempre fazia uma leitura dos cancioneiros e fazia também as suas músicas autorais. Eu tenho música que eu fiz até antes do Quinteto e com o Quinteto a gente gravou, como foi aquele “Freviola” [Marcelo Melo], que é um frevo determinado para viola, para violão, enfim, tivemos algumas músicas, em todos os álbuns do Quinteto, todo ano a gente fazia, nós temos mais de 60 álbuns, a gente registrava temas autorais.

ZR: A relação de que falo na pergunta anterior se aprofunda em parcerias suas com nomes como Zeca Baleiro e Nosly. Com este último você tem um show que também deseja trazer a São Luís. Me fale um pouco sobre isso.
MM: A minha parceria com Zeca Baleiro e Nosly, eu encontrei Nosly aqui em Olinda, e descobri o grande violeiro, o violonista muito bom, grande conhecedor de música e harmonias modernas, que teve grandes parceiros na vida, entre eles o Chico Anysio [1931-2012] e o Nonato [Buzar, 1932-2014], e o Zeca Baleiro foi amigo de infância [de Nosly], moravam juntos aí em São Luís e aprenderam muitas coisas juntos, tocaram muito juntos, são parceiros, e o Zeca, que eu conhecia também, mandou uma letra pra gente, uma letra que não tinha nome, era uma coisa dentro da linha de martelo agalopado. Como eu já tinha gravado martelo agalopado, e a gente tem aquela melodia tradicional dos violeiros repentistas, eu quis fazer uma coisa diferente, então eu dividi a letra, que é uma letra longa, dessa canção, e disse: “olha, Nosly, tu faz música para esses versos e eu para os outros”, e terminou a gente montando juntos e eu botei o nome “Um quase martelo”. Eu gosto muito dessa música e Zeca gostou também e canta com a gente, então é uma música que nós fizemos assim numa parceria muito legal, muito simpática. Quando Zeca passou aqui por Recife com Chico César, fazendo o show deles dois juntos, eu e Nosly fizemos a abertura, fazendo a cantoria de abertura do show, no Teatro Guararapes, aqui em Recife, e foi muito bonito, foi muito emocionante esse encontro da gente. Eu tenho uma admiração muito grande pelo trabalho do Zeca e o Nosly tornou-se meu parceiro também em outras músicas. Eu tenho uma cantoria que eu montei com ele, que eu botei o nome “Nossa cantoria”, e a gente saiu mostrando por aí e o repertório que a gente montou é tão bonito, que descreve a história minha com o Quinteto, antes do Quinteto, a de Zeca com os parceiros dele, e a gente fez leituras também de algumas coisas do Gonzaga, de Geraldo Vandré, de Chico César, enfim, a gente montou um repertório que onde a gente toca, o público fica muito emocionado. Já levamos para Fortaleza, Teresina, fizemos várias vezes aqui em Recife e queremos muito ir à São Luís com a nossa cantoria. Já fizemos uma proposta, estamos aguardando a chance de a gente ter alguém que possa fazer uma produção nossa e levar. Estamos indo possivelmente agora em novembro a Sergipe, vamos a Aracaju. Então essa nossa cantoria tem feito muito sucesso, o repertório é muito bonito. O entrosamento dos dois violões, o meu com o de Nosly, faz um duo muito especial e é o que admira muito as pessoas, porque ninguém faz igual uma coisa com a outra, mas a gente faz desenhos que se entrelaçam, duas violas, dois violões, fica muito bonito. Esperamos a gente poder mostrar isso também aí em São Luís em breve.

ZR: O projeto “Sertão” une música, teatro e literatura de cordel. Como estas expressões são costuradas no roteiro?
MM: O projeto “Sertão” é o novo projeto que o Quinteto faz, como sempre fez, como fez com “A feira”, como fez com “Pilogamia do baião” (1979), como fez com “Folguedo”, a própria “Missa do vaqueiro”, “Berra boi”, a gente montou os shows com aquele repertório. Esse ano, a gente resolveu fazer com o “Sertão”. O “Sertão”, para nós, é aquele sertão alegre, é um sertão extrovertido, um sertão brincalhão, que tem o sagrado e o profano que se entrelaçam, tanto tem o vaqueiro como tem o cantador, repentista, embolador, os contadores de histórias repentistas, e tudo isso, dentro desse imaginário sertanejo, influenciou muito a criatividade do Quinteto Violado e a gente foi muito feliz nisso. Então resolvemos preparar um repertório realçando essa ligação da gente com o sertão. Então esse foi o objetivo, o propósito. Conseguimos credenciar o nosso projeto na Lei Rouanet e a Vale [o Instituto Cultural Vale] aprovou e liberou os recursos necessários para a gente fazer essa turnê nacional. Já estivemos em São Paulo, Minas, vamos agora a São Luís, vamos a Fortaleza, vamos a Alagoas, Pernambuco, enfim, a gente vai rodar esse Brasil aí, estamos rodando até o mês de novembro, com um figurino muito bonito, com um repertório muito adequado. O sertão está presente nele.

ZR: Qual a base do repertório da apresentação?
MM: A base do repertório foi exatamente essa ligação que a gente tem com o sertão, claro que tem coisas de Gonzaga, não podia faltar “Asa branca”, “Acauã”, não podia faltar “Vaquejada”, e nós temos dois temas muito bonitos que é “O Brasil” e “Vida sertaneja”, que são dois compositores que a gente vai falar sobre eles daqui a pouco. Mas o repertório foi muito criado em cima disso, com músicas autorais e com músicas que fazem parte desse universo sertanejo.

ZR: O reforço de Waleson Queiros torna o Quinteto um sexteto Violado. Comente essa opção e como foi chegar ao nome dele.
MM: Sobre esse sexto elemento que a gente traz dentro do espetáculo como um convidado especial, Waleson Queiros, ele é um violeiro, um cara muito jovem, mas com formação musical muito densa, ele fez o conservatório de música completo, ele é guitarrista, na realidade, e o ano passado ele ganhou o prêmio como melhor guitarrista brasileiro, dado a ele pela Yamaha, ganhou um instrumento fantástico. Ele é canhoto, o instrumento foi criado e adaptado para ele, foi construído para ele, inclusive agora quando passamos em São Paulo, teve uma feira de música e a gente esteve lá no stand da Yamaha, e ele foi convidado e fez uma apresentação didática sobre o instrumento que ele recebeu, é um virtuose da guitarra. Mas aí como o Quinteto Violado tem na sua história, sobretudo nos primeiros trabalhos, nos primeiros 10 anos do Quinteto, sempre foi muito marcado pelo trabalho da viola, o desenho da viola trazida dos repentistas, dos ponteios das violas nordestinas, então eu tinha uma viola em casa, conheci através de Ciano [Alves, 1959-2024], nosso flautista, que nos deixou também ano passado, ele conhecia Waleson, um garoto que morava no interior, aqui perto, em Gravatá, num lugar de serra, morava lá num sítio, estudava fora e voltava para morar lá, e tocava com umas pessoas, a gente o viu tocando, eu toquei com ele algumas vezes, aí dei essa minha viola, pedi para ele inverter as cordas, e dei a viola de presente a ele e pedi para ele escutar pessoas como Heraldo do Monte, os violeiros de mais representação, e o próprio Fernando Filizola, que tocava com a gente, que tinha uns desenhos na viola que marcaram muito os arranjos do Quinteto. Então ele pegou isso com muita maestria e com a habilidade que ele tem, e conhecimento musical, ele agrega um valor aos arranjos da gente de uma forma muito importante e muito identificada com a nossa sonoridade. Então por isso que no “Sertão” a gente não deixou de fora essa sonoridade da viola que ele faz isso com muita qualidade. É o que vocês vão assistir no espetáculo “Sertão”.

ZR: Há pouco tempo o Quinteto Violado dividiu um álbum com outra entidade da música nordestina, a Banda de Pau e Corda, que vem sendo merecidamente redescoberta e valorizada por gerações mais jovens. Fale um pouco deste encontro.
MM: Como nós falamos há pouco, eu disse que o Quinteto realmente quando começou a trabalhar e a mostrar seus atributos nos arranjos com a música nordestina, muitos grupos começaram a se formar. E muitos artistas também, compositores, começaram a ouvir muito o Quinteto e ficavam com admiração muito grande pela maneira diferenciada que a gente trazia pros arranjos. Então alguns grupos se formaram, dentre eles a Banda de Pau e Corda, que, por sinal, quem deu esse nome, foi Toinho Alves. Os meninos viram a gente logo no início de nossa caminhada, eram três irmãos e mais dois músicos, que tinham também um quinteto e admiravam muito o Quinteto Violado, ficaram ouvindo, ouvindo, “a gente tem um grupo, e tal”, aí Toinho disse “vocês têm um nome?”, “ainda não”, “vocês podiam botar Banda de Pau e Corda”, que eram as bandas dos blocos líricos do carnaval que saíam por aqui, todos com instrumentos de pau e corda, banjo, bandolim, violões, baixo, flauta de madeira, percussões, e eram acompanhados por um grupo de cantoras, de senhoras que cantavam os blocos de carnaval, que chamavam os frevos de bloco, acompanhando os grupos tradicionais, Madeira do Rosarinho, Clube das Pás, então eles montaram esse grupo. Com eles também montou-se um grupo, Som da Terra, um outro chamado Flor de Cactus, o outro, Tejocupapo Bando, o outro em Teresina, chamado Candeias, o grupo em Aracaju, chamado Ouro de Feira, e por aí vai, Fim de Feira, outro grupo daqui de Recife, e assim a gente começou a ter essa responsabilidade de influenciar, com a mesma instrumentação, esses grupos que iam se fazendo. Quando, há uns dois anos, resolvemos fazer um novo encontro, porque, como eu, remanescente do Quinteto Violado, Marcelo Melo, tem na Banda de Pau e Corda Sérgio Andrade, que já não está mais com os irmãos [o baterista Roberto Andrade e o violonista Waltinho Andrade], mas ele mantém o grupo com a mesma bandeira, compositor e cantor de muita qualidade, e resolveu retomar o grupo e o grupo está muito firme, com muito vigor, atualmente, e nós resolvemos fazer um encontro, botamos o nome “Na estrada”, fizemos uma turnê nacional e gravamos um disco, que teve esse nome, “Na estrada” (2021), onde a gente mistura um pouco os grande clássicos de nossa caminhada, tanto da Banda como do Quinteto, então foi esse encontro, ainda hoje somos muito amigos e essa amizade permanece, com muito respeito, com muita qualidade.

ZR: Eu tenho falado aqui em música nordestina no sentido de ressaltar a força da música produzida na região, mas infelizmente a gente sabe que o Nordeste ainda é visto por muita gente com uma carga muito forte de preconceito. Nesse sentido o projeto “Sertão” busca contribuir para a superação destes estigmas?
MM: Você tem razão. A música nordestina sofreu muito preconceito. Quando o Quinteto surgiu, as pessoas não tinham, lá no Sudeste, que era onde centralizava as gravadoras, as multinacionais, que determinavam o gosto nacional da música brasileira, as grandes emissoras de rádio e televisão, todo mundo pra fazer sucesso tinha que ir para o Sul. O Quinteto manteve-se aqui no Nordeste e a gente sempre procurou valorizar os elementos daqui. Então quando a gente chegava lá no Sul eles tinham uma admiração muito grande, mas com uma curiosidade muito especial, dado a forma como o Quinteto trabalhava a música nordestina. Tanto que num determinado momento, o próprio Luiz Gonzaga estava abandonado, meio sem muita mídia, e um produtor lá de São Paulo resolveu fazer com que as pessoas tivessem um conhecimento melhor da música de Gonzaga, e no início dos anos 1970, surgiu o Quinteto e ele viu a leitura do Quinteto na obra de Gonzaga, achou encantador esse formato e convidou a gente para levar Luiz Gonzaga conosco para dentro das universidades, para dentro da academia. Os estudantes universitários em São Paulo, que eram a elite da cultura brasileira, precisavam conhecer a importância da obra de Gonzaga e o Quinteto era o grande anfitrião que iria mostrar isso. E fizemos o circuito universitário, com Gonzaga, e que trazia como sanfoneiro de apoio, Dominguinhos [1941-2013], que é nosso conterrâneo aqui de Garanhuns. E quem abria o show, com o violão na frente, era o cantor maldito, na época, porque ele fazia música de protesto, era Gonzaguinha [1945-1991], esse gênio da poesia, da cantoria, da música brasileira, que abria o espetáculo com a gente. Fizemos mais de 10 cidades do interior de São Paulo dentro das universidades. Foi uma experiência fantástica, que serviu para que a gente ouvisse de Gonzaga um relato do que representava para ele o Quinteto Violado. Inclusive, no “Sertão”, você vai ouvir um depoimento gravado que a gente fez com Gonzaga, ele definindo o Quinteto, eu pergunto a ele o que representa o Quinteto para a música. Ele disse: “tudo, a sustança, o tutano do corredor do boi, Cego Aderaldo [1878-1967], Frei Damião [1898-1997], Padre Cícero [1844-1934], Lampião [1898-1938]”, aí sai por ali definindo o Quinteto, o que representava para a música, para a história da cultura brasileira. Isso nos emociona até hoje. Então a gente teve, nesse momento, com o “Sertão”, essa oportunidade também de a gente continuar quebrando esse preconceito que se tem com a música nordestina, que aqui, a música nordestina, para nós, para o Maranhão, a Bahia, o Ceará, para todos os grandes movimentos de música nordestina, a gente tem em Pernambuco também um celeiro, então tudo isso faz com que hoje a gente mostre cada dia mais a riqueza desse conteúdo, desse poderio, dessa qualidade musical nordestina. E o “Sertão” contribui pra isso.

ZR: O grupo está trabalhando em algum álbum novo? O que você pode adiantar?
MM: A gente passou por cinco décadas, de século para outro, de milênio para outro, as mídias e a tecnologia vão mudando, vão trocando, mas a gente começou com o vinil, o elepê, passamos quase 10 anos com isso, depois veio o k7, veio o cd, veio o dvd, veio as outras mídias e hoje a gente está no streaming, que são os meios de comunicação, as redes sociais, e a gente está hoje vivendo isso tudo. E sempre, com Toinho ainda conosco, a gente procurava fazer com que essa evolução acompanhasse a nossa história, a gente não se curvava, nem se procurava ser peça de museu, a gente sabia que tinha que evoluir e a gente foi evoluindo para essa modernidade, trazendo equipamento, trazendo desenvolvimento tecnológico também para a nossa criação musical, claro, preservando nossas raízes, mas agregando elas e qualidade, para competir com o mundo de hoje. Então a gente faz uma música hoje que pode ser tocada em qualquer canto do mundo e com a mesma qualidade, como a gente já viajou países da Europa, da Ásia, da África, e onde a gente chega o respeito é muito grande, porque sabem que a gente está levando uma música de identidade cultural, então isso é muito importante. A gente tem ideia de fazer, terminando esse circuito que a gente está fazendo, a gente vai para um estúdio e vai registrar o “Sertão”, o áudio do “Sertão” vai se tornar um disco, vai se tornar um álbum que vai para as redes sociais e que a gente quer fazer um álbum físico desse trabalho, que está muito bonito. Já estamos com um estúdio aqui reservado, e um espaço onde a gente vai fazer também um vídeo documental desse repertório, com a gente tocando. Vocês vão ter a oportunidade de curtir isso e guardar esse momento do Quinteto.

ZR: Entre as referências do Quinteto Violado estão nomes como Luiz Gonzaga e Geraldo Vandré. Que novos nomes têm chamado tua atenção?
MM: Dos nomes de referência eu teria muitos para citar, referências para o Quinteto Violado. Como eu falei, no começo da nossa entrevista, sobre o Quarteto Novo, o Heraldo do Monte, violeiro, o Hermeto Pascoal, o Carlos Malta, o Geraldo Vandré, pela sua obra poética. Eu tive a oportunidade, antes de o Quinteto se formar, eu estava em formação acadêmica na Europa, passei um ano na Bélgica, onde eu gravei um disco com os cabo-verdianos, e cantei em criolo a música cabo-verdiana quando eles lutavam pela liberação das colônias portuguesas, que resultou na Revolução dos Cravos, acabou com o salazarismo, eu trabalhei com eles. Em Roterdã gravei um disco chamado “História, história”, depois na França eu me encontrei com Geraldo Vandré, ele estava querendo fazer um disco, eu ajudei a fazer, foi o último disco que ele fez cantando, chama-se “Das terras de Benvirá” (1973); você encontra esses trabalhos no spotify, ou no google, então foi o último disco que Vandré fez cantando. Eu quando vim para o Brasil, que comecei o Quinteto com Toinho, eu contava essas histórias e ia mostrando para eles, e ele resolveu que a gente num determinado momento fizesse um trabalho chamado “Quinteto canta Vandré” (1997), e os arranjos Toinho ficou muito emocionado quando a gente começou a trabalhar o repertório do Vandré, e 10 anos depois, a gente resolveu transpor esses arranjos do “Quinteto canta Vandré” para uma grade de orquestra sinfônica e fizemos um concerto com a Orquestra Sinfônica Jovem do Conservatório de Pernambuco, no Teatro Santa Isabel, nós registramos isso em dvd, eu botei o nome “Uma canção que virou concerto” (2008). Mas eu acho que Vandré foi importante, eu tive importância, na minha formação musical também, do meu contato com Sérgio Ricardo [1932-2020], nós fizemos o projeto fantástico que infelizmente um imbecil que foi presidente desse país destruiu a Funarte, fazia o Projeto Pixinguinha, o Collor de Mello acabou com essa instituição praticamente, acabou com esse projeto, que foi o projeto mais fértil da música popular brasileira, o Projeto Pixinguinha, nós fizemos em todas as regiões brasileiras e fizemos com muita gente importante, fizemos inclusive com Sérgio Ricardo, fizemos com Elomar Figueira de Mello, o menestrel das caatingas, fizemos com Paulo Diniz [1940-2022], fizemos com, enfim, uma infinidade de autores, compositores, artistas, e a gente saiu aprendendo e dividindo com eles. Nesse espetáculo “Sertão”, a gente realça a importância poética de um Vander Lee [1966-2016], que é aquele cara que fez “Brasil”, e que se refere ao sertão, e também tem “A vida nordestina”, de Djavan, que é um cara que a gente tem uma admiração muito grande, tivemos a oportunidade de viajar com ele numa comitiva encabeçada por Chico Buarque e Ruy Guerra, para Angola, nós fizemos o projeto Kalunga, com Edu Lobo, com Martinho da Vila, com Dorival Caymmi [1914-2008], com o MPB4, enfim, com muitos artistas importantes, Clara Nunes [1942-1983], João do Vale [1934-1996], e a gente andou por aquelas terras de Lobito, Benguela, Luanda, cantando, contando coisas, e aprendendo com eles, foi ali que lançou-se Djavan, na época, Elba Ramalho, Geraldinho Azevedo, enfim, tudo isso o Quinteto vivenciou, e tantas vezes a gente foi indicado para o Prêmio da Música Brasileira, mais de 10 vezes, ganhamos quatro Prêmios da Música Brasileira, e quando chegava na premiação todos os artistas faziam as maiores reverências ao Quinteto pela importância e pela influência que ele proporcionou a tantos músicos, compositores da nossa geração, então tudo isso nos faz olhar para trás e ficarmos muito felizes com o legado que a gente já tem para deixar com a música popular brasileira. Então a nossa história vai por aí.

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