Roy Ayers (1940-2025), a medida da influência

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PUBLICADO EM 20 DE MARÇO DE 2013:

Ao lado de James Brown e George Clinton, o soulman Roy Ayers, de 72 anos, é um dos músicos mais sampleados pelo Olimpo do hip-hop e do R&B. Mos Def, Snoop Dogg, A Tribe Called Quest, Large Professor, Notorius B.I.G., DMX, Thug Life, The Roots, Guru, Mary J. Blige, Digable Planets, entre dezenas de outros, passaram Ayers pelo seu coador. Discípulo de Lionel Hampton, gravou disco com Fela Kuti, Music of Many Colors (1980) e asfaltou a ponte entre a onda de soul, jazz e funk dos anos 1970 e o rap dos anos 1980. Ayers chega ao Brasil para o Nublu Jazz Festival, no Sesc Belenzinho (e em Ribeirão Preto). Além dele, o festival mostra o R&B de Robert Glasper; a banda Headhunters (de Herbie Hancock); o quarteto italiano Calibro 35; e duas lendas brasileiras, João Parahyba e Lanny Gordon. Ayers toca amanhã, às 21h30. Antes, falou ao Estado por telefone.

Obrigado pelo seu tempo, sei que é um homem ocupado.

AYERS – Sou ocupado, mas não para gente do Brasil. Amo o Brasil. Toquei uma vez num festival ao ar livre em São Paulo, e a música atravessou a noite. E o McDonald’s do lado do nosso hotel ficava aberto 24 horas. Nunca vi nada parecido, em lugar algum do mundo. O público dançando 24 horas, e a música o tempo todo. Nunca param de tocar. Foi maravilhoso. Quando eu penso em Brasil, penso em tudo. Foi muito legal. 

Mas em New Orleans a cena é parecida, é muito frenética.

Toquei lá em maio passado. Sim, New Orleans é legal, mas eles fecham às 2h, 3h da manhã. Ninguém mais pode tocar depois dessa hora. No Brasil é direto, ninguém para a música.

Bobby Womack, Sharon Jones, Roy Ayers: gente muito boa dos anos 1970 está sendo redescoberta agora. Como o sr. vê isso?

Penso que é maravilhoso. É um reconhecimento de que eles ainda estão aqui, e que fazem música fantástica. Mas o mais importante é que ainda estejam por aqui, vivos, continuando a fazer música. Vi muitos daquela geração morrerem, como Barry White, por exemplo. Eu fui colega de Barry White na escola, em Los Angeles. Quando gente como ele morre, meu coração se entristece muito. Deram uma grande contribuição à música. Poderiam estar aqui ainda, por isso que é importante as pessoas irem aos shows desse pessoal, comprarem seus discos.

O sr. é um inovador. “Ayer” significa ontem em espanhol. Mas sua música o mostra sempre como um homem do amanhã.

O amanhã está sempre chegando. É esse o meu espírito. Quando eu era muito garoto, fui inspirado pelos discos de Lionel Hampton. Me tornei um vibrafonista como ele. Eu tinha 16, 17 anos quando adquiri meu primeiro vibrafone. Custava US$ 300, era dinheiro demais para qualquer pessoa naquela época. Mas minha mãe me deu e eu quase deixei minha família louca. Eu tocava o tempo todo, não parava nunca, não dormia. Mas chegou uma hora em que me dei conta de que queria ser Lionel Hampton. Eu era jovem e não entendia. Nunca disse a meu pai e minha mãe que planejava ser ele. Mas aí comecei a crescer, e me dei conta de que não era possível ser ele, apenas ser parecido com ele. Foram anos e anos de amor à música.

O sr. foi influenciado inicialmente pelo jazz, mas depois enveredou pelo soul, pelo funk, pelo R&B. E tocou com Tito Puente.

É porque estava tudo lá. Tito Puente foi um dos grandes artistas do nosso tempo. Quando costumávamos tocar Hong Kong Mambo, meu Deus! Foi fantástico quando gravamos juntos o disco Nuyorican Soul. Além de Tito e eu, havia Louie Vega, George Benson, Jocelyn Brown. Gente maravilhosa participou daquele álbum. Estar no palco com Tito Puente ao mesmo tempo era uma coisa, ele era um gênio. E depois eu fui para a Nigéria tocar com Fela Kuti. Ele tinha 27 mulheres. Eu disse: “Fela, porque não uma só ou duas?”. Ele respondia: “Esse é o jeito africano”. Uau! As pessoas na Nigéria são como as do Brasil, amam o “flow” da música. Vou te contar uma história: eu tinha 22, 23 anos quando conheci Antonio Carlos Jobim. Eu estava no estúdio em Los Angeles gravando com um músico chamado Jack Wilson. O álbum se chamaria Brazilian Mancini (1965). Wilson tinha um cara chamado Tony Brazil no disco, tocando violão, além de Sebastianito (Sebastião Neto), Chico Batera. E o tal do Tony Brasil… O nome real do músico não era Tony Brazil. Era Tom Jobim. O Rei da bossa nova! Fiquei muito feliz porque ele adorou meu estilo, elogiou meu jeito de tocar. Eu não acreditava: tinha 23 anos e estava tocando com Tom Jobim! Sérgio Mendes estava lá também, mas não tocou. Encontrei Sérgio dois anos atrás no Blue Note de Nova York e disse a ele: “Eu sou Roy Ayers, toquei com Tom Jobim em Los Angeles, você estava lá. Lembra daquele dia?”. Ele riu. “Yeah, man! Eu lembro!”.

Erykah Badu diz que o sr. é o Rei do Neosoul. Concorda?

Chamo de neosoul também. Porque é uma combinação de muitos tipos de música aos quais eu fui exposto ao longo da minha vida: jazz, hip-hop, blues, bossa nova, R&B. Qualquer nome que deem a isso, cabe no que eu faço. Muita gente sampleou minha música, mais de 40 selos. Trabalhei com Guru and Jazzmatazz. Minha relação com o hip-hop é tão natural que, em setembro, vou lançar um disco novo, Neosoul Groove, que espelha um disco de Quincy Jones, Back on the Block (1989). Vou criar a partir daquela experiência de Quincy, farei uma nova fusão só com artistas do hip-hop. Porque toda hora é hora de mudar.

E o cinema? O sr. fez trilha para cinema também, certo?

Fiz a trilha sonora de Coffy para Pam Grier, em 1973 (direção de Jack Hill), e Quentin Tarantino, no filme Jackie Brown, usou muito da música que compus para Coffy. Mas não fiz mais. Se meu agente me trouxer outra encomenda, vou adorar.

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