Os arcos lacrados do Teatro Oficina, na Bela Vista, região central de São Paulo

No início da tarde desta terça-feira, 6 de fevereiro, mais de 50 pessoas carregando flores e cantando cantigas de Carnaval saíram do interior do Teatro Oficina Uzyna Uzona de mãos dadas e fizeram um cortejo pela Rua Jaceguai, no Centro de São Paulo. O ato foi um desagravo em relação à investida que o Grupo Silvio Santos moveu contra o Teatro Oficina na segunda-feira, 5, quando funcionários do empresário da comunicação, hoje com 93 anos, entraram no terreno dos fundos do Oficina e lacraram com tijolos e cimento dois arcos no beco que há na parte traseira da edificação, na Bela Vista, construção tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 2010, além de protegida pelos patrimônios históricos estadual (1983) e municipal (1991). A investida é parte de uma animosidade que se arrasta há pelo menos 40 anos – o Grupo Silvio Santos quer se apossar do terreno do entorno para construir um shopping, e o Oficina argumenta que o corredor cultural que tem seu maior símbolo no teatro será terrivelmente prejudicado pelo empreendimento. O Oficina luta pela criação do Parque do Bixiga, que protegeria toda a área.

No ato desta terça, integrado por atores (como Paschoal da Conceição, cujo personagem mais famoso, o Dr. Abobrinha, da série Castelo Rá-Tim-Bum, foi inspirado nas obsessões de Silvio Santos), espectadores, simpatizantes e moradores da Bela Vista e encabeçado pelo diretor do Oficina Uzyna Uzona, Marcelo Drummond, também houve uma lavagem simbólica dos arcos emparedados por Silvio Santos, com a instalação de flores entre os tijolos do lacre. A vigília prosseguiu durante a tarde, com intervenções, cantos e leituras dramáticas e poéticas pelas imediações. O Iphan informou que não autorizou nenhum tipo de intervenção no teatro, que é tombado, e deve notificar o Gruppo Silvio Santos (que, segundo informações, não teria uma ordem de reintegração de posse para entrar no local).

Há diversas lutas a serem empreendidas contra a voracidade especulativa na cidade, mas poucas tão bonitas quanto a do Teatro Oficina. É uma história que se insere na própria filosofia de humanização da metrópole, de aproximação das diferenças, desenraizamento dos preconceitos e das ideias pré-concebidas sobre os processos artísticos (além da arquitetura revolucionária, que o levou a ser considerado, pelo jornal britânico The Guardian, o melhor teatro do mundo).

Abaixo, um pouco das definições do próprio engendrador do Oficina, José Celso Martinez Corrêa, sobre a importância simbólica do teatro, revitalizado por um projeto da arquiteta italo-brasileira Lina Bo Bardi:

Nós chamamos o nosso teatro de Oficina e escolhemos como símbolo a bigorna, porque isso significava trabalho e se pretendia ligar o trabalho teatral a qualquer outro, colocando o ator como um operário, como um simples proletário, para desmistificar certa ideia de que o teatro é uma coisa mítica, dependendo de dom, vocação e até mesmo de um apelo religioso.

O Oficina é um programa aberto para pessoas devorarem, consumirem e  nascerem de novo. Fazer como o Oswald de Andrade, como ele deve ter feito com outro.

Tragicomédiaorgya: um teatro para multidão, que transcende as classes sociais. É um terreiro eletrônico, onde haverá água, terra, fogo, jardim e céu, monitores de vídeo e som. O Oficina é baseado numa contracenação de contrários: tecnologia e natureza, carro alegórico e lugar físico, ator protagonista e coro.

TE-ATO é um ato de comunicação direta qualquer. Você encara tudo o que acontece no dia a dia como um teatro, onde cada um de nós tem em si um personagem.

TE-ATO é uma ação de desmascaramento do teatro das relações sociais. É através da ação que você chega a mudar alguma coisa. E no TE-ATO há isso, essa crença de que o homem é que muda o homem.

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