Crise do audiovisual leva setor a reunião emergencial com o governo

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O secretário executivo do Ministério da Cultura, Márcio Tavares

O Ministério da Cultura (MinC) participou nesta segunda-feira, 9, de uma reunião virtual de caráter emergencial com o setor audiovisual brasileiro para discutir a crescente insatisfação com a condução das políticas públicas da área pela atual gestão, após dois anos de governo. O MinC foi representado por Márcio Tavares, secretário executivo da pasta, número dois da ministra Margareth Menezes. O encontro foi pedido pelas entidades do setor, inicialmente, para discutir a iminente indicação do nome da gestora e educadora Patrícia Barcelos, do Ministério da Educação (MEC), à Agência Nacional de Cinema (Ancine). Ela deverá ser sabatinada pelo Senado para ocupar uma vaga na diretoria colegiada da agência no lugar que será vago com a saída de Tiago Mafra.

A reunião durou duas horas e contou com 10 entidades representativas de classe (Associação Brasileira de Cineastas, a Associação Paulista de Cineastas, Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte, Nordeste, Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual e Associação Brasileira de Obras Audiovisuais, entre outras). Tinha sido solicitada uma conversa que contasse com, além da presença do secretário executivo do MinC (Marcio Tavares), a secretária do Audiovisual, Joelma Gonzaga, mas esta última não pode participar por conta da agenda de trabalho. A saída foi deflagrar uma primeira conversa com o secretário e postular um segundo encontro com a participação da titular da Secretaria do Audiovisual (SAv).

A ideia de convocar a reunião surgiu sob o impacto da revelação de que o governo irá indicar, para a diretoria da Ancine, o nome de Patricia Barcelos, informação que foi revelada com exclusividade pelo FAROFAFÁ em 23 de julho. As entidades foram surpreendidas com a escolha, para a qual não foram consultadas, e querem garantir que o perfil do novo diretor seja o de uma pessoa que atue no setor, de preferência na área de produção. Há muitas urgências no audiovisual atualmente e a diretoria da Ancine já conta com uma maioria de servidores nomeados no mandato anterior (apenas um dos quatro diretores do colegiado atual foi indicado por Lula), uma gestão que aprofundou a concentração de recursos e agiu de forma contrária ao desenvolvimento do setor e da democratização.

Márcio Tavares não comentou a indicação de Patricia Barcelos, mas sua argumentação confirma que a escolha do governo (nome que tem de ser levado ao Senado nos próximos dias) é irreversível. Ele preferiu aconselhar o setor a pressionar por uma solução futura: conseguir aprovar a criação de uma quinta vaga para a agência, na qual as entidades poderiam interferir na escolha. Disse que todas as agências têm cinco diretores, e somente a Ancine tem quatro.

Mas a pauta era mais ampla. O setor está passando por uma crise e, insatisfeito, sente falta de interlocução com as autoridades do setor. A área avalia que há uma dessintonia entre a cúpula do MinC e a Secretaria do Audiovisual, que é responsável pelas políticas para o cinema. Não se divulga um cronograma preciso de trabalho, os organismos deliberativos do setor (Conselho Superior de Cinema, o CSC, e Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual, o CGFSA) não fazem reuniões assíduas e não há datas fixas anuais para lançamento de editais. Para a indústria cinematográfica, a questão da previsibilidade é considerada fundamental. Os produtores reclamaram também que não houve este ano a publicação de atas das reuniões do CSC e do CGFSA. As entidades representadas veem uma ausência clara de políticas de continuidade e de transparência. Marcio Tavares prometeu que, nos próximos 15 dias, o ministério deverá publicar o cronograma dos editais atrasados.

A outra grande questão subjacente aos temas da rotina audiovisual está penando no Congresso Nacional nesse momento. Trata-se da regulação do Vídeo Sob Demanda (VoD). Os produtores quiseram saber qual é a estratégia do MinC e da SAv para assegurar que haja uma regulação do VoD ainda este ano. O que o MinC efetivamente defende, já que sua posição tem sido ambígua? Foram também levantadas dúvidas sobre a renovação do incentivo fiscal (a vigência da Lei do Audiovisual, principal fonte desse fomento, vence no fim do ano), o teto de captação e a obrigatoriedade de primeira janela.

O secretário executivo do MinC demonstrou ter um diagnóstico da ausência de “um denominador comum do setor” para orientar o ministério. Sua fala evidenciou que, antes da eleição de outubro, o Congresso não deve examinar o tema da regulação do VoD, mas mostra o governo aparentemente em sintonia com o projeto que desfruta de uma maior aprovação da área audiovisual, o Projeto de Lei do deputado André Figueiredo, embora aponte que ainda vê “problemas” no texto (necessidade de poucos ajustes). Há outro projeto tramitando, do senador Eduardo Gomes, que é considerado regressivo em relação aos debates atuais (mas que conseguiu apoios de lideranças do PT, partido do governo). O diretor da Associação Brasileira de Empresas Produtoras de Animação (Abranima), Igor Bastos, rebateu a fala sobre o problema do consenso em relação ao PL do deputado André Figueiredo – foi enviada à secretária do Audiovisual uma carta com centenas de entidades subscrevendo seu apoio ao projeto.

Tavares apontou ainda outro motivo para o atraso: o governo somente agora estaria recebendo os dados das receitas das plataformas de streaming, o que deverá permitir projetar o significado e os tetos para as taxações (pela via da Condecine). Mas, sem uma mobilização social, disse o dirigente do MinC, será difícil trabalhar o tema no Congresso, porque o governo já não tem o mesmo poder de barganha de que dispunha em outros momentos políticos. Dirigentes das entidades presentes também rebateram essa fala, dizendo que o problema está mais na falta de uma liderança do governo que tome a frente na negociação parlamentar. Tiago de Aragão, da API (Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro), afirmou que há descontentamento em todas as regiões do País com a condução das políticas do audiovisual.

Marcio Tavares garantiu que as chamadas seletivas serão retomadas este ano (Prodav e Prodecine) e dispõem de cerca de 1 bilhão de reais do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Também prometeu que, a partir do ano que vem, haverá previsibilidade dos fluxos de liberações e pagamentos desde o primeiro semestre. O recente contingenciamento do orçamento federal pelo Ministério da Economia, em busca do déficit zero, impactou em diversas áreas, mas o secretário afirmou que o audiovisual foi a única área do governo que não sofreu contingenciamento (todas as outras áreas tiveram contingenciamentos agudos). O FSA não foi impactado, disse – esse entretanto, não é um mérito da gestão, já que os recursos do FSA provêm de um tributo, é uma característica legal desses recursos.

Entretanto, há outros problemas decorrentes dos cortes. Um deles foi revelado essa semana no FAROFAFÁ, que ouviu servidores e produtores que se utilizam dos serviços do Centro Técnico do Audiovisual (CTAv), no Rio de Janeiro, e revelou que o MinC eliminou serviços de terceirizados que podem levar a instituição ao fechamento. O ministério negou, em mensagem ao site, a intenção de fechar por quatro meses ou mais os serviços do CTAv, mas o número de corte exigidos torna impossível o funcionamento da instituição.



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