O melhor bar do mundo é aqui e agora

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O bar Venezas, no Ipiranga, em São Paulo, na rua Brigadeiro Jordão, 294

Todo mundo costuma fazer seus rankings de melhores bares do Brasil. É talvez um dos mais escarnecidos passatempos populares, tirando o de malhar escolha de técnico da seleção. Não me desmintam, tenho provas.

Essa semana, um desses passatempos ganhou um condimento extra: um bar de São Paulo, o Venezas, no Ipiranga, papou o bicampeonato de Melhor Boteco do País, 2022/2023, na eleição do prêmio Comida di Buteco. Venceu 300 competidores do Estado de São Paulo (100 na capital), e bateu outros mil bares graduados do Brasil todo. Aí é como se juntassem os dois hábitos: o de escolher bar e o de malhar as unanimidades dos outros.

Na noite de sexta-feira, 7, parte da sedenta equipe de FAROFAFÁ foi ao Venezas para conferir se a façanha foi justa. Não fomos por fidelidade ao jornalismo investigativo de raiz forte. Também não foi por zelo com o botequismo público. É que o Venezas, que eu não conhecia nem tinha ouvido falar, fica a apenas 15 minutos de carro da minha casa. Não custava. Quer dizer: custava, mas compensava.

Fui ao Venezas com o espírito de desmascaramento ligado. Amigos, eu conheço o Bar do Léo, de São Luís. Conheço a Bodega do Veio, de Olinda. Conheço o Jobi, do Rio. Conheço o Frangó, em São Paulo. Conheci o finado Genésio. Fiz festa de aniversário no SubAstor. Quando falo em bares, eu falo já replicando o discurso do replicante de Blade Runner: “Eu vi coisas que vocês, humanos, nem iriam acreditar. Naves de ataque pegando fogo na Constelação de Órion. Vi Raios-C resplandecendo no escuro perto do Portal de Tannhäuser. Todos esses momentos ficarão perdidos no tempo, como lágrimas no chope”.

O Venezas é o irmão menor dos inúmeros estabelecimentos de um quadrilátero inteiro tomado por bares de grande apelo popular. Tem cara de cantina italiana aculturada – sua decoração é um esforço do kitsch serial, com a superposição bem-dosada de elementos tradicionais, pop e bagaceiros. Eu vi uma Bola Wilson do filme O Náufrago, um aviso dos Caça-Fantasmas e uma fita cassete do Xou da Xuxa entre miniaturas de gôndolas venezianas e piratas de látex de decoração de pousada de Paraty.

Júnior, o proprietário, contou que nunca tinha pensado em se tornar botequeiro. Houve um tempo em que trabalhava numa multinacional nas imediações do Venezas, que já existia havia 10 anos então. Ia com os amigos beber ali no final do expediente. Um dia, os donos lhe ofereceram o bar para que o comprasse. “Eu pensei: vou ficar um ano aqui, experimentar, vamos ver se isso rola”. E comprou. Acabou sendo sequestrado pela própria ousadia: já está no balcão há 23 anos (exatamente o tempo que existe o prêmio Comida di Buteco), largou as outras atividades.

Júnior inventou as tradições todas que podem parecer ancestrais para o visitante de primeira viagem. De família portuguesa, deixou que os hibridismos vencessem. A avó portuguesa, Dona Rosa, morreu há 12 anos, mas deixou algumas receitas de família. Uma delas, uma caminha de aligot (um purê de batatas cremoso com três queijos) coberta com ragu de pernil à vinha d’alhos, servida com crostas e duas talas de bacon fritas, foi o prato que lhe garantiu o bicampeonato. Custa 59 reais. É realmente um achado o prato, e serve duas pessoas tranquilamente.

Por causa do hype, o cardápio tinha alguns pratos com a tarja “não disponível” em cima. Foi necessário fazer escolhas. A casa é pequena, a equipe é pequena, a equipe de TV do SBT ficou tempo demais fazendo sua gravação da sensação da noite ali. Uma mulher reclamou da lentidão do atendimento, mas os prêmios criaram tal frisson em torno do Venezas que acho que a culpa não é dos garçons e garçonetes vestidos de gondoleiros ou das cozinheiras. O bar é especializado em cervejas e chopes artesanais nacionais, como o Hoffen, de Votorantim, além de cachaças e petiscos. No ano passado, também ganhou prêmio pela Melhor Caipirinha. Tem também linguiças artesanais e bolinhos.

Analisando friamente o Venezas com o rigor tecnocrático de botequeiro acidental, é preciso que se diga que o bar parece desencanado. A fama não lhe subiu à cabeça, segue tranquilo sua rotina de boteco de bairro, inserido calmamente nas agendas do happy hour ipiranguense. Mesmo que seja destronado algum dia, conquistou sua coroação local há muito tempo, não vai depender nunca de aventureiros como nós.

Mas, fiel às regras do mesa-redondismo de futebol, vou encerrar aqui com um pequeno ideário. Um bar é aquilo que projetamos nele. Não é um pratinho bem-feito, não é um chope bem tirado (opa, isso aqui eu digo sem tanta convicção), não é um atendimento exemplar, não é um petisco exótico. Bar é coisa imantada, é história viva, é a incorporação do obstáculo, é uma subversão da ditadura do conforto e do acolhimento. O Venezas é o bar do coração de alguém, mas definitivamente ainda não possui a fuligem necessária para conquistar o meu.

O prato Dona Rosa, que deu o título de Melhor Boteco do Brasil ao Venezas
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