Josyara no cerne da Timbalada

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A cantora, compositora e violonista Josyara - foto: Natalia_Arjones/ divulgação
A cantora, compositora e violonista Josyara - foto: Natalia_Arjones/ divulgação

Desde o álbum de estreia, Mansa Fúria (2018), o canto de Josyara e a síncope de seu violão, percussivo na essência, trazem a potência do axé com a carga política do samba-reggae, híbrida invenção do movimento negro baiano.

Aprofundada em ÀdeusdarÁ (2022), a obra autoral da cantora, compositora e violonista conterrânea de João Gilberto (1931-2019) é música ao mesmo tempo para dançar e pensar, focando as lentes na luta pela emancipação de minorias como negros e mulheres.

Single lançado há quase um ano, o dueto com Juliana Linhares em “Não Tem Lua” (Durval Lelys), hit do Asa de Águia lançado em 1992, ano de nascimento da artista, pavimenta o reencontro de Josyara com o DNA de uma música popular brasileira produzida na Bahia extremamente impregnada no inconsciente coletivo brasileiro para além do carnaval.

Em entrevista ao FAROFAFÁ ano passado, a artista já havia comentado com este repórter o lugar da axé music em sua formação musical.

"Mandinga Multiplicação: Josyara Canta Timbalada". Capa. Reprodução
“Mandinga Multiplicação: Josyara Canta Timbalada”. Capa. Reprodução

O mergulho no axé agora é mais profundo: nesta sexta-feira (2), dia de Iemanjá, chega às plataformas digitais o EP Mandinga Multiplicação: Josyara Canta Timbalada (Deck, 2024; faça aqui o pré-save), em que Josyara revira do avesso seis clássicos da banda fundada por Carlinhos Brown no início da década de 1990. Na data, Josyara se apresenta, marcando o lançamento do novo trabalho, na tradicional Festa de Iemanjá, no Rio Vermelho, em Salvador/BA.

Digo revira do avesso para dizer que Josyara refaz meia dúzia de hits do grupo percussivo – seu nome vem de timbal – sem usar qualquer instrumento de percussão: em metade do EP ela própria se acompanha ao violão, violão de nylon, violão barítono e tiple, um instrumento colombiano de cordas dedilhadas, semelhante à guitarra; na outra metade lhe fazem companhia os também baianos Felipe Guedes (violão de aço e violão barítono) e Gabriel Rosário (bandolim).

Ela faz uma espécie de percurso inverso para chegar ao cerne das canções, algo próximo, podemos imaginar, de como foram criadas, para depois ganhar o corpo sonoro percussivo que anima foliões durante o carnaval e seu desfile de blocos e trios, e corações para além, durante o ano inteiro.

O repertório abre com “Ralé” (Alain Tavares/ Carlinhos Brown/ Gerônimo), mais atual do que nunca: “Jesus desde menino é palestino”, diz a letra. Dois motivos levaram a artista a escolher a música como vinheta de abertura do EP: “o genocídio que está acontecendo na Palestina e o fato de que muitas pessoas se utilizam da religião para massacrar outras, esquecendo que a própria figura de Jesus vem do lugar da escassez, do combate às opressões e defesa dos mais pobres. Esta é uma reflexão urgente para o mundo todo”, instiga.

Seguem-se “U-Maraca” (Jonny/ Val Macambira), de cuja letra vem o título do EP, “Mimar Você” (Alain Tavares/ Gilson Babilônia), já regravada por Caetano Veloso, “Namoro a Dois” (Alain Tavares), “Margarida Perfumada” (Carlinhos Brown/ Cícero Menezes) e “Tá Na Mulher” (Alain Tavares/ Carlinhos Brown).

“Interpreto essa canção como uma oportunidade de ressignificar muitas coisas. Ela traz uma exaltação às mulheres que eu, enquanto uma mulher lésbica, acho que faz muito sentido cantar, mas ela também me dá a ideia de que é possível vislumbrar possibilidades diversas de existência para as mulheres. Quis muito cantá-la repaginando tanto os arranjos como a forma de dizer o que já foi dito, só que de outra forma: acho que esse é, afinal, o desafio e o prazer de interpretar uma canção que não é nossa”, sintetiza Josyara sobre a última faixa e, de algum modo, sobre o EP.

Fotografada por Natália Arjones, Josyara aparece na capa de Mandinga Multiplicação com a pintura corporal marca registrada do grupo que homenageia: símbolos tribais em tinta branca, invenção do artista plástico soteropolitano Ray Vianna. Mais um atestado da filiação musical de Josyara.

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